segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

 

O Bom Jornalista



Segundo o «Correio da Manhã», o director do jornal matutino «Público», José Manuel Fernandes, criticou num artigo da revista «Atlântico» que será publicada hoje a actuação dos jornais «Expresso» e «Diário de Notícias».

Em causa está aquilo a que o director do «Público» chama o «mau jornalismo» da publicação da sondagem do «Expresso» sobre a homossexualidade em Portugal, e também os artigos de Fernanda Câncio no «Diário de Notícias» sobre o casamento das lésbicas Teresa e Helena.

José Manuel Fernandes não resiste ainda a referir-se àquilo a que chama «o hábil agendamento mediático do “caso Teresa e Helena”» que relaciona com a publicação da sondagem do «Expresso» e também com a petição entregue recentemente na Assembleia da República sobre o casamento homossexual.

Não sei exactamente qual o conceito que José Manuel Fernandes faz de «mau jornalismo».

Mas, pelas suas palavras, fiquei a saber qual o tipo de jornalismo que pratica, a que corresponderá, sem dúvida ao seu conceito de «bom jornalismo».
Ora, no seu artigo, José Manuel Fernandes fala do «agendamento mediático do caso Teresa e Helena», agendamento esse a que chama «hábil», porque o relaciona com o artigo do «Expresso» e com a petição entregue na Assembleia da República.

Mas, como estou farto de explicar às pessoas, o “caso Teresa e Helena” está absolutamente desligado de quaisquer organizações, sejam elas quais forem, e é completamente alheio a qualquer iniciativa mais ou menos mediática que tenha sido levada a cabo sobre o mesmo assunto.
O "agendamento" do caso, que José Manuel Fernandes no alto da sua iluminada sapiência descobriu que era «hábil», decorreu somente do tempo que mediou entre o dia 7 de Dezembro de 2005 (dia em que foi publicada no «Jornal de Notícias» uma referência ao meu nome) e o dia 1 de Fevereiro de 2006 (data em que a Teresa e a Lena se apresentaram na Conservatória).
Tempo esse que foi o estritamente necessário para, como é óbvio, haver um prévio conhecimento pessoal e directo das pessoas, e para a elaboração das alegações de recurso que deveriam ser entregues imediatamente após o expectável indeferimento do processo de casamento.

Mas, pelos vistos, para José Manuel Fernandes o conceito de «bom jornalismo» corresponde (depois de uma despudorada crítica aos seus colegas de profissão), à publicação de um artigo de opinião onde expõe conclusões que baseia unicamente em conjecturas e em deduções falaciosas absolutamente desprovidas de qualquer tipo de suporte fáctico.
Tudo bem enquadrado numa indisfarçável homofobia e num inequívoco preconceito que, pelos vistos, lhe deforma o raciocínio.

O que, convenhamos, é uma coisa bem triste para a definição do que é «um bom jornalista».
Muito principalmente se esse jornalista for também o director de um jornal de referência como é o «Público».


sábado, 25 de fevereiro de 2006

 

Direito de Pernada em Democracia



Sobre uma notícia do «Público» a propósito da lei sobre reprodução assistida, este excelente post do João Miranda no «Blasfémias»:

«Os homens poderosos sempre se preocuparam em controlar a sua reprodução e a da concorrência. Os senhores feudais e os chefes de clã tinham direito de pernada sobre as recém casadas, os grandes latifundiários sobre as criadas, os grandes imperadores sobre os seus haréns servidos por homens castrados, os homens de posses sobre a mulher e a amante e os grandes exércitos sobre as mulheres dos povos conquistados. Por isso, é natural que os nossos deputados queiram decidir por que métodos e com que meios financeiros é que nós nos podemos reproduzir. É certo que, graças aos meios democráticos, o procedimento é muito mais civilizado, mas os motivos e os resultados são os mesmos»


O mesmo se passa com o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, e o reconhecimento efectivo e prático da desconformidade constitucional do Código Civil nesta matéria.

Quando os partidos políticos aproveitam a agitação social causada por duas mulheres que foram a uma Conservatória para se casarem, para apresentarem à pressa um «anteprojecto de lei» que prevê a alteração do Código Civil, para daí procurarem retirar uma reputação de progressismo e de coragem política, mas depois agendam a sua discussão para daqui a quase dois anos, isso é de uma iniquidade inqualificável e de um aproveitamento político baixo e abjecto.

Porque, tal como quando se diz que se está «a pensar» na legislação sobre a investigação de células estaminais e sobre a reprodução medicamente assistida, anunciar o agendamento de alterações ao Código Civil para o tornar conforme à Constituição «lá para os fins de 2007» é, na prática, reconhecer a necessidade dessas alterações e que a inconstitucionalidade efectivamente existe.

E é, também, reconhecer que em ambas as situações estamos perante problemas que, afinal, afectam e dizem respeito a centenas de milhar de portugueses!

Mas quando os nossos deputados, quando a sede do poder legislativo democrático português que é a Assembleia da República consegue conviver dois anos com a inconstitucionalidade da principal lei civil e, por manifesta falta de coragem política, se conforma com a situação entretanto vivida por centenas de milhar de pessoas, isso já revela uma sobranceria sobre os portugueses e um autêntico atestado de atraso mental e de menoridade que não posso admitir.

E revela que os nossos deputados assumem e se tomam por dotados de uma espécie de inteligência luminosa que lhes permite definir altos critérios de oportunidade que só eles conhecem. E também de uma superioridade intelectual e política sobre todos os demais portugueses que eu não reconheço – nem a um só – dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

 

Contrabando, contrabando!



Já não me lembro do nome do professor.
Mas lembro-me da alcunha de “Sorna” que lhe ficou indelevelmente ligada.
Por motivos tão óbvios que por mera preguiça me abstenho de explicar.

O velho «Liceu Normal Salazar» em Lourenço Marques foi o cenário de uma das mais engenhosas partidas que já vi pregar a um professor.
A vítima foi, como não podia deixar de ser, o desgraçado do Sorna.
Ainda por cima porque o Sorna tinha a irritante mania que com ele nenhum aluno copiava nos testes. E quando via algum movimento suspeito, avançava furioso para o aluno de dedo espetado e a repetir:
- Contrabando, contrabando!

Pois bem: nesse dia havia teste.
Um colega nosso (rais’parta, que não me consigo recordar do nome) lembrou-se de levar para a sala de aula um belo ramo de rosas vermelhas, alguma boa meia-dúzia delas, convenientemente embaladas em papel celofane transparente, e pô-las escondidas debaixo da carteira.

A meio do teste, ensaiou um ar comprometido e pôs-se todo encolhido a remexer ruidosamente no papel celofane das rosas.
Até que o Sorna ouviu o barulho.
Vendo o ar inegavelmente suspeito do aluno, fez como de costume e avançou para ele furibundo e com ar ameaçador, e de dedo espetado lá declarou:
- Contrabando, contrabando!

Ao que o nosso colega negou:
- Eu, stôr? Eu não! – ao mesmo tempo que fingia esconder qualquer coisa que tinha debaixo da carteira.

O Sorna, claro, não se deixou enganar:
- O que é que tens aí debaixo da carteira?
- Eu, stôr? Não tenho nada, stôr, juro!
- Mostra o que tens aí debaixo se não queres ir já p’rá rua.

Aparentemente conformado, o aluno lá tirou o «contrabando» que tinha debaixo da carteira.
Foi então que o nosso colega apareceu lentamente com o ramo de rosas cuidadosamente seguro nas mãos e, como se não acreditasse nos seus próprios olhos, ajoelhou-se de repente no chão, olhou para cima para o Sorna e com o ar mais angelical deste mundo e a voz a tremer de emoção, disse-lhe:
- Milagre, stôr!!!

O Sorna nem queria acreditar.
Não disse nem uma palavra e voltou muito vermelho para a secretária.
E nunca mais, mas nunca mais mesmo, lhe ouvimos a sua frase favorita:
- Contrabando, contrabando!


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

 

Aqui mesmo ao lado...


...no «Advogado do Diabo»:

- "Casal de lésbicas faz queixa de vizinhos"



 

Macacos de Imitação



Confesso que fiquei chocado!

Eu que pensava que aquela bonita e singela história da rainha que andava a distribuir esmolas e pão aos pobres e que transformava tudo em rosas era bem portuguesa.
Eu que pensava que a história do milagre das rosas era património bem lusitano.
Até já tinha aqui feito um “post” sobre isso e tudo!

Ah, aquela bela história do rei a perguntar-lhe o que levava ela no manto.
E ela a aldrabá-lo indecentemente: “são rosas, senhor”
E a admiração do rei: “rosas em Janeiro???”
E depois a rainha a abrir o manto e as belas rosas a cair.

Que bonito!!!

Mas eis que de repente descubro que 64 anos anos antes de ter nascido a nossa Rainha Santa Isabel, mulher do rei D. Dinis, já tinha vivido uma tal Santa Isabel da Hungria.

E não é que a boa da Santa Isabel (desta vez a da Hungria), estava um dia precisamente a dar pão aos pobrezinhos, quando de repente lhe apareceu o marido.
Ao que parece os maridos não gostam que as mulheres piedosas dêem pão aos pobrezinhos.
Vai daí a piedosa senhora abriu o manto e todo aquele pão se transformou em rosas!

Escusado será dizer que este belo milagre valeu à Santa Isabel da Hungria a canonização pelo Papa Gregório IX em 1235, exactamente 36 anos antes da nossa rainha santa Isabel ter nascido.

Então afinal não podiam ter arranjado um milagre original à mulher?

A honra nacional está em causa.
Estou desiludido.
Macacos de imitação!


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

 

A Tolerância Católica do Senhor Padre



No jornal online «A Região de Águeda» descobri um interessante artigo escrito pelo reverendo Sr. padre João Paulo Sarabando, a que o ilustre prelado deu o título de “Sete Mulheres”.

Nesse artigo o reverendíssimo padre diz coisas que não podemos deixar de considerar acertadíssimas.
É que o Sr. padre diz de si próprio, por exemplo, que é lerdo e que tem um cérebro pequenino como um passarinho.

E se ele o diz, é porque isso é verdade!

Ora, e logo a abrir o seu luminoso texto, o padre lerdo conta-nos que ficou surpreendido quando viu na televisão que duas mulheres tinham finalmente encontrado «um problema sério para ser resolvido neste país» e se queriam casar.
Proclamando-se desde logo a si próprio como intérprete daquilo que para os outros são «problemas sérios» (atitude, aliás, tipicamente católica), e provavelmente por ser lerdo, o Sr. padre logo pensou que as duas mulheres o acusavam de ser ele – logo ele! – que queria impedi-las de exercer um direito estabelecido na Constituição.

Dito isto, poderíamos pensar que o Sr. padre ia pronunciar-se sobre os direitos liberdade e garantias estabelecidos na Constituição da República Portuguesa.
Que nos ia dar uma lição de direito civil e outra de direito constitucional.
Mas não!
Provavelmente por causa das suas auto-reconhecidas limitações cerebrais de passarinho, o Sr. padre nem quis saber disso.
Não: isso não lhe interessa!
Nem isso lhe cabia na sua cabeça pequenina.

O que lhe interessa e lhe cabe no cérebro pequenino de passarinho são os «Mandamentos da Lei de Deus» que, com as mãozinhas à noite por fora dos lençóis, lhe ensinaram a interpretar no Seminário.
E é um pau!

E para interpretar os Mandamentos o Sr. padre só pode recorrer-se do seu cérebro pequenino de passarinho.
Sim, porque o Sr. padre compara-se a si próprio a um passarinho.
Não sei que motivo levará o Sr. padre a comparar-se a um animal.
E logo com este animal.
Ele lá o saberá.

Ora, este animal, subitamente possuído por um peculiar sentido de interpretação do mandamento que ensina a amar o próximo como a si mesmo, dá a si próprio uma lição de caridade cristã e de tolerância tipicamente católica.

Vai daí, para não falar da Constituição ou dos «problemas sérios» das outras pessoas, que isso, pelos vistos não lhe interessa, este lerdo animal não hesita em difamar no seu brilhante artigo aquelas a que chama «as ditas cujas criaturas».
Provavelmente com a lição bem sabida, não sei se encomendada, mas decerto típica do bom católico que é e da instituição que representa, o padre lerdo e passarinho acusou as mulheres que se queriam casar de «deixar um rasto de pouca seriedade» e de não pagarem aquilo que compram.

Não apresenta provas das acusações que, diz ele, «acaba de saber».
Não discute ideias.
Difama, amesquinha, insulta, ofende!

Porque, como é católico e quer representar bem a instituição a que pertence, pensa que é a vilipendiar as pessoas que a razão lhe entra adentro pela pequenina caixa craniana de passarinho que Deus lhe deu.

E depois de ofender, e de tomar as acusações que «acaba de saber» como certas, o bom católico já pode chegar a uma conclusão tão infalível como as do Papa que bajula, e então proclama solenemente: «por aí se pode ver a seriedade desta luta!...».

E para se ver a seriedade deste padre, nada melhor do que assistir ao desabafo que faz à mágoa que tem à «televisão dita cristã» e ao dinheiro perdido que nos dá a entender que investiu na T.V.I..
E como esse dinheiro foi angariado pelo Patriarcado por ocasião da fundação daquela estação televisiva, é interessante ver o Sr. padre acusar o Cardeal Patriarca de «vendedor de banha da cobra» e do descaminho do dinheiro que lhe entregou: «em boa verdade, dinheiro roubado, porque aplicado em objectivos que nunca foram cumpridos».
O bom do Cardeal deve estar muito contente!

Mas o animal vai mais longe:
Decerto alucinado por anos e anos de abstinência sexual, o lerdo padre, com o pequenino cérebro de passarinho – e, quem sabe, até outros órgãos – todo mirradinho, coitado, por falta de uso, defende que a reivindicação dos direitos constitucionais supõe que se olhe para os dois lados.

Seria qualquer coisa assim: eu sei que tens um direito constitucional, mas como eu não concordo com ele, não o podes exercer!
Absolutamente brilhante!
E tipicamente católico, pois claro!

Mas esta alimária de bico e com o cérebro pequenino termina o seu artigo em beleza.
É que, pasme-se, o Sr. padre teve uma ideia!
Viva!!!

Já o estou a imaginar: os olhos muito abertos das pulsões sexuais reprimidas. O remorso pecaminoso de incontáveis poluções nocturnas. Quem sabe a doce dor de um cilício bem apertadinho numa perna. A saliva já a escorrer-lhe pelos cantos do bico de passarinho de cérebro pequenino, com a fina ironia que julgou encontrar.

Pensando que descobriu a pólvora com aquela cabecinha pequenina, e agigantando-se qual avestruz paramentada, diz o nosso professor Gavião que pretende pedir um direito que lhe pertence.
E qual é esse direito?
Nada mais simples:
Depois de odiar o próximo como a si mesmo, depois de levantar falsos testemunhos quando acusa «as ditas cujas criaturas» de deixar «um rasto de pouca seriedade» e o Cardeal Patriarca de lhe roubar o dinheiro da «televisão dita cristã», este bico dourado do catolicismo exacerbado, veio agora cobiçar a mulher do próximo.
Mas não se pense que é um “próximo” qualquer: não!
Este próximo tem que ser marroquino, porque os marroquinos têm sete mulheres.
E ao Sr. padre não lhe bastava uma mulher para fazer sofrer e matar a golpes de castidade.
Não: quer logo sete!

E termina com um raciocínio tão fabuloso como bem redondo:
«De modo que, se estas duas criaturas (Teresa e Lena, não é) querem um direito que não existe no nosso enquadramento jurídico, eu também quero sete mulheres como os marroquinos (e arranjo-as, porque alguns eventualmente também desejariam). Salvo seja… ».

Eu bem podia pegar-lhe na sua ideia luminosa e dizer-lhe ironicamente que, por definição, o casamento poligâmico está mais perto do casamento heterossexual do que do casamento homossexual.
Podia mesmo perguntar-lhe o que é para ele, padre de cérebro pequenino, isso do «nosso enquadramento jurídico».
Podia ainda fazer-lhe a maldade de lhe perguntar porque motivo é que a ideia da homossexualidade o perturba assim tanto.

Mas não o faço, porque estou convencido que o santo homem não ia perceber.
Aquela maldita cabecinha lerda e pequenina de passarinho!

Bem aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos Céus!


terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

 

O Intermediário








(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


domingo, 19 de fevereiro de 2006

 

A Profanação do Cadáver



Código Penal Português:
Artigo 254º
(Profanação de cadáver ou de lugar fúnebre)

Quem:
...
b) Profanar cadáver ou parte dele, ou cinzas de pessoa falecida, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos; ou
c) Profanar lugar onde repousa pessoa falecida ou monumento aí erigido em sua memória, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.



Por iniciativa da Santa Madre Igreja e, não fosse o Diabo tecê-las, sob forte escolta policial (obviamente paga pelo Estado), e ainda com a complacência do Ministério Público, o cadáver de Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria foi hoje profanado.

Arrancado ao túmulo instalado provisoriamente num convento (com a complacente situação de excepção que o Estado e as autoridades públicas portuguesas persistem em conceder aos bons católicos e aos seus cadáveres), o corpo da Irmã Lúcia foi transportado para o Santuário de Fátima onde repousará agora, e até ver, definitivamente.

O macabro transporte foi acompanhado no seu trajecto por intermináveis reportagens em directo de todas as estações de televisão, embora quase sempre com imagens idênticas.
Mas todas com comentários mais ou menos idiotas e proferidos em voz sussurrada e em tom de abjecto auto-amesquinhamento e de uma cautelosa submissão, não se sabe bem a quê.

Ao longo do trajecto viam-se inúmeras pessoas, todas ansiosas por um relance do santo caixão e até, quem sabe, na ânsia de que uma pequena snifadela aos gazes da decomposição do corpo do santo cadáver lhes pudesse proporcionar uma overdose de santidade que lhes garantisse a remissão de secretos e inconfessáveis pecados, e lhes franqueasse milagrosamente as portas do Reino dos Céus.

Foram rezadas missas e entoados cânticos, tudo, e como de costume, em tom circunspecto, respeitoso e muito humilde.
Assim como se os fiéis estivessem a cumprir uma espécie de divina necessidade de louvor e glorificação, que lhes exige uma permanente pose de submissão canina.


Tendo como único crime praticado a sua pacóvia simplicidade, a Irmã Lúcia foi, ainda em criança e sem qualquer hipótese de recurso, impiedosamente condenada a prisão perpétua pela Igreja Católica.

Não fosse alguém duvidar dos critérios da mãe de Deus na escolha de três crianças alimentadas a sopas de cavalo cansado para transmitir uma mensagem à Humanidade, durante uma vida humana desperdiçada por uma clausura que durou 87 anos, a Irmã Lúcia só foi exibida fugazmente a intervalos estudadamente regulares.

Foi uma vida humana sacrificada a meros objectivos publicitários e promocionais de uma gigantesca fraude, que até, e antes de mais, começa por ser insultuosa para a inteligência e até para a fé dos próprios católicos.

Usada em vida, a irmã Lúcia continua agora a ser usada, sem qualquer vergonha ou pudor, mesmo depois de morta.
E tudo por mais, mas muito mais, do que 30 dinheiros...




(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

 

Em Boa Companhia



Nestes tempos muito se tem falado de fundamentalismo islâmico, principalmente a propósito das fanáticas reacções a que temos assistido à publicação das caricaturas de Maomé, e no que isso pode perigar o Estado de Direito e o modo de vida ocidental que tantos séculos nos custou a conquistar.

E com toda a razão, diga-se desde já, muito também se tem comentado como o fundamentalismo islâmico está já a pôr em causa não só o direito à liberdade de expressão, mas também outros direitos igualmente fundamentais à nossa vida em Democracia.

Isto mesmo que não levemos em consideração o comunicado do Vaticano, difundido no passado dia 5 de Fevereiro, que considerava que o direito à liberdade de expressão consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem não deveria prevalecer sobre os sentimentos religiosos dos crentes, qualquer que fosse a sua religião.

Por isso, talvez fosse uma boa ocasião para não perder de vista outras manifestações de fanatismo religioso a que continuamos a assistir por esse mundo fora.

Como é, por exemplo, o caso de um juiz italiano, decerto um homem de fé e um bom e fervoroso católico que, contra a vontade de uma mãe indignada, decidiu manter um crucifixo numa sala de aula de uma escola pública.
Porque, considerou o meritíssimo, presumo que sem se rir, «um crucifixo é idóneo para expressar o elevado fundamento dos valores civis que, embora tenham origem religiosa, são também os valores que delineiam o laicismo no actual ordenamento do Estado».

De outro canto do mundo chega-nos a notícia de que a tenebrosa organização católica que dá pelo nome de Opus Dei declarou que não tinha qualquer intenção de apelar a um boicote ao filme «O Código da Vinci», inspirado na obra de Dan Brown, cuja estreia está prevista para Maio próximo.
Mas, contudo, ao mesmo tempo apelou a que o filme ainda pudesse ser "alterado" de forma a não conter referências capazes de ferir a sensibilidade dos frágeis espíritos católicos.

Mas para que o alcance deste «apelo» ficasse claramente entendido por todos, a Opus Dei declarou expressamente, e para que não houvesse equívocos, que a produtora do filme, a “Sony Pictures”, ainda tinha tempo de proceder às alterações pretendidas, uma vez que estas seriam “apreciadas” pelos católicos «particularmente nestes dias em que todos já sentiram as dolorosas consequências da intolerância».

A mensagem não podia ser mais clara!


Não há qualquer dúvida:
O fundamentalismo islâmico, de que tanto se tem falado ultimamente e que tanto põe em causa a Democracia Ocidental, continua, ainda nos dias de hoje, a andar na boa companhia do fundamentalismo católico!



(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


 

Aqui mesmo ao lado...


...no «Advogado do Diabo»:

- "A Petição".


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

 

Mais Aldrabões



No princípio do ano falei de algumas das previsões que todos os anos são feitas pelos mais diversos astrólogos, tarólogos, psíquicos e outros «Pequenos e Médios Aldrabões» do género.

Mas o «CSICOP» (Committee for The Scientific Investigation of Claims of The Paranormal) completa agora mais um interessante lote de previsões para o ano de 2005 que foram falhadas por mais alguns vigaristas que ganham a vida à custa da crendice ou até da fragilidade emocional das pessoas.

Para essa gente 2005 seria precisamente o ano em que seria descoberta a cura para todas as principais doenças que afligem a Humanidade e em que começaria a 3ª Guerra Mundial com um ataque nuclear terrorista contra a China.
E até o ano em que terminaria a fome no mundo, passando as pessoas a ser alimentadas graças ao desenvolvimento de um animal híbrido de um camelo e de uma iguana.

Estas previsões foram coligidas no princípio do ano por Gene Emery, do tablóide britânico «The Sun» e, uma vez mais, pode verificar-se a grande coerência entre todas elas: a percentagem de acertos é sempre todos os anos e para todos os bruxos praticamente a mesma: zero!

Mas nem assim os mais famosos “psíquicos” perdem a lata de ano após ano continuarem as suas "previsões", cada vez mais fantasmagóricas e fantásticas, sempre na esperança de um dia, quem sabe, acertarem nalguma.

Chegam a prever a inversão do campo magnético do planeta Terra, que um inventor causaria terramotos em Los Angeles e São Francisco, que astrónomos da NASA descobriam as ruínas de uma cidade em Marte e que os Estados Unidos e Israel invadiam a Síria e o Irão.
Prevêem até que milhões de dólares seriam poupados em custas de divórcios graças a um jogo que os casais desavindos passariam a disputar e que terminaria com a morte na vida real do cônjuge que perdesse o jogo.

Um dos mais famosos “videntes”, Tony Leggett, teve mesmo a sorte de prever a morte de João Paulo II no ano de 2005. Teve foi azar quando previu que o seu sucessor seria de nacionalidade italiana.
E o seu azar continuou quando previu um drama amoroso para Chelsea Clinton, filha do ex-presidente americano, e que navios de contentores rebentariam quer na costa Leste quer na costa Oeste dos Estados Unidos.

Também para azar desta gente muitas outras coisas previstas ficaram desgraçadamente por acontecer no ano de 2005:

Afinal o governo americano não estabeleceu novas regras para a circulação de automóveis aéreos, nenhum avião se despenhou entre as pirâmides do Egipto, não foram enviados 20 astronautas numa missão a Marte e que, depois do seu regresso, entrariam num convento.

E azar dos azares: não foi feita nenhuma pesquisa para a construção de uma colónia lunar, durante a qual a NASA descobria uma bandeira nazi espetada na face oculta da Lua.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

 

Aqui mesmo ao lado...


...no «Advogado do Diabo»:

- O Ante-Projecto.



 

A solidariedade através dos tempos
























terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

 

Eu cá sou contra!



Confesso que em todo este processo do casamento homossexual há uma coisa que, entre muitas outras, me deixa inquietamente perplexo:
Mais do que as pessoas que se manifestam “contra” porque se dizem católicas (como se alguém neste planeta pugnasse pelo casamento homossexual pela Igreja – cruzes, canhoto!), confesso que chego a ficar indignado com as pessoas que, pondo um ar de inchada superioridade moral em relação ao comum dos mortais, se manifestam definitivamente contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e proclamam em tom peremptório:

- Eu cá sou contra!

Só que o fazem como se esta opinião correspondesse a um voto cuja proclamação o faz imediatamente entrar numa espécie urna imaginária, onde se vai juntar a muitos outros.
E como se então, todos juntos, formassem uma espécie de autoridade moral e subitamente democrática, e uma «força de bloqueio» capaz de impedir na prática o casamento entre homossexuais em Portugal.

Mas essas pessoas estão redondamente enganadas!
Essa votação já ocorreu!

Ocorreu quando foi eleita a Assembleia Constituinte no dia 25 de Abril de 1975, que um ano mais tarde aprovou por larga maioria (e sem votos contra) uma das mais avançadas e garantísticas constituições do mundo: a Constituição da República Portuguesa.
Ocorreu quando foram eleitas as sucessivas Assembleias da República ao longo das três décadas da democracia portuguesa e que, dotadas de poderes constituintes, foram actualizando a nossa Constituição.
Ocorreu quando a Assembleia da República aprovou por unanimidade a Lei Constitucional nº 1/2004 que aditou ao no 2 do artigo 13º da Constituição a expressão «orientação sexual».

Agora só resta cumprir a Lei e o Estado de Direito Democrático em que vivemos.
Porque a verdade é que o impedimento prático do casamento homossexual é que é ilegal, inconstitucional e inequivocamente contrário ao Estado de Direito.

Como é por demais óbvio, a proclamação filosófica ou ideológica contra o casamento homossexual é absolutamente livre.

Mas é também completamente inútil!


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

 

O Jogo dos Extremistas



Depois das suas polémicas declarações a propósito das caricaturas de Maomé, o ministro dos negócios Freitas do Amaral foi ao “Jornal das 9” da SIC Notícias explicar ao Mário Crespo que tinha sido mal interpretado, pois sempre foi contra a violência e a favor liberdade de expressão.

E concluiu:
- Não vêem as pessoas que publicam as caricaturas, e que tanta violência têm gerado por esse mundo fora, que só estão a fazer o jogo dos extremistas, de Osama Bin Laden e de todos os “Bin Ladens” deste mundo?

Mas o nosso ministro dos negócios estrangeiros está enganado!

Pois não vê Freitas do Amaral que é precisamente o contrário?
Não vê que é precisamente quando deixarmos de publicar as caricaturas que estaremos a fazer o jogo dos extremistas?

Não vê Freitas do Amaral que o dia em que deixarmos de publicar as caricaturas será precisamente o dia em que os extremistas religiosos, Osama Bin Laden e todos os “Bin Ladens” deste mundo nos terão finalmente derrotado?...



sábado, 11 de fevereiro de 2006

 

Aqui mesmo ao lado...


...no «Advogado do Diabo»: - "Lido por aí"



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

 

A Comparação



Vitalino Canas, o vice presidente da bancada parlamentar do Partido Socialista, comparou os caricaturistas aos fundamentalistas:
«As agressões simbólicas e materiais a Estados e cidadãos europeus merecem certamente a nossa repulsa, nada legitima esse actos hediondos, estão bem uns para os outros, os caricaturistas irresponsáveis e os fundamentalistas violentos, ambos só podem ser alvo da nossa condenação»,


Confesso que me faltam palavras para comentar devidamente esta alarvidade.

Vitalino Canas sabe bem que, para além dos motins selvagens por esse mundo fora, um padre católico foi morto há uns dias na Turquia por uma fanático muçulmano, precisamente como represália pela publicação das caricaturas.
Um responsável partidário, mais exactamente do partido do Governo, que sabe isso e tem a ousadia de vir dizer no Parlamento do meu país que condena de igual modo e «põe dentro do mesmo saco» este assassino e os desenhadores de meia dúzia caricaturas só porque estas ofenderam fanáticos religiosos, é de uma gravidade e de um significado pessoal e político que não pode ficar impune.

Um dia Cavaco Silva demitiu um ministro só porque este proferiu uma piada de mau gosto sobre a reciclagem do alumínio de doentes renais sujeitos a hemodiálise em Évora.

Fico à espera da reacção do grupo parlamentar do Partido Socialista, dos membros da sua Comissão Política Nacional e até do seu secretário geral, José Sócrates, só para ver que significado todos eles retiram destas palavras imbecis, e que consequências políticas elas terão para Vitalino Canas.

E fico à espera de ver se, lá no fundo, afinal estão todos «bem uns para os outros»...


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

 

A Opção



A gerência do «Carrefour» decidiu colocar este aviso no seu hipermercado do Cairo:


«Caros Clientes:
Expressamos a nossa solidariedade com a comunidade egípcia e islâmica.
O Carrefour não vende produtos dinamarqueses».


Como é óbvio, a gerência dos hipermercados Carrefour é perfeitamente livre de fazer as opções e as escolhas que muito bem entender: comerciais e ideológicas.

E eu também:
A partir de hoje nunca mais na minha vida entrarei num hipermercado Carrefour.



(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

 

Comunicado



Recebi por email o seguinte comunicado da «Associação República e Laicidade» cujo teor, como é óbvio, subscrevo absolutamente na íntegra:

1. A Associação República e Laicidade considera que o único dever das autoridades de um Estado laico e democrático na actual «polémica dos cartunes» é reafirmar o direito inalienável dos cidadãos ao exercício da liberdade de expressão, o qual inclui o direito à blasfémia.
A Associação República e Laicidade não pode, portanto, deixar de lamentar e repudiar o comunicado do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros datado de 7 de Fevereiro de 2006.

2. Contrariamente ao que sustenta aquele documento oficial, a presente crispação internacional não evidencia uma «guerra de religiões», mas sim o confronto entre laicidade e clericalismo.
A liberdade de expressão, constitucionalmente garantida, é um direito fundamental que tem valor exactamente na medida em que não conhece excepções.
Um alegado «dever de respeito» pelos «símbolos e figuras» religiosos não pode ser constituído em limite à liberdade de expressão, sob pena de destruir o debate livre e aberto que caracteriza as sociedades democráticas.

3. A Associação República e Laicidade – embora respeitando a legitimidade das crenças religiosas pessoais – considera também que quem exerce o cargo de Ministro do Governo da República Portuguesa não deve aduzir dogmas de fé (nomeadamente, a existência de um «profeta Abraão») como justificação de tomadas de posição políticas.


 

Aqui mesmo ao lado...


...no «Advogado do Diabo»:

- «O Terceiro Passo»

e

- o «Regime Especial»


terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

 

Super Bowl



No «The Wall Street Journal» os melhores anúncios dos intervalos do "Super Bowl" deste ano.

Alguns são de facto espectaculares!


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

 

A União de Facto



Durante a exposição mediática do processo de casamento da Teresa e da Lena, ouvi muitas pessoas perguntarem-me porque motivo não se contentam os casais homossexuais com os direitos que a Lei portuguesa já dá às pessoas que vivem em união de facto, e persistem em casar-se como qualquer casal heterossexual.

Ouvi até um deputado e alto responsável partidário chamar a essa persistência um «capricho».
Ouvi outro a dizer que a questão não era prioritária e a resolvê-la com a convocação nacional de «um amplo debate».
Ouvi outro ainda a insultar a inteligência dos portugueses (incluindo aqueles que o elegeram) a dizer que «o Código Civil não proíbe o casamento a homossexuais; proíbe é o casamento entre pessoas do mesmo sexo».

Até vi Pacheco Pereira manifestar-se «indiferente a esta polémica» mas, apesar disso, a comparar o casamento à poligamia e até mesmo a dizer: «que é que se espera no “casamento” que não se tem na união de facto? A obrigação contratual de “fidelidade”?»

Ouvi o próprio ministro da Justiça a dizer que os agentes da administração pública estão «dispensados» de cumprir a Constituição da República Portuguesa.


Há, pelos vistos, um profundo desconhecimento por parte da generalidade dos portugueses do que significa a união de facto na nossa ordem jurídica.
Incluindo, lamentavelmente, os nossos deputados e altos responsáveis partidários e governamentais.
O que não os tem impedido de escrever e de dizer as maiores baboseiras à comunicação social.

Se há coisa com que tenho tido dificuldade em lidar em todo este processo é a imbecilidade do preconceito e a ignorância de certas pessoas.

Porque, na realidade, a vida de duas pessoas em união de facto não significa em Portugal praticamente nada!

A persistente falta de regulamentação de um verdadeiro e genuíno regime das uniões de facto (Lei n.º 7/2001 de 11 de Maio) significa que, na prática, os efeitos da vida em união de facto e os benefícios mútuos para os respectivos “companheiros” sejam, em comparação com os cônjuges unidos pelo casamento (passe o pleonasmo), basicamente (e chãmente explicados) os seguintes:

1 – Possibilidade de tributação conjunta em sede de IRS.
Contudo, talvez seja, no mínimo, um pouco sado-masoquista chamar a esta possibilidade um “benefício” já que dela resulta um concreto agravamento fiscal para os declarantes;

2 – Se, por exemplo, o marido for titular do direito ao arrendamento de uma casa com uma renda baixa, por sua morte o arrendamento transmite-se à mulher nas mesmas e precisas condições contratuais, incluindo o mesmo montante de renda.
Numa união de facto a companheira sobreviva tem somente direito de preferência a um novo arrendamento. Isto é, se a companheira sobreviva quiser permanecer na casa tem de igualar o montante da renda, qualquer que ele seja, que outras pessoas ofereçam ao senhorio.

3 – Num casamento, qualquer dos cônjuges pode sempre na sua pendência exigir judicialmente do outro uma contribuição para as despesas domésticas. Em caso de divórcio, o cônjuge que fique em má situação financeira poderá em muitos casos pedir alimentos ao ex-cônjuge.
Poderá até pedir-lhos muitos anos depois do divórcio.
No regime da união de facto não existe qualquer destes direitos.

4 – Em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges tem uma palavra a dizer sobre o destino da casa de morada de família, ou até sobre a sua venda ou qualquer outra forma de alienação, ainda que tal casa seja bem próprio do outro cônjuge.
Numa união de facto, se a casa for somente de um dos companheiros, é sempre bom que ele acorde todos os dias bem disposto, pois pode bem, num abrir e fechar de olhos, espetar com o outro no meio da rua e pôr-lhe os tarecos à porta.
Ainda que durante anos e anos tenham partilhado as despesas e a economia familiar.

5 – Se um dos cônjuges morre, o outro cônjuge tem direito, como é sabido, a uma pensão de sobrevivência da Segurança Social.
Numa união de facto, se o companheiro sobrevivo quiser ter direito a essa mesma pensão de sobrevivência, tem de fazer três coisas:

a) intentar uma acção judicial contra o Centro Nacional de Pensões, expressamente com o objectivo de obter a condenação judicial deste organismo do Estado a pagar-lhe a pensão, que será pelo Tribunal quantificada;
b) demonstrar judicialmente que necessita dessa pensão para sobreviver, que não tem quaisquer outros meios de subsistência e, pasme-se, fazer prova de uma coisa chamada «incapacidade de subsistência»;
c) demonstrar que nenhuma das pessoas previstas no artigo 2.009º do Código Civil (basicamente toda a sua família) tem quaisquer possibilidades de lhe prestar alimentos.

Só então o Estado magnanimamente paga a pensão de sobrevivência ao companheiro sobrevivo.
Mas como há sempre um sobrinho que tem um emprego estável num lado qualquer, é, de facto, praticamente impossível obter a condenação do Estado a pagar a dita pensão.

6 – Para além disso, o casamento proporciona aos cônjuges o acesso a sistemas ou sub-sistemas de saúde e de segurança social.
Franqueia as portas de um hospital para um apoio eficaz a um cônjuge doente, possibilita o acompanhamento de um filho do outro cônjuge, seja hospitalar seja escolar, sem que ninguém faça perguntas.
No caso de uma doença incapacitante grave, o cônjuge é chamado a decidir sobre o desligar de uma máquina de suporte de vida, por exemplo.
Como é óbvio, numa união de facto não existe nada disto. Um companheiro de uma vida tem menos a dizer que um sobrinho que venha da terra e mande desligar a máquina só para receber a herança mais rapidamente.
E, quem sabe, para receber também o seguro de vida!

7 – Se ao fim de várias décadas de vida em comum um dos cônjuges morre, o cônjuge sobrevivo é herdeiro legitimário, tal como os filhos (ou, na falta destes, os pais), sendo-lhe até garantido um mínimo de um quarto da legítima da herança (em caso de haver quatro ou mais filhos) e mesmo um direito especial, por exemplo, a preferir na herança da casa que foi da família.
Numa união de facto, a companheira sobreviva poderá, no máximo, pedir «alimentos» à herança.
Mas gostava que me dissessem o que significa este direito na prática e quantas heranças deixadas por portugueses podem suportar o pagamento de uma pensão de alimentos a uma pessoa que deles careça.
O que é facto é que a companheira sobreviva não herda absolutamente nada, ficando até frequentemente à mercê da boa vontade dos parentes que no dia a seguir ao funeral vêm reclamar a herança do falecido.

Num caso concreto que me passou pelas mãos, lembro-me de dois sobrinhos que no dia a seguir ao funeral do tio arrombaram a porta da casa onde aquele tinha morado com a sua companheira (e onde tinham vivido em união de facto durante quase 40 anos) e, na sua ausência, fizeram um inventário detalhado dos bens de que queriam exigir-lhe contas.
Lembro-me que, para além dos electrodomésticos, das pratas, dos móveis, etc., um dos itens dos bens encontrados em casa que foi cuidadosamente relacionado, e cujo valor foi irredutivelmente reclamado à senhora pelos sobrinhos do falecido era: «meia garrafa de whisky VAT 69».
Ainda hoje essa senhora paga uma renda aos sobrinhos do ex-companheiro falecido pela casa que pensava que era sua.



Quanto aos «direitos» dos casais que vivam em união de facto, são basicamente estes.
Sinceramente neste momento não me lembro de mais nenhum...


Em conclusão:
Pode dizer-se que em Portugal o casamento homossexual não é um «capricho» ou uma questão «semântica».
E que já não é tempo de «amplos debates» sobre o assunto.
É que, na realidade, a lei praticamente não confere quaisquer direitos às pessoas que vivam em união de facto.
E os que confere são completamente vazios de sentido ou de significado prático.

É somente por isso que os casais homossexuais pretendem um regime igualitário – e constitucionalmente legítimo – para a sua vivência em comum.
E que só o casamento lhes pode trazer!

No que, sinceramente, deveriam ser seguidos por muitos casais heterossexuais que vivem em união de facto, e que não sonham nem fazem a mínima ideia da insegurança da situação em que actualmente vivem!



domingo, 5 de fevereiro de 2006

 

Citações



Duas citações avulsas, completamente desconexionadas uma da outra, e de que me lembrei assim de repente:

1 – «Não há pior imbecil do que aquele que parte do princípio que os outros são imbecis».
(anónimo)


2 – «O Código Civil não proíbe o casamento a homossexuais; proíbe é o casamento entre pessoas do mesmo sexo».
(Nuno Melo, CDS/PP)




sábado, 4 de fevereiro de 2006

 

Anacronismos



O «Worth 1000» promove mais um concurso de imagens tratadas em photoshop.

Desta vez em «Time Machine», podemos apreciar um concurso de imagens anacrónicas que, sem sobra de dúvida, vale a pena explorar.

Eis algumas das minhas favoritas:












quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

 

A Decisão



Tal como estava, infelizmente, previsto, o Sr. Conservador da 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa indeferiu a pretensão de casamento da Lena e da Teresa.

A decisão proferida está fundamentada de forma muito competente e esclarecedora do ponto de vista técnico-jurídico.
No entanto, e precisamente por não concordarem com os fundamentos da decisão, a Teresa e a Lena interpuseram imediatamente recurso da mesma.

Este recurso seguirá agora os trâmites legalmente previstos: será o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa a primeira instância jurisdicional a conhecer da pretensão da Lena e da Teresa, que fundamentalmente se baseia, como é já sabido, na inconstitucionalidade da expressão «de sexo diferente» contida no corpo do artigo 1.577º do Código Civil.

De qualquer modo as alegações poderão ser lidas integralmente -> AQUI.


Como é óbvio, a interposição do recurso só agora será formalmente feita, uma vez que só agora a decisão de que se recorre foi proferida.

Se o juiz da primeira instância determinar a inconstitucionalidade da norma do Código Civil, determinará, consequentemente, que o Sr. Conservador case a Lena e a Teresa.
Caso contrário, será novamente interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e, se for caso disso, para o Supremo Tribunal de Justiça e até para o Tribunal Constitucional.

Mas a Lena e a Teresa continuam a afirmar que a solução para este caso deveria ser política e não judicial.
Deveriam ser os nossos políticos a assumir, com a mesma coragem com que a Lena e a Teresa deram a cara por esta causa e por esta luta, a decidir politicamente uma solução para este caso.

Mas a Lena e a Teresa já ganharam!
E ganharam com o anúncio de que o Bloco de Esquerda tinha já, ontem mesmo, apresentado na Assembleia da República um projecto de lei precisamente com esse objectivo, a que se seguiu uma iniciativa semelhante por parte da Juventude Socialista.


Contudo, e apesar do recurso judicial hoje interposto, já tinha sido entregue nas mãos do Sr. Conservador do Registo Civil um “print” das alegações de recurso, como um gesto simbólico de reacção e de repúdio contra as declarações do Sr. ministro da Justiça à comunicação social e que, como que antecipando já a resposta da Conservatória do Registo Civil (funcionalmente sob a sua tutela), afirmou espantosamente que os agentes da Administração Pública não tinham que cumprir ou apreciar a constitucionalidade das normas; tinham é que aplicá-las!

Ora, quando é o próprio ministro da Justiça de um Estado de Direito que afirma à comunicação social que os órgãos administrativos sob a sua jurisdição estão dispensados de cumprir esse mesmo Estado de Direito, pois estão dispensados de obedecer à Lei Fundamental do nosso país, que é a Constituição da República Portuguesa, não podemos deixar de ficar perplexos.

Tanto, que por vezes somos levados a pensar que talvez não seja só o artigo 1.577º do Código Civil que em Portugal está ferido de inconstitucionalidade.
Talvez o próprio ministro da Justiça também o esteja...



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

 

O Segundo Passo



De acordo com o que estava previsto, a Teresa e a Lena apresentaram-se hoje na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa para iniciarem o processo do seu casamento.


Compareceram também no local dezenas e dezenas de pessoas que decidiram acompanhá-las nesta sua iniciativa de coragem e cidadania, e o acontecimento foi alvo de cobertura por parte dos principais órgãos da comunicação social nacional, e também estrangeiros.

Apresentada a pretensão do seu casamento e autuado o respectivo processo, o Exmº. Senhor Conservador do Registo Civil informou-as que, e como é natural e dada a complexidade e invulgaridade do caso, somente amanhã informaria a Teresa e a Lena da sua decisão definitiva sobre o caso, pois queria dar um despacho convenientemente fundamentado e correcto do ponto de vista técnico-jurídico.

Contudo, e face às peregrinas declarações de um ministro da Justiça que, espantosamente, declara à comunicação social que os agentes administrativos do Estado têm somente de cumprir o que encontram na Lei civil, não lhes competindo o cumprimento da Constituição, a Teresa e a Lena não têm, de facto, esperança no deferimento do seu processo de casamento.


Por isso, e como não podia deixar de ser, a Teresa e a Lena interpuseram imediatamente recurso desta decisão para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, precisamente com base na manifesta e claríssima inconstitucionalidade da restrição do casamento civil a pessoas de sexo diferente, que indubitavelmente contraria o «Princípio da Igualdade» previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Com o recurso já interposto, foram, nos termos da lei, imediatamente entregues as respectivas alegações, as quais poderão ser consultadas -> AQUI.


A Teresa e a Lena aguardam agora serenamente o desenrolar dos acontecimentos e a marcha da justiça que pretendem que lhes seja feita.
Estão cientes que este é somente o segundo passo de um longo caminho que ainda têm a percorrer.
Mas estão dispostas a recorrer até às mais altas instâncias jurisdicionais para cumprir o seu sonho.

Quem sabe, no entanto, a sua coragem envergonhe não só o Governo mas todos – e cada um – dos deputados da Assembleia da República, que há tanto tempo deveriam já ter-lhes proporcionado uma solução legislativa que, em situação de plena igualdade com todos os outros cidadãos portugueses, lhes possibilitasse a celebração de um simples contrato de constituição familiar e de comunhão de vida como é o casamento.



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