domingo, 29 de abril de 2007

 

Uma Pitada de Irracionalismo



O «Expresso» da semana passada publicou uma crónica de João Carlos Espada com o título «O Ópio dos Intelectuais» que aqui já comentei num post com o mesmo título.

Aí João Carlos Espada dizia a certa altura:
«No plano filosófico, o ateísmo encerra dificuldades enormes — à luz da razão.
«Uma, crucial, reside na colossal ambição do racionalismo dogmático que subjaz ao ateísmo: a de que a razão pode fornecer pressupostos isentos de pressupostos.
«Mas a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada...».

No «Expresso» desta semana João Carlos Espada volta ao ataque, e num novo artigo que intitulou «Ainda sobre o Ateísmo», refere:
«...na base da revolta irracionalista contra a razão encontra-se ainda o racionalismo dogmático – embora se trate agora de um racionalismo dogmático desapontado».

A acrescenta:
«... o racionalismo dogmático assenta na colossal e impossível ambição de fornecer pressupostos isentos de pressupostos. Quando descobrem que isso não é possível, os racionalistas dogmáticos ficam desapontados com a razão – a que eles tinham atribuído desde o início uma função impossível. Tornam-se por isso descrentes de tudo. Eis a génese do pós-modernismo».

E como se não bastasse, conclui:
«Este desapontamento seria todavia desnecessário se a razão assumisse uma postura crítica e não dogmática. Um racionalismo crítico aceita os seus próprios limites e não derruba tudo o que não consegue demonstrar.
«Aceita, em particular, o diálogo entre razão e fé – ainda à luz da razão».

Pois bem:
É curioso como uma das principais características que é transversal a todas as religiões é constituída precisamente pela dogmática punição de princípio (invariavelmente com a pena de morte) da apostasia ou do ateísmo.
Mais curioso ainda é como ao longo da História, e ao fim de milénios de lucubrações filosóficas, não parece ter existido ainda um único crente que tenha compreendido verdadeiramente o ateísmo.
Como é por demais óbvio, não poderia ser o João Carlos Espada o primeiro a compreendê-lo...

E porque não compreende o ateísmo (apesar de não se coibir de o comentar ou de tentar explicar como se fosse um especialista na matéria), e porque não tem a mínima noção do que é o racionalismo que lhe está subjacente, o João Carlos Espada nunca entenderá que, ao contrário do que protagoniza, não é nem nunca será possível qualquer tipo ou forma de diálogo entre o racionalismo e a fé.

No entanto, talvez no cumprimento de uma espécie de cruzada apostólica, João Carlos Espada não desiste. E a primeira táctica que encontra é atribuir uma classificação pejorativa ao racionalismo chamando-lhe «racionalismo dogmático», mesmo sem saber que isso é coisa que nem sequer existe.

Porque se soubesse, o João Carlos Espada não se atreveria a propor essa coisa abstrusa que é o diálogo do racionalismo, ou do ateísmo, com a fé.
E ainda por cima nem sequer está a ver que toda a gente se apercebe que o faz com o raciocínio típico e perfeitamente comum de quem não se sente filosoficamente confortável com a sua própria fé e de quem inveja em silêncio envergonhado o racionalismo dos outros.
Então, para disfarçar, finge de conta que não sabe que os dois conceitos se anulam reciprocamente e que, por simples e mera definição, não podem conviver sequer dentro do mesmo raciocínio.

É assim que, para fundamentar a sua tese, o João Carlos Espada defende é que o racionalismo às vezes vai tão longe que se torna «dogmático», ou «exagerado».
Como se, de repente, tivesse passado a existir qualquer coisa que é «demasiado racionalista».

E é a rodar desta maneira à volta de si próprio que João Carlos Espada consegue descobrir as «enormes dificuldades» que o ateísmo encerra no plano filosófico.
E ainda por cima dificuldades «à luz da razão»!

Ou seja: para o João Carlos Espada quando o racionalismo é «muito», quando é «exagerado» ou quando é «dogmático» é porque está ferido de... irracionalismo.
E a prolação filosófica de João Carlos Espada aí está: o «racionalismo dogmático» é irracional!

Como resolver então este problema?
Só há uma solução: para a acabar com essa coisa que é «demasiado racionalista», para que o racionalismo deixe de ser «dogmático», o João Carlos Espada propõe-nos «um racionalismo crítico que aceite os seus próprios limites».
Por outras palavras, propõe-nos que se acrescente ao racionalismo assim uma espécie de... uma pitada de irracionalismo para o tornar mais... racionalista!...

No meio de tudo isto, o que me espanta é que o João Carlos Espada tenha tido o atrevimento de escrever num jornal de grande expansão que descobriu que o racionalismo só deixará de ter dificuldades quando se tornar... irracionalista... à luz da razão!!!

Mas só o faz porque, tal como diz o ditado, «a ignorância é muito atrevida»!
Porque, como já disse lá em cima, está ainda para nascer o crente que compreenda verdadeiramente o que é o ateísmo.
Porque todos os crentes pensam (e o João Carlos Espada não é excepção) que o ateísmo tem a «ambição» (e ainda por cima a «colossal ambição») de que «a razão pode fornecer pressupostos isentos de pressupostos».
E ainda proclamam todos satisfeitos: «a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada».

Isto é tão incoerente e tão desconexo com a realidade, é de tal maneira incongruente, que se o João Carlos Espada estivesse agora aqui ao pé de mim, era bem capaz de lhe dar com o teclado na pinha!

É que isto é tão óbvio que até chateia:
Quem tem a ambição de que pode «fornecer pressupostos isentos de pressupostos», não é o ateísmo ou o racionalismo.
É precisamente o contrário: quem tem essa «colossal ambição» é precisamente o irracionalismo da fé, pois é no mesmo e preciso momento que inventa Deus que deixa de fazer perguntas!
E é por isso que é essa exactamente a definição de Deus: um pressuposto isento de pressupostos.

O que é bom de ver é que o irracionalismo do João Carlos Espada é tão dogmático, isso sim, que ele nem sequer admite adicionar-lhe uma pequena pitada de racionalismo.
Deve ser por isso que não consegue ver que a realidade está bem no oposto daquilo que escreveu: é que é precisamente o racionalismo que explica que, de facto, é bem verdade que não há pressupostos isentos de pressupostos!
E é isso exactamente o que significa ser racionalista ou ser ateu!

Posto isto, não é preciso dizer mais nada para demonstrar o quanto é ridícula, e até absolutamente destituída de qualquer senso, a afirmação de que «quando descobrem que não é possível fornecer pressupostos isentos de pressupostos» os racionalistas dogmáticos «ficam desapontados com a razão».
Dá até vontade de rir!

Mas mais ainda:
Dentro da mesma linha de raciocínio, tão inevitavelmente inversa da realidade que chego a pensar que a escreveu a fazer o pino, o João Carlos Espada aparece a dizer como quem descobriu a pólvora:
«A razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada».

Errado outra vez!
Mas aqui o raciocínio de João Carlos Espada é ainda mais tortuoso e abstruso.

Se repararmos bem, a sua frase começa por partir de um princípio que a sua fé e a sua irracionalidade já consideraram previamente axiomático: a de que, de facto, «existe algo em vez de nada».
É assim que o João Carlos Espada, depois de ter descoberto este brilhante e irracional axioma, vem agora todo contente desafiar o racionalismo a... demonstrá-lo...

Pelos vistos, e se o deixarmos sozinho, o João Carlos Espada ainda aparece a escrever na sua crónica da próxima semana:
«A razão não consegue explicar porque existem duendes no fundo do quintal...».

De facto, e uma vez mais, João Carlos Espada esquece-se que é precisamente o racionalismo quem explica e demonstra precisamente o contrário: que é absolutamente falso que possa «existir algo em vez de nada».
Ou seja, e por outras palavras, bem ao contrário do que João Carlos Espada pensa, a razão não tem de conseguir explicar «porque existe algo em vez de nada»; pelo simples motivo que a razão já conseguiu explicar exactamente o oposto: que nada pode existir em vez do nada!

Ora, é precisamente na aceitação como axiomática desta afirmação de que é possível «existir algo em vez de nada» que uma vez mais se encontra, não sem antes o indispensável recurso à fé e à irracionalidade, a própria definição de Deus.

E então é simples a conclusão:
Se a irracionalidade profere afirmações que não admite que sejam refutáveis ou que careçam de demonstração, não é o ateísmo mas, bem antes pelo contrário, é essa mesma irracionalidade quem, no plano filosófico, encerra «dificuldades enormes», essas sim, «à luz da razão»!

Uma delas, obviamente crucial, reside precisamente na «colossal ambição» do «irracionalismo dogmático» que subjaz à fé: a de que é possível construir sobre o terreno pantanoso da irracionalidade um edifício de pretensa racionalidade onde, de repente, se pode afirmar axiomaticamente que é possível «fornecer pressupostos isentos de pressupostos» e que «existe algo em vez de nada».

Ou seja:
Bem ao contrário do que João Carlos Espada pensa, nunca será possível qualquer espécie de diálogo entre a razão e a fé.
Mas isso não é defeito, é feitio!

Em primeiro lugar, porque não é possível à fé e ao irracionalismo que lhe subjaz assumir uma postura crítica, lógica e não dogmática: isso seria uma contradição nos próprios termos.

Em segundo lugar, porque no dia em que a fé e o irracionalismo aceitarem a intromissão da mais pequena pitada de racionalismo, de imediato se desmoronarão por si próprios.

Em terceiro lugar, e ao contrário do que o João Carlos Espada pensa, porque o racionalismo crítico não «derruba» o que não consegue demonstrar. Ao invés, persegue incessantemente essa demonstração e, enquanto não a consegue, perspectiva-a, investiga-a, estuda-a e prefigura-a de forma lógica, científica e... racional.

Em quarto lugar, finalmente, porque o racionalismo aceita perfeitamente e sem quaisquer «desapontamentos» os seus próprios limites.
Mas o que o João Carlos Espada pode ter a certeza é que esses limites não estão, nem nunca estarão, dentro do campo da fé ou da irracionalidade!...

- Disso pode estar certo!!!


sexta-feira, 27 de abril de 2007

 

A Avaliação de Desempenho



O Conselho de Ministros aprovou já na generalidade os dois diplomas legais que vão regular o novo regime de vínculos, carreiras e remunerações da função pública e o novo sistema de avaliação de desempenho dos funcionários públicos.

Não é difícil de antever a confusão que aí vem, face à delicadeza do tema e à extensão das alterações legislativas que já são conhecidas.
Tanto assim que uma reunião agendada com os sindicatos da função pública para a discussão na especialidade da nova legislação acabou de ser adiada pelo secretário de Estado da Administração Pública.

O próprio presidente do Sindicato dos Técnicos do Estado, o inefável Bettencourt Picanço já lançou o contra ataque e declarou:
«Não são os funcionários públicos que a sociedade identifica como motores da corrupção em Portugal, mas o poder político».

Esta costumeira resistência portuguesa à mudança dos regimes estabelecidos, por mais caducos e desadequados que se revelem, e a já previsível defesa dos interesses corporativos instalados, desta vez dos funcionários públicos – principalmente agora que estará em causa a avaliação do seu desempenho – fez-me lembrar aquela história, absolutamente verídica, que se passou no tempo em que Menéres Pimentel era ministro da Justiça:

Uma delegação ministerial ao mais alto nível, liderada até pelo próprio ministro da Justiça, visitava oficialmente um tribunal que, pela sua importância, centralidade e grande movimento processual carecia já de grandes e profundas alterações, procurando-se então apurar quais as melhorias que se justificariam.

A meio da visita, certamente com algumas opiniões já formadas, Menéres Pimental dirigiu-se ao Secretário do tribunal e perguntou-lhe:
- Então e quantas pessoas trabalham ao todo neste tribunal?
O secretário do tribunal pensou longamente no assunto, lá fez algumas contas de cabeça e ao fim de algum tempo respondeu:
- Talvez cerca de metade, Sr. ministro...


quinta-feira, 26 de abril de 2007

 

O Curandeiro Místico



O filme abaixo mostra-nos um excerto do famoso programa da televisão americana «Ripley’s Believe It Or Not».
Desta vez são-nos reveladas as fantásticas habilidades de um tal Master Jo, um «curandeiro místico» que desafia «tudo aquilo que a medicina ocidental nos ensina sobre a fisiologia humana».

O Master Jo é-nos apresentado como um verdadeiro especialista em «Qigong», precisamente uma das três formas da antiga medicina tradicional chinesa.
As outras duas, como é sabido, são a «herbologia» e a «acupunctura».

O próprio Master Jo diz-nos que trata dores de cabeça, problemas de estômago, problemas de rins, problemas ginecológicos e de infertilidade, dores reumáticas, artrite e até o cancro.

Mas não recorre à herbologia ou sequer à já corriqueira acupunctura que, como toda a gente sabe, consiste no equilíbrio das forças opostas do Yin e Yang através da manipulação do «Chi», que é a energia que flui no corpo humano através de 14 caminhos principais chamados «meridianos», e que recorre à inserção de agulhas em pontos específicos do corpo de forma a remover as obstruções do «Chi» que são prejudiciais à saúde.

Em vez disso, o Master Jo trata os seus pacientes recorrendo ao «Qigong», a outra forma da medicina tradicional chinesa, que há mais de dois mil anos usa a «energia» como forma de cura.
E é precisamente à libertação desta «energia interior» que o Master Jo recorre para tratar os seus pacientes e para aquecer toalhas a altas temperaturas utilizando somente as mãos, tudo isto filmado por uma câmara sensível à temperatura.

No final do filme o fantástico Master Jo ainda nos demonstra que é possível caminhar em simples folhas de papel presas em molduras de madeira sem as rasgar, porque se consegue fazer a si próprio mais leve ao concentrar e controlar a sua energia.

Para dar maior credibilidade a esta espantosa técnica milenar da medicina tradicional chinesa que é o «Qigong» (aliás tão milenar como a herbologia e a acupunctura), o programa de televisão recorreu ao Dr. Michael Upsher, um médico anestesiologista reformado, que em frente às câmaras e para quem quiser ver é tratado a uma artrite que a medicina ocidental nunca tinha conseguido curar.
O próprio Dr. Michael Upsher confessa-se tão maravilhado com o «Qigong» como incapaz de o explicar à luz da medicina ocidental.

O que é curioso é que o Dr. Michael Upsher é, sem sombra de dúvida, a pessoa ideal para comentar mais esta extraordinária forma da medicina tradicional chinesa e a incrível técnica deste fantástico «curandeiro místico» que dá pelo nome de Master Jo.

De facto, se repararmos bem e com muita atenção, que outra pessoa poderia ter dado mais credibilidade a tudo isto do que um médico anestesiologista reformado usando aquele maravilhoso e fantástico... capachinho?...



segunda-feira, 23 de abril de 2007

 

O Ópio dos Intelectuais



«O Ópio dos Intelectuais» é o título da última crónica de João Carlos Espada no «Expresso» do passado sábado.

Se das crónicas de João Carlos Espada que leio regularmente no «Expresso» alguma coisa se pode retirar é a persistência – semana após semana – com que este brilhante articulista faz citações de «autores da moda», como quem acha que lhe fica bem conhecer ao menos os seus nomes, mesmo que não perceba patavina do que eles dizem.
Vai daí, entra em raciocínios ridiculamente redondos que procura fundamentar em citações sem qualquer contexto.
E o resultado só podia ser um: é o Espada acabar a nadar nas águas turvas do fundamentalismo religioso.

Assim, e sempre coerente, logo com a escolha do subtítulo de mais uma das suas brilhantes crónicas o bom do João Carlos nos dá a antever o que aí vem, e desata logo à espadeirada quando diz:
«Cabe aos ateus explicarem porque deveria a sua ideologia particular receber a chancela do Estado».

Devia o Espada mudar o cilício de perna antes de se pôr a escrever.
Mas quem é que lhe disse que os ateus querem que a sua «ideologia particular» receba a «chancela do Estado»?
E que raio é isso dessa «chancela do Estado» que ele diz que os ateus querem?

O João Carlos não explica. Porque, como é óbvio, nem sequer sabe o que isso é!
Mas resolve fingir que sabe quando diz:
«Uma "nova" moda percorre a Europa: a moda do ateísmo militante».

É então que a indignação do João atinge o seu auge: então não querem lá ver que há por aí por essa Europa fora ateus a dizer que Cristo nunca existiu e ateus a fazerem comícios de propaganda contra a religião? Há até mesmo uma Universidade em Caen que tem uma doutrina oficial chamada «hedonismo ético» que recebe subsídios do Estado francês!

Mas se o João Carlos Espada fosse coerente e se fosse intelectualmente honesto, devia ter tido, antes de mais, a correcção ética e a verticalidade deontológica para com o editor que lhe paga as suas crónicas semanais de ter ido consultar um dicionário qualquer para ver se aprendia o significado da palavra «LAICIDADE».
Que o João Carlos não sabe. Nem quer saber!

Porque se quisesse saber, se soubesse e se fosse intelectualmente honesto, ao mesmo tempo que brama contra os ateus, contra a sua militância, contra os seus comícios, contra os subsídios às Universidades «hedonistas» e até contra essa coisa da «chancela do Estado» que acusa os ateus de quererem, o Espada tinha feito outra coisa.
Tinha feito uma crónica coerente, e assim bem portuguesa, desta vez a crocitar contra os subsídios à Universidade Católica, contra as perigosas procissões religiosas comicieiras nas festas católicas das aldeias, e contra o proselitismo criminoso das homilias de campanha eleitoral e contra quem ninguém faz nada.
E depois, não fosse o Diabo tecê-las, ainda defendia a radical e imediata revogação da Concordata, não vá ela abrir um qualquer infernal precedente, não vão ainda os ateus utilizarem-na como pretexto para defenderem também para si uma qualquer... «chancela do Estado».

Mas o Espada continua, com as suas palavras cortantes como alfanges:
«O principal apelo popular do ateísmo actual parece residir na sua alegação de que a fonte do ódio e da intolerância reside na religião...».

E é aqui que o delírio de João Carlos Espada atinge o seu auge.
Não faço ideia se o bom do Espada partilha de algum dos desportos cada vez mais populares entre os católicos como a auto flagelação ou a castidade.
É que, pelos vistos, tanto uma como a outra alucinam de forma semelhante.

Mas, pelo menos, deve ter sido neste ponto que deu mais uma voltinha ao cilício que traz na perna.
Porque, logo a abrir, e para deixar bem demonstrado que a religião nada tem a ver com a intolerância de que os ateus a acusam, João Carlos Espada apela à mais educada, polida e fina ironia para dizer que essa injusta acusação tem sido repetida «pelo reputado filósofo Elton John», que ele não conhece como pessoa, mas que sabe bem que é cantor e que é... homossexual.

E então, já depois de cabalmente demonstrada a tamanha injustiça da acusação de intolerância, o Espada põe-se agora a nadar em águas mais profundas.

E para que não se diga que só faz citações dos outros, o bom do João Carlos aventura-se agora nos delicados meandros do raciocínio e diz:
«Como explicar, nesse caso, que os dois grandes totalitarismos do século XX, o nacional socialismo e o comunismo, tenham sido ateus?».

De facto é precisa muita paciência para aturar esta gente!
O João Carlos Espada devia ler mais. Chego até a pensar que as citações que faz recorrentemente nas suas crónicas são tiradas daqueles bocadinhos no final dos artigos das «Selecções do Reader’s Digest»!

Porque, em primeiro lugar, o João Carlos devia saber que o Hitler não era ateu. Mesmo que resolva repeti-lo muitas e muitas vezes.
Mas não é isso que está em causa, pois até podia muito bem tê-lo sido, quero lá saber.
Como também não está em causa o Hitler e o Estaline terem os dois usado bigode, porque isso não faz dos homens que usam bigode potenciais ditadores assassinos.

O que está em causa é que as ditaduras sanguinárias do século XX, como a nazi ou a comunista, são responsáveis, sim, por dezenas de milhões de mortes e ainda pelo incomensurável e indizível sofrimento de centenas de milhões de pessoas, mas tudo isso em nome de um fanatismo ideológico muito concreto que se queria ver implementado e sobreposto aos das outras pessoas.

Porque é precisamente dos fanatismos ideológicos - sejam políticos, sejam religiosos - que resultam as guerras, as cruzadas, as ditaduras, os autos de fé, as polícias políticas, os campos de concentração e os Holocaustos.
E então, sim: os fanatismos ideológicos são todos a mesma choldra!!!
Sejam políticos!
Sejam religiosos!

Alguém saberá dizer exactamente quantas centenas de milhões de pessoas foram, ao longo da História, torturadas e chacinadas em nome de Deus?

Só que, entretanto, nenhuma morte é feita em nome do «ateísmo».
No meio da sua loucura torcionária, até mesmo Estaline permitiu a coexistência de inúmeras igrejas (enquanto destruiu centenas de outras, sim) e tolerou que nelas se praticasse regularmente um culto.

Nunca nenhum ateu amarrou uma pessoa a um poste e lhe deitou fogo com o simples pretexto de que ela era um «crente», assim tal qual fosse um bom e fiel católico a imolar pelo fogo um judeu ou um blasfemo, ou uma mulher acusada de bruxaria.

É pena que o João Carlos Espada não saiba isto.
Mas o que é mais pena ainda, é aquilo que o João Carlos Espada sabe, mas não diz.
Só porque quer deixar bem demonstrado que a intolerância e o ódio nada têm a ver com a religião, ao mesmo tempo que se refere aos «grandes totalitarismos» do século XX o João Carlos Espada finge que se esquece dos... «pequenos totalitarismos».

É de facto absolutamente lamentável que João Carlos Espada depois de falar dos «totalitarismos ateus», porque os seus líderes foram ateus, não tenha a dignidade intelectual de falar também, então, nos «totalitarismos religiosos» ou teístas, quando os seus líderes são crentes.
Onde quer João Carlos Espada chegar quando finge que desconhece as ditaduras de inspiração islâmica, da Arábia Saudita ao Irão e quando finge que se esquece das ditaduras de inspiração católica, como as de Portugal, Espanha, Itália, Brasil, Chile, Argentina, Venezuela?...

Mas é ao terminar a sua crónica que o João Carlos Espada dá o seu melhor.
Apesar de tudo, se compararmos com o que diz no seu último parágrafo, até quase se podia dizer que até aqui o João Carlos até nem ia nada mal.

Veja-se esta pérola, este diamante em bruto do raciocínio intelectual:

«No plano filosófico, o ateísmo encerra dificuldades enormes – à luz da razão.
«Uma, crucial, reside na colossal ambição do racionalismo dogmático que subjaz ao ateísmo: a de que a razão pode fornecer pressupostos isentos de pressupostos.
«Mas a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada.
«Em rigor, o ateísmo acredita que sabe, mas não sabe que acredita.
«Neste sentido, como escreveu o saudoso Raymond Aron, limita-se a ser o ópio dos intelectuais».

E é isto.
Repararam em mais uma citação, desta vez do «saudoso» Raymond Aron?...

Pois bem:
Como resolveu então filosoficamente o João Carlos Espada as «enormes dificuldades» que o ateísmo atravessa? Que resposta deu esta mente brilhante a essas enormes dificuldades?

É simples:
Logo em primeiro lugar, o João Carlos diagnosticou ao ateísmo uma coisa a que chamou a «colossal ambição do racionalismo dogmático».
Vai daí, não hesita: infectado com esta doença, o ateu fica a pensar que a razão pode fornecer «pressupostos isentos de pressupostos».
E o João bem sabe que «a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada».

Não é simplesmente brilhante?
Não é fantástico como o João Carlos Espada, numa simples penada, num pequeno parágrafo, deita por terra todo o ateísmo e desmascara «as enormes dificuldades que o ateísmo atravessa no campo filosófico»?
Como é injusto este mundo, em não reconhecer o gigantesco valor deste filósofo de excepção.
Ah! Como é ingrata a Comissão Nobel!!!

Assim sendo, e não sem antes nos revestirmos de toda a piedade cristã a que pudermos deitar mão, só nos resta observar os escombros do que restou do ateísmo, agora por completo filosoficamente desmoronado, depois do João Carlos Espada ter indicado o caminho das suas «enormes dificuldades à luz da razão».

Mas o João Carlos Espada não se limita a derrubar e a desmoronar as outras filosofias.
Como grande filósofo que é, João Carlos Espada aponta-nos um caminho novo, uma nova filosofia agora completamente isenta de «dificuldades à luz da razão».

E será então aqui que o João Carlos Espada, em contrapartida, nos proporá:
Para já, em vez da colossal ambição do «racionalismo dogmático», o João Carlos decerto nos apontará o caminho da «fé».
E é então aqui que substitui o ateísmo e o racionalismo pelo... irracionalismo!
E é assim, pelos vistos, que o nosso João Carlos defende uma filosofia nova, já completamente despojada de «ambição» e inteiramente liberta dos pecados e dos vícios do racionalismo, esse pecado mortal: nada mais nada menos que o «Irracionalismo Dogmático»!

Mas, depois de nos apontar esse novo rumo filosófico – o irracionalismo – o Espada não fica por aqui.
Nem pensar!
E lá vem ele outra vez: depois de desmascarar o ateísmo na praça pública, o João Carlos não deixa que alguém continue a pensar que «a razão pode fornecer pressupostos isentos de pressupostos».

E não vá alguém dizer, ou ousar sequer pensar, que, afinal, ele não faz a mínima ideia do que é o ateísmo, o João Carlos Espada lá continua, escolhendo palavras que, como ferros em brasa, como fogueiras em autos de fé, imolam cada um dos ateus deste mundo e os remetem para um canto obscuro da História da Filosofia.
E diz ele:
«Mas a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada»!

E é então aqui, quando depois de tanto matutar não consegue explicar «porque existe algo em vez de nada» e como é que há «pressupostos isentos de pressupostos», mas só depois de mais um conveniente estorcegão ao cilício, claro está, que João Carlos Espada descobre... Deus!

E, então, finalmente, cá está a resposta para haver «algo em vez de nada» e para os tais «pressupostos isentos de pressupostos»!
E a resposta é... está-se mesmo a ver: o irracionalismo!

É lindo!
E pensar que antes disto havia gente a pensar que o João Carlos Espada não percebia nada disto e que não tinha a mínima noção filosófica do que é o ateísmo!

Mas que não se pense que o João Carlos Espada fica por aqui.
Não!
Porque qualquer bom filósofo, depois de marcar a História com o ferro indelével do seu nome, deve sempre escrever um epitáfio à filosofia derrotada, de preferência com um jogo de palavras, se possível até com uma pequena cacofonia.

E cá está ele:
«Em rigor, o ateísmo acredita que sabe, mas não sabe que acredita».

E cá estou eu, ateu, completamente deitado por terra.
Inteiramente rendido à imensidão de João Carlos Espada!

Nem queria crer: logo eu que, sem sequer saber, pensava que acreditava que sabia, mas que afinal não sabia que acreditava!
Estou deslumbrado!
Rendo-me!

A partir de agora, quando me perguntarem no que acredito ou que filosofia professo, responderei sem hesitar:
- Sou um Espadista!

E quando me perguntarem o que é que isso quer dizer, respondo de um só fôlego:
«Porque, como o João Carlos Espada, defendo que o mundo não se explica com a ciência ou com qualquer outro tipo de critérios racionais; eu cá sou um irracionalista! Um irracionalista dogmático!
«E nada de confundir um irracionalista com um imbecil ou até com um animal irracional. Porque há diferenças. Diferenças que são óbvias, embora agora, assim de repente, não me lembre de nenhuma».

E se me perguntarem que resposta filosófica tenho para explicar como é que há «algo em vez de nada» e para os «pressupostos isentos de pressupostos», eu cá respondo:
- Já disse; sou um Espadista!

E se me tornarem a perguntar o que é que isso quer dizer, eu torno a responder:
«Já disse, sou um irracionalista!
«Acredito e dou não só como filosoficamente coerente e lógico mas, muito mais do que isso, dou como lúcido que a resposta é... Deus!»

E se me pedirem para demonstrar a lucidez desta minha nova filosofia, eu respondo:
«Como qualquer bom Espadista, eu defendo que Deus é a resposta para o «algo em vez do nada».
«E que é precisamente esse mesmo Deus quem nos dá a graça de termos a "inteligência" suficiente para... não ousarmos perguntar quem por sua vez o criou... a ele!

«E também a lucidez de acreditar que um dia, sendo esse mesmo Deus um e três ao mesmo tempo, resolveu vir a este planeta.
«E então um desses três Deuses, embora Deus seja só um, mas que, sendo um desses três (embora todos três sejam só um), se chamava Espírito Santo, engravidou uma mulher virgem, que ainda assim continuou virgem.
«E então, talvez nove meses depois, nasceu Deus, ou seja nasceu uma criança filha dela própria, ou seja, que tinha engravidado a sua própria mãe, e que era simultaneamente pai de si próprio.
«Nessa forma de homem, agora chamado Jesus, Deus cresceu e resolveu morrer por ordem de Deus, isto é, de si próprio. Por outras palavras, suicidou-se.
«Depois disso, subiu ao Céu, em corpo e alma, onde está agora sentado à direita de Deus pai. Por outras palavras, está sentado à direita de si próprio, com o Espírito Santo a esvoaçar em forma de pomba por ali perto, embora todos eles sejam só um. Embora ao mesmo tempo sejam três, tudo isto, claro, sem prejuízo de serem só um».

E pronto!
E foi assim que me deixei da porcaria do ateísmo e do racionalismo.
Já nem sequer acredito na lei da gravidade. Ou na lei da atracção universal. Claro está que do racionalismo do Newton só poderia sair porcaria!
O evolucionismo?
Pfff!!! Outra das balelas racionalistas dos ateus!

Toda a gente sabe que o mundo foi criado «do nada» por Deus, em seis dias, há qualquer coisa como 4 mil anos, segundo os melhores cálculos da genealogia bíblica.
Prova disto?
Que raio de pergunta: está-se mesmo a ver que a prova disto é tão coerente, lógica e lúcida que reside precisamente na irracionalidade da própria afirmação!...
Se assim não fosse, como é por demais óbvio, tudo isto passaria – como o ateísmo passou antes de ser denunciado pelo Espada – a encerrar, no plano filosófico, «enormes dificuldades»... à luz da razão...

Estou agora, por fim, completamente desintoxicado dessa coisa que «o saudoso» Raymond Aron (tão brilhantemente citado por João Carlos Espada), chama «o ópio dos intelectuais».
Sou, finalmente, um irracionalista!
Mas um irracionalista dogmático e, finalmente, sem dificuldades - à luz da razão!

Um dia, talvez um dia, se faça justiça e se venha a fazer luz.
Um dia virá em que se passará o reconhecer o verdadeiro significado e o alcance destas palavras de Jesus Cristo, citadas no evangelho de Mateus (10:34):
- Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.

Talvez um dia a interpretação destas palavras seja expurgada de qualquer sentido ou conotação bélica ou violenta.
E que não era nada disso que nos queria dizer o bom Jesus.
Talvez um dia se reconheça que Jesus Cristo queria dizer-nos que um dia seríamos contemplados com uma nova e brilhante filosofia.
E que, com a palavra «espada» Jesus Cristo se referia, obviamente a... João Carlos Espada!!!


quarta-feira, 18 de abril de 2007

 

Destino Cruel





terça-feira, 17 de abril de 2007

 

A Coerência Relativa



Nos velhos tempos do "PREC" contava-se uma anedota a respeito de Otelo Saraiva de Carvalho.
Dizia-se que Otelo tinha sido submetido a um teste psicotécnico para poder ser graduado em general quando foi comandante do COPCON.
O teste consistia simplesmente nalgumas perguntas de aritmética básica, a que Otelo teria respondido assim:
- 2 + 2 ? - Resposta: 5
- 2 + 2 ? - Resposta: 6
- 2 + 2 ? - Resposta: 7
- 2 + 2 ? - Resposta: 8
- 2 + 2 ? - Resposta: 9

Resultado do teste:
- Aprovado; estúpido mas progressista!

Enfim, esta é mais uma daquelas anedotas que as figuras públicas e os políticos têm de pagar como preço da sua notoriedade.


Veio-me esta anedota à ideia a propósito da costumeira crónica das segundas-feiras do abominável João César das Neves no «Diário de Notícias».
Porque de facto, entre muitas outras qualidades que possui, temos de reconhecer que João César das Neves é, sem qualquer sombra de dúvida, uma pessoa extremamente... coerente!

Desta vez, sob o título «A vida humana afinal é violável», o beato João César de Santa Maria partilha connosco na sua crónica a indignação da conclusão a que chegou:
- Com a promulgação do decreto da Assembleia da República sobre a «exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez», terá passado a ser oficial que em Portugal a vida humana passou a ser violável.
Tudo isto em desobediência ao artigo 24º n.º 1 da Constituição que estabelece que «a vida humana é inviolável».

De facto, a lógica de João César das Neves é absolutamente imbatível. E há-de valer-lhe certamente o reino dos Céus.

É curioso como César das Neves invoca para si os favores da Constituição, mas somente após uma escolha criteriosa dos casos em que isso lhe convém.
Porque, por exemplo, nada impede o nosso coerente beato de bramar contra os direitos dos homossexuais e contra a igualdade societária que para eles se preconiza, apesar de estar tão clara e taxativamente estabelecida no artigo 13º da Constituição a proibição da discriminação dos cidadãos em razão da sua orientação sexual.

Depois, e como se a lógica só funcionasse às cambalhotas, o nosso católico articulista não deixa de ironizar sobre a própria legitimidade de um decreto que se baseou num referendo que obteve uma aprovação maioritária de votos, sim, mas sem que fosse vinculativo por não ter tido uma participação vinculativa.
Provavelmente, lá no fundo da sua incomensurável coerência, defenderá que tal legitimidade só poderia existir se o decreto tivesse obedecido à tendência minoritária que resultou derrotada no referendo...

Mas o auge do artigo do João César chega-nos com a frieza trazida pelas neves da afirmação de que esta lei tem práticas em comum comparáveis às dos «nazis, esclavagistas, chauvinistas e afins», na medida em que também considera a vida humana violável.

E foi precisamente aqui que me lembrei da anedota do Otelo que contei lá em cima.
Porque é precisamente aqui que a coerência do abominável João chega tão alto, tão alto, que deve estar a fazer cócegas a todos os santos da Igreja que este fervoroso católico venera como semi-deuses, desde Escrivá de Balaguer a Torquemada.

De facto, em vários debates na campanha do referendo ouvi João César das Neves afirmar que era «pela vida» e que, por isso, era contra TODAS as formas de aborto.
Mesmo nos casos de violação, de malformação do feto e de perigo de vida para a mãe. Todos!

É, na verdade, uma posição extremamente coerente, lá isso é verdade: se a vida é um valor absoluto e se se é «pela vida», então não se podem admitir excepções.
Porque a coerência, se é relativa, não é coerência!

Mas o que é curioso é como às vezes a «violabilidade da vida humana» parece tão perfeitamente aceitável para o nosso piedoso articulista.

De facto, é muito curioso que o mui católico João das Neves ainda não tenha explicado como concilia essa coisa de ser «pela vida» e de ser ao mesmo tempo contra TODAS as formas de aborto, mesmo nos casos em que, por exemplo numa gravidez ectópica, se o aborto não for feito a mulher pura e simplesmente morre.

O que é também curioso é que o mui apostólico João das Neves ainda não explicou como concilia essa coisa de ser «pela vida» e de ser ao mesmo tempo favorável à política da Igreja Católica quanto ao preservativo, tida por todos os responsáveis técnicos como imediata e directamente responsável por centenas de milhar de novos casos de infecção com HIV todos os anos, principalmente na África sub-saariana e noutros países de semelhante influência católica, como as Filipinas, a Colômbia ou a Polónia.

O que é curioso é que o mui católico apostólico romano João das Neves ainda não explicou como concilia essa coisa de ser «pela vida», ao ponto de ser contra TODAS as formas de aborto, mesmo nos casos em que a mulher venha a morrer, e de ao mesmo tempo se intitular católico, quando o «Catecismo da Igreja Católica» admite no seu parágrafo 2.263º que se mate outrem em caso de legítima defesa, admitindo mesmo no parágrafo 1.909º a legítima defesa preventiva e no parágrafo 2.309º o conceito de «guerra justa».

Mas muito mais curioso ainda, é que o mui católico apostólico romano São João César das Neves ainda não explicou como concilia essa coisa de ser «pela vida» e de ao mesmo tempo se intitular católico e de professar e defender com unhas e dentes o «Catecismo da Igreja Católica», que no seu parágrafo 2.267º admite clara e inequivocamente a... pena de morte!


Com tudo isto, imagino que se fizessem a João César das Neves um teste parecido com o da anedota do Otelo, deveria dar qualquer coisa parecida com isto:
- 2 + 2 ? - Resposta: 5
- 2 + 3 ? - Resposta: 5
- 2 + 4 ? - Resposta: 5
- 2 + 5 ? - Resposta: 5
- 2 + 6 ? - Resposta: 5

Resultado do teste:
- Aprovado; é sem dúvida coerente!...


segunda-feira, 16 de abril de 2007

 

O Templo de Salomão



O relator do polémico acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou o jornal «Público» a pagar uma indemnização de 75.000 euros ao Sporting Clube de Portugal por uma notícia que, embora verdadeira, foi considerada ofensiva do «crédito, do bom nome e da reputação» daquele clube, foi o juiz conselheiro Salvador da Costa.

Fiz dezenas e dezenas de julgamentos com o juiz Salvador da Costa no tribunal de Loures.
Por isso, conheço muito bem a sua maneira de trabalhar e sou o primeiro a reputar-lhe uma competência muito, mas mesmo muito acima da média, aliada a um sentido de justiça invulgar entre os seus pares.

Tenho comprado os seus sucessivos «Códigos das Custas Judiciais», cujas anotações são preciosas para a sua compreensão global e integração concreta no âmbito de todo o direito processual.
Dada a enorme consideração que por ele tenho, pedi-lhe que me autografasse o último desses códigos numa conferência que deu precisamente sobre a reforma das custas judiciais, e a que não me passou pela cabeça faltar, pois bem conheço a profundidade dos seus conhecimentos técnicos do direito e o quanto com ele podia aprender.

Acho que posso ilustrar o que penso do juiz Salvador da Costa com o relato deste caso que tive e que ele julgou:
Era uma acção de despejo intentada por mim, como representante do senhorio, com o fundamento de que o inquilino não habitava a casa arrendada.
Competia-me fazer a prova, sempre difícil nestes casos. Tinha requerido que o tribunal pedisse os consumos de água e electricidade às respectivas companhias, mas os elementos recebidos não eram inequivocamente esclarecedores de que a casa estivesse desabitada, principalmente tendo em conta o período que estava em questão.

Depois de terem sido inquiridas as minhas testemunhas, sucederam-se as testemunhas do inquilino, que juravam todas a pés juntos que ele morava, e sempre tinha morado na casa, que lá o visitavam, que ainda na véspera tinham lá estado a jantar e, enfim, o costume.
Claro que as divergências entre os depoimentos das testemunhas eram por demais evidentes e até risivelmente contraditórios.

Afinal o inquilino habitava ou não na casa? O que estaria a pensar o juiz?
Eu bem podia ter requerido uma inspecção judicial à casa. Mas, de facto, como não sabia o que lá se ia encontrar, seria um enorme disparate técnico e estratégico fazê-lo.
O que é certo é que perante tantas discrepâncias nos depoimentos das testemunhas de um e outro lado, eu já estava mesmo a ver o meu caso a ir por água abaixo por não conseguir fazer uma prova segura e inequívoca, um ónus que, por lei, me competia.

Fiz as minhas alegações finais, o Colega da outra parte fez o mesmo, e tirámos as agendas para marcar a data das respostas aos quesitos.
Mas, qual não foi o nosso espanto, quando o juiz Salvador da Costa tomou uma atitude que nunca vi outro juiz tomar neste quase quarto de século:
Pediu simplesmente ao funcionário judicial que lhe chamasse um táxi, e disse a ambos os advogados que o seguissem nos seus carros, acompanhados dos respectivos clientes.
E lá fomos uns atrás dos outros até à casa.
Lá chegados o juiz ordenou ao inquilino que abrisse a porta, e entrámos todos.

O juiz Salvador da Costa percorreu a casa quarto por quarto e, claro está, fez-se luz: a casa estava completamente vazia e obviamente desabitada.
Lembro-me que olhou somente para o inquilino, meio de soslaio, e não resistiu a dizer-lhe com indisfarçada ironia:
- Então e o senhor onde é que dorme?...

Depois, sem esperar pela resposta, virou-se para mim e para o Colega e disse-nos simplesmente:
- Respostas aos quesitos amanhã mesmo, às 14 horas; está encerrada a audiência.

Escusado será dizer que escassa meia dúzia de dias depois já tinha recebido a sentença a decretar o despejo. Nem é preciso dizer que o inquilino nem sequer recorreu.

Pois bem:
Foi este o mesmo juiz, por quem eu tinha (e tenho) tanta consideração e indiscutível confiança no seu rigor técnico mas, muito principalmente, no seu elevado sentido de justiça, quem relatou o polémico acórdão que condenou o jornal «Público» pela publicação de uma notícia verdadeira.

Como pode ter isto sucedido?
Como pode o juiz Salvador da Costa ter proferido uma decisão que, a fazer escola, poderia até, e em última análise, institucionalizar a censura e ferir de morte direitos tão fundamentais como a liberdade de imprensa ou de expressão, que ele hierarquizou abaixo do «direito à integridade moral ao bom nome e à reputação»?
Bolas! É que a notícia era verdadeira!!!

A resposta parece até tentadoramente simples para quem conhece a forma como tantos juizes pensam e decidem em Portugal: fazem-no simplesmente porque... lhes parece!...

Será que foi isso que sucedeu com o juiz conselheiro Salvador da Costa e com os seus ilustres colegas subscritores do acórdão?
Não quero crer! Até pelo que acima relatei.

Mas o que é facto é que, com excepções tão honrosas que se contam pelos dedos de uma mão, na sua esmagadora maioria os juizes, talvez em todo o mundo, acabam invariavelmente a pensar que são uma espécie de reencarnação de Salomão.

Às vezes, logo às primeiras impressões «qualquer bom juiz» já está a ver perfeitamente quem ali tem razão e quem ali veio fazer marosca.
E o instinto de um juiz, está claro, nunca falha.
De repente, aquela sala não é já uma sala de audiências: é um autêntico Templo de Salomão, onde a justiça é servida por quem, lá do alto, está absolutamente ciente de que ao fim de algum tempo de experiência profissional está já dotado de uma clarividência quase esotérica para a análise dos casos e das pessoas que desfilam à sua frente.

Então, bem sabendo que tem nas suas mãos a vida ou a liberdade de uma pessoa, um juiz olha para um caso e, num golpe de lucidez, vê imediatamente como «lhe parece» que ali pode ser feita justiça.

Depois é simples: para dar a sentença é só encaixar os factos e o direito na convicção que já foi formada.

Não quer isto dizer, como é óbvio, que todos os juizes raciocinem assim.
Nem muito menos dizer que algum deles seja incompetente ou desonesto, e muito menos que não tenha sentido de justiça.
Não: na sua esmagadora generalidade, muito antes pelo contrário.

E até quanto ao sentido de justiça, têm-no e é muito.
Ele pode é às vezes não ser coincidente com os factos, com a lei e até com a convicção ou com os sentimentos da generalidade das pessoas.
Mas, bem vistas as coisas, afinal o que é que isso interessa?...


sábado, 14 de abril de 2007

 

O Sucesso dos Aldrabões



John Edward é, sem dúvida, o mais famoso «psíquico» da actualidade.
Até a TV Cabo (se bem me lembro no «People & Arts»), já se rendeu aos “encantos” deste burlão, que se tornou multi-milionário a fazer crer às pessoas que comunica com o «mundo dos mortos» e que lhes transmite mensagens de familiares e amigos que estão «do outro lado».
E que não hesita em explorar despudoradamente os sentimentos das pessoas para lograr os seus únicos intentos: enriquecer como um nababo.

Já agora, diga-se em abono da verdade que a televisão portuguesa continua pródiga em dar tempo de antena e a dar cobertura a organizações mais ou menos religiosas ou a pessoas com poderes misteriosos e «paranormais» – e, sem dúvida, a tornar-se criminosamente cúmplice – de esquemas e burlas destinados unicamente a extorquir dinheiro às pessoas.

Neste pequeno filme Michael Shermer comenta e explica os truques de John Edward e comenta a certa altura:
- Falar com os mortos é fácil; difícil é ouvir as respostas deles...

Uma coisa é certa:
O sucesso dos aldrabões, seja individualmente seja organizados em associações mais ou menos reputadas, só depende de uma coisa: dos imbecis que acreditam neles.



quinta-feira, 12 de abril de 2007

 

O crédito, o bom nome e a reputação



É curiosa a coincidência de ter sido na mesma semana em que o Primeiro-ministro José Sócrates lá decidiu prestar esclarecimentos públicos sobre as suas habilitações literárias e sobre o modo como as obteve, que veio também a lume o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou o jornal «Público» a pagar 75.000 euros de indemnização ao Sporting Clube de Portugal.

Este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é, de facto, uma peça de um rigor técnico-jurídico inquestionável, e constitui, sem dúvida, mais um belo exemplo da brilhante tradição jurisprudencial portuguesa.
E que ficará para sempre, estou certo, nos anais e na história da Justiça portuguesa.
Como tantas outras decisões judiciais antes ficaram, como é exemplo de escola aquela da absolvição dos dois violadores que, coitados, não tinham mais do que cedido à ignóbil provocação de duas jovens estrangeiras que, pasme-se, tinham, elas sim, ousado andar a passear-se indecentemente na «coutada do macho latino».

Desta vez o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a publicação por parte do «Público» de uma notícia que dava conta que o Sporting Clube de Portugal tinha uma dívida fiscal de cerca de 460.000 contos tinha ofendido «o crédito, o bom nome e a reputação» do Clube.

Mas então a notícia era falsa?
Não! A notícia era rigorosamente verdadeira!

Mas, para o Supremo Tribunal de Justiça, não é isso que está em causa.
O que o Supremo Tribunal de Justiça considerou é que a publicação da notícia prejudicou, realmente e de facto, e independentemente mesmo da sua veracidade, «o crédito, o bom nome e a reputação» do Sporting e constituiu, por isso e em concreto, um ilícito.
Mas um ilícito tão grave, que nem sequer o direito a informar ou até a liberdade de imprensa que o «Público» invocou são susceptíveis de o justificar e, por isso, de o afastar.

Porque, continua o acórdão, no «espaço de liberdade e instrumento de poder» que são os órgãos de comunicação social, decorre um conflito entre, por um lado, a liberdade de expressão e de informação que lhe é inerente e, por outro, «os direitos das pessoas postos em causa pelo seu exercício, designadamente o direito pessoal à integridade moral, incluindo o bom nome ou reputação».
Deste modo, «a liberdade de imprensa deverá ser limitada quando por via do seu exercício possa ser negativamente afectado o direito ao bom-nome das pessoas».
E tudo isto independentemente, claro está, da veracidade ou não da notícia que foi publicada.

Ora bem:
É aqui que surge a curiosa coincidência entre a data da publicação deste histórico acórdão e a polémica à volta das habilitações literárias do Primeiro-ministro.

Porque, e isso é um facto que ninguém negará, todas as notícias divulgadas pelos jornais, rádios e televisões, e até blogues, a levantar suspeições sobre as suas habilitações e a lançar suspeitas de favorecimento na sua obtenção, prejudicaram objectivamente «o crédito, o bom nome e a reputação» de José Sócrates.

Cá para mim toda esta polémica não passa de uma ignóbil manobra de tentar desacreditar um Primeiro-ministro inquestionavelmente honesto e que, como há muito não havia memória em Portugal, não tem hesitado em cortar a direito por interesses instalados há décadas e a meter a mão em todos os ninhos de vespas que lhe aparecem à frente.
Mas isso é outra conversa.

O que interessa agora é saber:
Tais notícias são verdadeiras?
As notícias foram publicadas por toda a comunicação social no exercício legítimo do direito de informar e da liberdade de imprensa?
As suspeitas levantadas são legítimas?

Pois bem:
Para o Supremo Tribunal de Justiça isso não interessa para nada.
O que interessa é que, verdadeiras ou não, credíveis ou infundadas, as notícias que foram publicadas prejudicaram objectivamente «o crédito, o bom nome e a reputação» de José Sócrates.
E isto é um facto incontestável, e que ninguém no seu juízo perfeito ousará negar.

Por isso, é bom que todos os órgãos de comunicação social portugueses se ponham a pau com o Supremo Tribunal de Justiça...


quarta-feira, 11 de abril de 2007

 

1 + 1 + 1 = 1



De uma notícia publicada na «Agência Ecclesia», eis aqui uma pequena passagem de uma entrevista a um tal Henrique Noronha Galvão, que é sacerdote e docente na Faculdade de Teologia de Lisboa, e que desempenha o cargo de «Presidente da Comissão Científica do Congresso sobre o Mistério Trinitário de Deus».

Aos leitores deste Blog, peço que me façam a justiça de reparar que, embora não sem algum esforço, confesso, não fiz qualquer comentário irónico a que o «mistério trinitário de Deus» fosse tema de um congresso e tudo, nem sequer fiz a mínima referência jocosa à existência de uma coisa chamada «comissão científica» que foi constituída para tal efeito.

À pergunta «o que é a Santíssima Trindade?», diz o entrevistado a certa altura:

«Está-me a perguntar o que é o maior mistério da nossa fé … Ele resulta de Jesus Cristo se ter revelado como Filho de Deus, numa comunhão total e única com o Deus a quem chamava Pai e mesmo, em aramaico, Abba (que significa Papá), e com o Espírito Santo que procede simultaneamente do Pai e do Filho.
«Esta comunhão de Amor é de tal ordem que significa uma única identidade divina em que subsistem o Pai e o Filho e o Espírito Santo.
«...trata-se aqui de algo que corresponde ao mais íntimo mistério pessoal de Deus e que só por confidência do próprio Deus, isto é, por revelação nós podemos conhecer».
«...trata-se de um mistério que só numa atitude de grande humildade, pela meditação na Palavra de Deus e na oração pode ser apreendido e vivido.
«Sempre que queremos sujeitar Deus aos nossos critérios, à nossa sensibilidade ou, mesmo, à nossa ideologia, então já não acreditamos no Deus que se revela mas num ídolo que nós próprios criamos».

Uma coisa é certa:
Por mais congressos e «comissões científicas» que organizem, por mais meditação que façam, por mais confissões em que admitem a sua própria «humildade», não acredito que esta gente alguma vez se aperceba da idiotia e do profundo ridículo que é continuar a tentar fazer crer e a explicar às outras pessoas como é que uma religião que tem três deuses principais, uma deusa secundária e alguns milhares de pequenos deuses e deusas menores, continua a ser, apesar de tudo disso, uma religião... monoteísta!


terça-feira, 10 de abril de 2007

 

Uma Pequena Sugestão


Quem nunca foi incomodado à porta de casa, às vezes às horas mais inconvenientes, por testemunhas de Jeová, mórmons e tantos outros vendedores de banha da cobra desse género?

Eis aqui, finalmente, uma pequena sugestão que pode bem ser a receita certa para quem se quiser ver rapidamente livre dessa gente.



domingo, 8 de abril de 2007

 

A Páscoa





quinta-feira, 5 de abril de 2007

 

You're Going To Hell



Entre os inúmeros cultos evangélicos que pululam nos Estados Unidos, e que competem entre si pela suprema honra de serem os mais fanáticos e os mais fundamentalistas na interpretação da Bíblia, destaca-se, sem qualquer sombra de dúvida a «Westboro Baptist Church», liderada por uma personagem absolutamente sinistra de nome Fred Phelps.

No meio das centenas de referências que podem ser encontradas no YouTube, penso que se podem destacar estes dois pequenos filmes, que demonstram bem a mensagem de um enorme ódio, tão feroz como inexplicável, que os fiéis da «Westboro Baptist Church» dirigem literalmente a toda a gente que não professe a sua ideologia.

Estes fiéis intérpretes da mensagem que Jesus Cristo nos deixou na Bíblia, dedicam-se a fazer manifestações de rua por todo o lado, empunhando cartazes muito vistosos e coloridos onde destilam todo o ódio que os caracteriza.
Mas o mais chocante de tudo isto é ver as crianças de tenra idade e os jovens que os acompanham, já todos tão fanatizados e profundamente marcados pela mesma raiva e pelo mesmo ódio, tão grande como o dos seus pais.

Todos dão graças a Deus pelas guerras e pelas grandes desgraças e catástrofes que assolam o mundo, e que interpretam como um castigo divino vindo de um Deus pérfido e vingativo, que vai condenar toda a gente às eternas penas do fogo do Inferno.




Mas, no meio de todo este ódio, o que é mais estranho é que os fiéis seguidores deste diabólico Fred Phelps pensam que encontraram já toda a origem dos males do mundo, que descobriram a causa das catástrofes e das guerras e que sabem por que motivo todos estamos inevitavelmente condenados a passar a eternidade no Inferno: a homossexualidade.

De facto, esta gente possui um ódio tão absolutamente visceral contra os homossexuais e contra todos aqueles que simplesmente não só os aceitam como os «toleram», que a maior parte dos cartazes que exibem pelas ruas dizem «God Hates Fags».

A sua homofobia leva-os mesmo a defender a pena de morte e a execução imediata e sem dó nem piedade de todos os homossexuais do mundo, o que interpretam como um dever sagrado que lhes compete, e como uma inequívoca mensagem e uma lei de Deus.



Mas, no final, o que é mais curioso é que nas inúmeras entrevistas e interpelações de que são alvo, os fiéis seguidores da «Westboro Baptist Church» e do seu virulento chefe (que destila um ódio tão grande e tão profundamente fanático contra tudo o que diga respeito à homossexualidade que, cá para mim, acaba até por ser um bocado suspeito), todos justificam e fundamentam o seu ódio generalizado, a sua profunda raiva a toda a gente, a sua homofobia, a sua intolerância e a sua mensagem de morte, em não mais do que passagens bem precisas e concretas da Bíblia.

Como todos os cristãos, também os seguidores de Fred Phelps consideram a Bíblia como o seu livro sagrado que todos devem respeitar e a que devem obediência, o livro que contém a palavra de Deus por este directamente ditada aos homens, e que todos eles citam de cor com grande orgulho e que, quando são postos em dúvida, não se esquecem de localizar em pequenas passagens e referências com grande e notável precisão.

Resolvi então ir eu próprio verificar se todas estas mensagens de intolerância, de ódio, de condenação perpétua dos impenitentes ao Inferno, e de uma homofobia tão grande que impiedosamente condena à morte todos os homossexuais, fazem parte da palavra e da mensagem que o Deus dos cristãos transmitiu ele próprio directamente aos homens, e se todas elas constam efectivamente da Bíblia.

E, de facto, é verdade: está lá tudo!...


segunda-feira, 2 de abril de 2007

 

O Negócio do Medo



Faz agora duas semanas estive em Espanha, mais exactamente na Galiza.
Como não podia deixar de ser, passei em Santiago de Compostela para visitar a sua famosa catedral.

E a sua fama é mais do que merecida: é, na realidade, uma catedral absolutamente esplendorosa e uma das mais bonitas que já vi.
No seu interior, as curiosas e tradicionais reverências dos fiéis aos ícones que se encontram logo à entrada.
E também a suprema ironia dos símbolos maçónicos inscritos por todo o lado (mesmo até no topo da abóbada central), mas principalmente o inqualificável desplante da quantidade de cruzes e ícones templários que se encontram expostos e que, paradoxalmente, parecem até ter-se transformado na própria imagem de marca e distintiva da catedral.

E foi então que vi um dos espectáculos mais chocantes com que já deparei em toda a minha vida!
Não que nunca antes tivesse visto pessoas ajoelhadas em confessionários a bichanar inconfessáveis segredos a padres escondidos em caixotes de madeira.

Mas desta vez foi diferente. Muito diferente.

Aquele confessionário tinha dois genuflexórios, um de cada lado. Mas ninguém os ocupava.
Passei ali bem perto, e vi que o padre, com os paramentos do costume, tinha aberto totalmente as duas meias portas da sua gaiola, e estava sentado virado para a frente.
Diante dele, ajoelhado directamente no chão estava um homem, talvez dos seus vinte e muitos anos.
Ao contrário do que é costumeiro, o homem confessava-se falando cara a cara com o padre e à vista de toda a gente.

Falava em voz baixa.
O padre olhava-o de cima, meio de soslaio, apoiava o queixo numa mão e abanava a cabeça de vez em quando, como que a dizer que estava a ouvir o homem. Mas era óbvio que não conseguia disfarçar um ar de incontrolável tédio.

Mas o que me chocou foi o homem.
Claro que não lhe consegui ouvir uma palavra.

Mas ali estava aquele homem, ainda jovem, e que ali, à vista de toda a gente, se humilhava conscientemente a si próprio.
Ali estava um homem completamente despojado de qualquer réstia de dignidade, prostrado servilmente de joelhos perante um outro homem.

Gesticulava muito, talvez a tentar explicar melhor o que dizia. Encolhia os ombros e abria muito os braços como que a pedir compreensão.

Mas o que mais me chocou foi aquele ar de súplica canina, aquele espectáculo degradante de quem perdeu todo o respeito por si próprio, de que já nem se apercebe que deixou de ser um homem livre.

Confessava obviamente ao padre algo que tinha feito e de que, certamente, lhe dizia que estava muito arrependido.
E então, arrependido ou não, ali estava aquele homem, transformado agora num ser abjecto, ali de joelhos a reduzir-se a si próprio a não mais do que a um cão servil.

Um homem humilhado, um cobarde incapaz de se confrontar com a sua própria consciência, a implorar humildemente a um mercenário do medo, a um assalariado de uma multinacional de aldrabões, a um tonto palhaço paramentado, que lhe concedesse o especial favor e a imensa graça de um negócio:
Que lhe trocasse a sua liberdade, a sua honra, o respeito por si próprio e tudo o que ainda lhe restava da sua dignidade e consideração, por um perdão em forma de meia dúzia de ladainhas, por uma indulgência, por uma espécie de amnistia que o livrasse do terror das eternas penas do Inferno.

E era precisamente essa troca que aquele homem e aquele padre ali negociavam, despudoradamente e à vista de toda a gente.

Uma coisa é certa:
Nunca entenderei como alguém que se considera, e com um mínimo de honra, de dignidade e de respeito por si próprio, pode dizer de cabeça erguida que professa uma religião.


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