quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

 

Um Bom Ano de 2010



«Um carabineiro com um martelo de madeira dá-me um forte golpe nos dedos mindinhos de ambas as mãos.
«A seguir, com um alicate, começa a arrancar-me as unhas.
«Nesse momento entra o sargento, que lhe tira o alicate para o utilizar a arrancar-me o bigode. Em dada altura, como resultado da grande dor e do desespero, consigo morder-lhe a mão, o que faz com que um carabineiro me dê uma coronhada na cara.
«Perco a consciência e, ao despertar, dou-me conta que sangro muito da cabeça, do nariz, da boca, e que me faltam oito dentes. Tinham-mos arrancado com o alicate ou com golpes. Não sei».

*

«Estava grávida de cinco meses.
«Obrigaram-me a ficar nua e a ter relações sexuais com a promessa de uma pronta libertação.
«Apalparam-me os seios, deram-me choques eléctricos nas costas, na vagina, no ânus.«Arrancaram-me as unhas dos pés e das mãos. Agrediram-me com bastões de plástico e com a coronha de espingardas. Drogaram-me. Simularam fuzilar-me.
«Deitada no chão, com as pernas abertas, introduziram-me ratos e aranhas na vagina e no ânus. Sentia que era mordida e acordava banhada no meu próprio sangue.
«Conduzida a lugares onde era violada vezes sem conta, chegaram a obrigar-me a engolir o sémen dos violadores.
«Enquanto me agrediam na cabeça, no pescoço, na cintura, obrigavam-me a comer excrementos».

*

Entre 35.686 testemunhas, estes são apenas dois depoimentos de vítimas de tortura da Junta Militar do Chile durante o regime de Pinochet que voluntariamente se dirigiram à “Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura”.
Esta comissão foi criada no Chile em 2003 para dar a conhecer em toda a sua extensão, aos chilenos e ao mundo, os horrores praticados pela ditadura militar e pela adopção da tortura e do horror como uma política de Estado no período compreendido entre 1973 e 1990.

*

Um terror absolutamente indescritível foi o rasto deixado ao longo da História pelos Tribunais da Inquisição.

Nem sequer é fácil imaginar as masmorras imundas onde em nome de Deus reinaram durante séculos o ódio e a insensibilidade perante o sofrimento alheio e que mais pareciam «fábricas» com os mais tenebrosos instrumentos que a imaginação humana é capaz de inventar: cadeiras com pregos afiados, ferros incandescentes, pinças, roldanas, pesados blocos de pedra, correntes, garfos enormes, chicotes com pontas de ferro, cordas, machados afiadíssimos, guilhotinas, troncos, máscaras de ferro, forquilhas, garrotes, serrotes, esmagadores de joelhos, de cabeça, de polegares e de seios; cavaletes, e outros utensílios de “trabalho”.

Com a «Roda de Despedaçar» colocava-se o herege de costas sobre uma roda de ferro, sob a qual se colocavam brasas. De seguida, a roda era girada lentamente. A vítima morria depois de longas horas de dor indescritível, com queimaduras do mais alto grau. Não havia pressa para a morte do supliciado. Pelo contrário, havia o cuidado de prolongar ao máximo a sua agonia.

A «Mesa de Evisceração» destinava-se a extrair aos poucos, mecanicamente, as vísceras dos condenados. Após a abertura da região abdominal, as vísceras eram puxadas, uma por uma, por pequenos ganchos presos a uma roldana, girada por um carrasco.

Tentemos por um momento imaginar os rostos pálidos dos torturados.
Muitos imploram para morrer; muitos dizem "peçam-me qualquer coisa e eu farei".
Outros, que passaram para a galeria dos «heróis da fé», enfrentam a dor com resignação. Não passam de cadáveres ambulantes.

Muitos estão na terceira, quarta ou quinta sessão de tortura. Se não resistem, os seus corpos são queimados e as cinzas lançadas algures.

E as suas memórias esquecidas.

Os Inquisidores conhecem bem o limite humano à dor. Quando algum desgraçado, acusado de heresia ou simplesmente de professar a religião errada, chega ao limite do sofrimento, é entregue aos cuidados do médico cirurgião que cuidará de suas feridas e dos ossos quebrados ou deslocados. A alegação é que a tortura não foi concluída, mas suspensa.
Após algumas semanas, são trazidos para novos interrogatórios.
Os que forem condenados à morte na fogueira terão as suas línguas arrancadas para que ninguém ouça as suas últimas "blasfémias", e por elas não fiquem contaminados.

*

Como pode isto acontecer?
Como podem tantos seres humanos, seja em nome de um Deus seja em nome de um líder qualquer, praticar actos desta indescritível barbárie?

*

Stanley Milgram, professor de psicologia social na Universidade de Yale, levou a cabo em 1974 uma experiência com o objectivo de estudar a «Obediência à Autoridade»:

Entre pessoas comuns (operários, estudantes, secretárias, empresários, lojistas, etc.) foram recrutados voluntários a quem foi atribuído o papel de "professores".

Esses “professores” foram instruídos a aplicar choques eléctricos de intensidade crescente (de 15 a 450 Volts) num outro indivíduo (que estava amarrado a uma cadeira com eléctrodos numa sala adjacente), e que era designado "estudante".

Os choques seriam administrados todas as vezes que o "estudante" errava uma resposta a um questionário previamente determinado.

Milgram tinha explicado aos "professores" recrutados que o objecto daquele estudo residia precisamente nos efeitos da punição sobre a memória e sobre aprendizagem.

Como é óbvio, o "professor" não sabia que o "estudante" da pesquisa era afinal um actor, que convincentemente interpretava e manifestava desconforto e dor a cada aumento da potência dos “choques eléctricos” que lhe eram pretensamente infligidos.

O resultado da experiência foi absolutamente perturbador e mais “chocante” que qualquer voltagem aplicada:

- Nada menos do que 65% das pessoas envolvidas – os "professores" – chegaram mesmo, e sem qualquer hesitação, a administrar ao "estudante", sob ordens do cientista (que na experiência representava a “autoridade”) os choques mais potentes, dolorosos (de 450 volts) e claramente identificados como perigosos e... potencialmente mortais!

E todos os "professores" - mas todos eles - administraram pelo menos 300 Volts!
Em muitos casos houve "professores" que a determinada altura da aplicação dos choques eléctricos se preocuparam com o bem-estar do "estudante" e até perguntaram ao cientista quem se responsabilizaria caso algum dano viesse a ocorrer.

Mas quando o cientista os descansou, afiançando-lhes que assumiria toda e qualquer responsabilidade do que acontecesse e os encorajou a continuar, todos os "professores" persistiram na aplicação dos choques com as voltagens mais elevadas, mesmo enquanto ouviam gritos de dor e súplicas dos “estudantes” para que os parassem.

*

Entretanto, foi feita uma experiência laboratorial semelhante, desta vez com macacos-rhesus.

Nessa experiência (sem dúvida absolutamente tenebrosa, diga-se de passagem), os macacos eram colocados em jaulas próprias onde só recebiam alimento se puxassem uma determinada corrente.

Contudo, sempre que puxavam essa corrente era-lhes proporcionada comida, mas simultaneamente era infligido um violento choque eléctrico a outro macaco-rhesus, cujo sofrimento poderiam então observar através de um vidro espelhado.

Passado muito pouco tempo todos os macacos se aperceberam de como tudo funcionava e de que era precisamente o seu gesto de puxar a corrente que, enquanto lhes garantia a comida que pretendiam, era também ao mesmo tempo a causa do sofrimento do outro macaco.

Acontece que logo que faziam essa associação praticamente todos os macacos deixaram de puxar a corrente e preferiam passar fome a fazer sofrer um outro macaco, com quem nem sequer estavam familiarizados e que pertencia até a uma tribo diferente.

Numa ocasião e mesmo ao fim de um longo tempo de fome, os cientistas observaram que, no máximo, somente 13% dos macacos acabavam por puxar a corrente.

Alguns chegaram ao ponto de quase morrer de fome; mas nunca mais puxaram a corrente!

*

É, de facto, perturbadora a comparação entre as duas experiências.

Porque, para já, ela demonstra que as mais básicas noções de ética são conaturais aos indivíduos, mesmo aos animais, ainda que sejam nossos «primos».

Demonstra ainda que essa ética é racional, porquanto decorre de princípios de civilização e de necessidades práticas de convívio social e também de interacção individual.

Demonstra, finalmente, que essa ética, que é racional, prática e civilizacional só cede perante princípios de irracionalidade, sejam de ordem religiosa ou de ordem política e que, quantas vezes mascarados de princípios de ordem “moral”, acabam por ser acatados e aceites por tantas pessoas, que acriticamente lhes passam a obedecer cegamente, pugnando até pela sua imposição aos demais cidadãos.

É esta “obediência”, firmada em primeiro lugar na ausência de uma consciência individual, e que é irracional e cega a qualquer noção de ética e até à mais básica dignidade humana, que leva às barbaridades praticadas pelos Homens.
Seja nas ditaduras latino americanas, na União Soviética, na Alemanha de Hitler, ou noutro país qualquer, até mesmo em Portugal.

Seja em nome de uma ideologia, de uma política ou de uma religião;
Seja em nome de abstrusas concepções de autêntico «relativismo moral» ou da cretinice de considera-ções como a que afirma que não se deve ser «demasiado racionalista».

E que, todas, acabam por conduzir ao Holocausto ou aos Gulags e ao extermínio de milhões de pessoas.
Que conduzem a uma Inquisição tenebrosa ou a um terrorismo frio e sem rosto que torturam e matam em nome de Deus.

As ditaduras podem ser instituídas por uma “Junta Militar”, por uma religião, ou por um qualquer punhado de indivíduos que assumiram num país uma tal concentração de poderes que lhes permite a prática impune de tudo o que lhes vem à ideia.

Mas isso só é possível – sejamos claros – com a inexplicável complacência e com a injustificável tolerância para com os mais imbecis critérios de irracionalidade, que mais não significam do que uma autêntica cumplicidade de toda a estrutura da sociedade.

De todos nós!

De facto, Stanley Milgram repetiu a sua famosa experiência em mais de uma dezena de outros países, de todos os continentes, sempre com resultados absolutamente idênticos.

Do Chile de Pinochet ao Cambodja de Pol Pot, passando pelo Portugal da Pide e dos Tribunais Plenários, será talvez a “obediência”, a "falta de sentido crítico" e a irracionalidade com que acatam determinações políticas ou religiosas, que explicam por que motivo pessoas comuns, colocadas em determinadas circunstâncias e sob a influência de uma autoridade – política, ideológica ou religiosa – que nem sequer se lembram de questionar (e que antes procuram até impor aos outros), sejam capazes de cometer os crimes mais hediondos.

No entanto, ouve-se dizer de alguém que se quer elogiar que é «uma pessoa de muita fé» ou que ao longo da sua vida sempre foi «coerente com os seus princípios», embora nem sequer cuidemos de saber quais foram tais... «princípios».

Mas a partir de que altura da História da Humanidade é que o prestígio e até o bom senso de uma pessoa passou a ser sinónimo ou a ser proporcional à irracionalidade que lhe é atribuída?

É até irónico que virtudes humanas como a lealdade, a solidariedade, o sacrifício próprio, a disciplina ou o amor ao próximo, e que tanto valorizamos, sejam as mesmas propriedades que também criam pessoas homofóbicas, misóginas, racistas ou xenófobas ou que as transformam em autênticas máquinas destrutivas de ódio, de guerra, de corrupção e morte, e ligam homens e mulheres a princípios, ideologias ou religiões repulsivos e perversos.

Ideologias e princípios, quer políticos quer também religiosos que são, ainda hoje, cega, acrítica e incondicionalmente apoiados e irracionalmente seguidos por tantas e tantas pessoas que da forma mais indigna e abjecta nem a si próprias se respeitam.

É pois a este planeta, habitado pelos humanos, que desejo:

- Um bom ano de 2010!


terça-feira, 29 de dezembro de 2009

 

O santo português que matou 36 mil espanhóis



Um artigo de Moisés Espírito Santo no «Jornal de Leiria»:


Falo de Nun’Alvares.
Até há pouco, as mulheres ameaçavam os miúdos com «Olha que eu chamo o Dom Nuno!». Um papão.
Os portugueses só o conhecem porque ele derrotou os espanhóis. Em Aljubarrota foram 36.000, para além dos 7 de que se encarregou a padeira.

Invocou Santa Maria – que só será Mãe dos portugueses e não dos espanhóis - venceu.
Esta mitologia merece tanto crédito como as lendas de feiticeiras; o problema é que, repetida hoje, significa estagnação cultural. Ideologia rústica fora do tempo.

O povo vai venerar um santo só porque ele derrotou os espanhóis. (Ficamos à espera que seja canonizado o régulo Gungunhana que se sacrificou pela independência da sua pátria, Moçambique...).


O Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, lemos isto: «[Nun’Alvares] exigia sempre uma disciplina rigorosa e o exacto cumprimento das suas ordens; se isso não sucedia tornava-se bravo como um leão, chegando a matar os cavalos e a ferir os corpos dos descuidados, se eram pessoas de mais pequena condição».
Entenderam: «se eram pessoas de mais baixa condição».

Cavaco Silva, ao integrar a comissão de honra da canonização, disse que «pode ser um exemplo para os portugueses». Eu diria que exemplos desses já temos de sobra: uma Justiça que condena os pobres e absolve os ricos; os trabalhadores pagam impostos enquanto os políticos e suas famílias acumulam milhões com a corrupção, os banqueiros a apropriarem-se dos dinheiros dos clientes...

Preferia ver o responsável máximo da Nação - que, hoje, é amiga de Espanha - a abster-se desses conluios patriotiqueiros e a apontar os espanhóis como exemplo de civismo, criatividade e empreendedorismo.

Não foi pelas qualidades guerreiras do Condestável que o Vaticano o canonizou. Seria porque, já velho e impotente, se recolheu a um convento onde viveu 8 anos ? (Diz o ditado: «O diabo depois de velho fez-se ermitão»).
Não consta que tivesse dado as suas riquezas aos pobres, como se diz agora. Que se dedicasse a tarefas conventuais, milhões de frades o fizeram.
No entanto, o mesmo historiador que citei diz: «Por baixo do hábito de frade, Nun’ Álvares trazia por vezes vestido o seu arnez de combatente».

Estão a ver? Um belicoso disfarçado de frade.
Foi pelo milagre do salpico de azeite quente que saltou para a vista duma mulher de Ourém e que não a cegou?
Porque foi? E porque só agora? Política vaticana.

A beatificação, em 1918, visou combater as Repúblicas portuguesa e espanhola, liberais. Depois o processo foi p’rá gaveta, por cumplicidade com os fascismos ibéricos.

Agora, como o Condestável foi anti-espanhol, saiu dos arquivos para a actual guerrilha entre a Espanha e o Vaticano (este já não tem mão duma nação que foi a mais católica do Globo).
Primeiro foi a lei sobre o aborto. Depois, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo que levou os bispos espanhóis a saírem à rua em manifestação (coisa nunca vista - para combater uma lei democrática).

Bento XVI até veio a Espanha apoiar os bispos num congresso em favor da «família tradicional».
Hoje há o problema das aulas de Religião e Moral que o governo substituiu por Educação Cívica, e o programa da Memória Histórica sobre a guerra civil a que a Igreja - que foi co-responsável nessa guerra - se opõe («para não abrir feridas», diz ela).

Se isto fosse em países como Inglaterra, Alemanha ou França, laicos ou protestantes de longa data, passons como dizem os franceses.
Vindo de Espanha que foi a católica por excelência, no pasaran como diriam os bispos espanhóis. E passaram.
Então... «Tomem lá com o Condestável português que vos derrotou!» (Sendo eles como são, faz-lhes tanta mossa como mostrar-lhes um espantalho).

Esta canonização é a reprodução da de Santa Joana d’Arc, rapariga francesa que derrotou os ingleses invasores da França, em Orléans (1429); mas foi entregue traiçoeiramente aos ingleses que a condenaram à fogueira por heresia (1431).
Só foi beatificada em 1909 e canonizada em 1920, uma época de fundamentalismo católico... contra a Inglaterra protestante.

E, com este costume medieval de inventar santos e de os pôr a fazer política, é a imagem do Vaticano que fica muito aquém das culturas da modernidade.


domingo, 27 de dezembro de 2009

 

Carta ao Cardeal



Exmo. Senhor
Prof. Dr. José da Cruz Policarpo
Cardeal Patriarca de Lisboa


Excelência:

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) vem junto de V. Ex.ª condenar a escalada da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) contra as liberdades entre as quais se conta o direito à crença (a qualquer crença), à descrença e mesmo à anti-crença. Nós, ateus, defendemos a liberdade religiosa na qual se inclui o direito à descrença.

Recordamos que em 2008, no dia 13 de Maio, o senhor cardeal Saraiva Martins, então angariador de milagres e criador de beatos e santos, presidiu em Fátima à «peregrinação contra o ateísmo na Europa». Podia ter sido a favor da fé mas entendeu a ICAR, no seu fervor belicista, dedicar o evento «contra o ateísmo» e V. Ex.ª, Sr. Cardeal, considerou o ateísmo o «maior drama da humanidade», esquecendo a fome, as doenças, as guerras, as religiões e o terrorismo religioso, por exemplo.

A AAP sabe que a Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa no Concílio Vaticano II mas, apesar de ser recente a conformação com um direito inalienável, julgávamos que já o tinha assimilado na sua praxis. Pelo contrário, a convivência com o pluralismo e as liberdades individuais parece ser uma dificuldade inultrapassável para a ICAR e para os seus prelados.

Em 2009, entre vários ataques de diversos bispos ao ateísmo, recordamos o do Sr. bispo Carlos Azevedo, contra a AAP e o seu presidente, em 2 de Junho, no Correio da Manhã. Escusado será dizer que não nos foi permitida a defesa, apesar de reiteradamente solicitada, e os ataques parecem ser uma tentativa desesperada de fazerem da AAP o bode expiatório de uma Igreja de onde desertam os padres e fogem os crentes.

Deixamos agora de parte a cruzada violenta contra os casamento homossexuais quando seria fácil aconselhar os adversários a não se casarem com pessoas do mesmo sexo.

Usando poderosos meios de propaganda e a complacência da televisão pública para com a ICAR, pôde o Sr. Cardeal difundir a sua Mensagem de Natal e divulgar a homilia da missa de Natal em que não se coibiu de atacar os «inimigos», assim considerados todos os que não partilham as suas crenças.

Foi com pesar que a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) tomou conhecimento da veemência com que na referida homilia arremeteu contra os agnósticos e, sobretudo, contra os ateus, como se ser ateu ou agnóstico mereça censura, sobretudo de um cardeal.

A AAP revê-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição da República Portuguesa e, defendendo a liberdade sem privilégios, assegura a V. Ex.ª que defenderá qualquer religião que, eventualmente, venha a ser perseguida por religiões rivais ou por algum Estado ateu que possa surgir, tão perverso como os confessionais.
Apesar das profundas divergências que nos separam, pensando nós, ateus, que foram os homens que criaram Deus e V. Ex.ª o contrário, asseguramos-lhe que defenderemos a liberdade, a democracia, o livre-pensamento e a ciência, contra o obscurantismo, a mentira, o medo e o pensamento único. Seremos contra a xenofobia, o racismo, o anti-semitismo e qualquer forma de violência ou de discriminação por questões de raça, religião, nacionalidade ou sexo.

Se V. Ex.ª partilhar algum ou alguns dos nossos pressupostos éticos ou filosóficos pode contar com a nossa solidariedade. Mas, ainda que não partilhe, julgamos tão respeitáveis as nossas convicções como as de V. Ex.ª e deploramos o teor da homilia proferida na missa de Natal na Sé de Lisboa no que se refere aos ateus e agnósticos.

Apresentamos-lhe as nossas cordiais saudações,

P'la Direcção
(Carlos Esperança)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

 

A Mitologia do Natal



Estando noiva de José, e antes ainda de com ele ter coabitado, Maria apareceu grávida por acção do Espírito Santo.
Quando José se preparava para a repudiar, apareceu-lhe em sonhos um "anjo do Senhor" que lhe ordenou que recebesse Maria em sua casa e que aceitasse o filho que ela carregava como obra do Espírito Santo.

Quando a criança nasceu, e tal como o anjo lhe havia ordenado, pôs-lhe o nome de Jesus.

Todas as culturas antigas, sem excepção, tinham um horror profundo e visceral à esterilidade. O que é absolutamente compreensível, face à óbvia conexão entre a própria sobrevivência da tribo ou de uma determinada sociedade e o seu fortalecimento face aos povos vizinhos e rivais, por exemplo, em disputas territoriais.

Não é, por isso, de estranhar que desde a sua origem todos os cultos religiosos revelem nas suas mitologias e iconografias não só esse temor, como muito principalmente uma óbvia preocupação pela fecundidade.
De tal forma que nas mais remotas manifestações de religiosidade o lugar de Deus foi ocupado por uma mulher.
Só muito mais tarde a mulher foi relegada para um papel de mãe, esposa ou amante do Deus, sempre com a responsabilidade da renovação e da reprodução, mas também obviamente virgem, como convém a toda a terra que vai receber uma nova semente e de quem se espera a máxima fecundidade.

Por isso, também, só de uma divindade é possível esperar o dom da fecundidade, principalmente quando se trata de uma mulher estéril que acaba por dar à luz, um milagre que obviamente só está ao alcance de Deus.

Ao mesmo tempo, constitui prova inequívoca da proximidade de um homem a Deus o facto de ter nascido do milagre da concepção de uma mulher virgem.
Assim, vemos que essa associação entre uma concepção milagrosa e a deificação do filho nascido de um fenómeno que só está ao alcance de Deus (sempre após uma história mais ou menos fantasiosa de uma «anunciação» feita por um anjo ou qualquer outra entidade celestial, seja ao vivo ou em sonhos), é afinal perfeitamente vulgar e recorrente em todos os cultos religiosos da antiguidade e, curiosamente, nas mais distantes regiões do planeta.

Aparecem então como filhos de mães virgens tanto Deuses como grandes personagens, como os imperadores Chin-Nung, da China, ou Sotoktais do Japão, ou como os Deuses Stanta, na Irlanda, Quetzalcoatl do México, Vixnu da Índia, Apolónio de Tiana da Grécia, Zaratustra da Pérsia, Thot do Egipto, ou como Buda, Krishna, Confúcio, Lao Tsé, etc., etc.

O mito vai mesmo ao ponto de Gengis Cã ter um belo dia determinado que também ele era filho de uma mulher virgem, para se deificar aos olhos do seu povo e dos povos que ia conquistando, e para se fazer obedecer e respeitar cegamente como um Deus pelas suas tropas.

Entre os mais famosos homens filhos de mulheres virgens está, como é sabido, Jesus Cristo.

É também muito curiosa a mitologia comum relacionada com o nascimento destas personagens deificadas pelo seu nascimento de mulheres virgens, como sejam a existência de estrelas ou sinais celestes que os anunciam ou comemoram: uma milagrosa luz celeste anunciou a concepção de Buda, um meteoro o nascimento de Krishna, uma estrela o nascimento de Hórus e uma «estrela no Oriente» o nascimento de Jesus Cristo, embora somente o evangelho de Mateus se lhe refira, sendo pacificamente aceite que não mais do que para corporizar ou fazer concretizar (quase um século depois da morte de Jesus Cristo) profecias messiânicas do Antigo Testamento.

Ao mesmo tempo, é também absolutamente natural que faça parte dos cultos de fecundidade a adoração de Deuses relacionados com o ciclo solar e com a renovação anual das estações do ano e, com estas, as colheitas ou a produção de gado, com especial incidência e manifestação em festas, mitos, cerimónias e ritos religiosos comemorativos, realizados normalmente nos Solstícios, preferencialmente no Solstício de Inverno.

A corporização mais comum destes Deuses de renovação e de fecundidade é feita em relação ao Sol, símbolo perfeito da sucessão regular e infalível dos dias e das estações do ano, quer seja adorado como um Deus em si, e em praticamente todas as civilizações conhecidas, das Américas Central e do Sul, ao Egipto, passando pela Suméria ou Mesopotâmia, quer também através de outros Deuses «solares», como o Deus-faraó egípcio Amenófis IV, que reinstalou o culto de Áton (Sol) e mudou mesmo o seu nome para Aquenáton, ou como Deuses que resultam da antropomorfização do Sol, como os Deuses Hórus, Mazda, Mitra, Adónis, Dionísio, Krishna, etc.

Destes Deuses, um merece especial referência: Mitra.
Mitra é um dos principais Deuses iranianos (anteriores a Zaratustra), simbolizado com uma cabeça de Leão (representação típica dos Deuses solares) e conhecem-se manifestações do seu culto já com mais de mil anos antes do nascimento de Cristo.
Mais tarde os romanos adoptaram o seu culto e incluíram-no mesmo no seu panteão.

Enquanto divindade, as funções de Mitra eram carregar com a iniquidade e os males da Humanidade e expiar os pecados dos homens.
Mitra era também visto como meio de distinção entre o bem (Ormuzd) e o mal (Ahriman), como fonte de luz e sabedoria e estava ainda encarregue de manter a harmonia no mundo e de proteger todos os homens.

A mitologia do Deus Mitra tinha-o como um «enviado», ou um Messias, que voltaria ao mundo para julgar toda a humanidade.
Sem ser o Sol propriamente dito, Mitra era tido como seu representante, sendo invocado como o próprio Sol nas cerimónias do seu culto, onde era tido como espiritualmente presente no interior de uma custódia, por isso colocada em lugar de especial destaque.

Todos os Deuses solares depois de expiarem os pecados dos homens acabam por morrer de morte violenta, acabando depois por ressuscitar ao fim de três dias e de ascender aos Céus ou ao Paraíso.

Hórus morre em luta com o mal, corporizado no seu irmão Seth (identificado com Satanás), que o coloca num túmulo escavado numa rocha, ressuscitando ao fim de três dias para subir ao Paraíso.
O Deus hindu Xiva sacrifica-se pela humanidade, e morre ao ingerir uma bebida corrosiva que causaria a destruição e a morte de todo o mundo, acabando também por ressuscitar ao fim de três dias.
O Deus Baco foi também assassinado, tendo ressuscitado três dias depois, através dos seus pedaços recolhidos por sua mãe.
O mesmo acontecia aos Deuses Ausónio, Adónis ou Átis, que morriam para salvar os homens ou expiar os seus pecados e acabavam por ressuscitar ao fim de três dias.
E todos eles a 25 de Dezembro.

Uma vez mais, um dos mais famosos «ressuscitados» é Jesus Cristo, embora este tenha ressuscitado em metade do tempo dos restantes Deuses, talvez somente um dia e meio depois, embora a sua mitologia continue a mencionar os três dias.

Ou seja: a figura de Jesus Cristo, e toda a religião e mitologia cristã, foram construídos com base num modelo pagão dos deuses solares que então se conheciam.
A própria escolha da data de 25 de Dezembro para comemoração do nascimento de Jesus Cristo é disso um inequívoco exemplo.

Aliás, esse dia 25 de Dezembro (o dia das festividades dos Deuses Mitra, Baal e Baco) só foi adoptado pela Igreja Católica já no século IV, por decisão do Papa Libério, com o óbvio objectivo de “cristianizar” os cultos solares, então ainda muito populares e difundidos e de os fazer confundir e “absorver” pelos próprios ritos cristãos, dada até a proximidade com a data do Solstício de Inverno – data da “morte” do Sol no horizonte – e a data em que o Sol “ressuscita” e se eleva novamente horizonte três dias depois, exactamente no dia 25 de Dezembro.

Merece especial referência o facto de todos esses Deuses solares serem representados fisicamente com a cabeça rodeada de um disco ou uma auréola amarela, como ainda hoje acontece com os Deuses e até com os santos católicos.
Aliás os próprios imperadores romanos que governaram no auge do culto destes deuses solares faziam-se representar devidamente aureolados, por exemplo nas moedas que mandavam cunhar.

O imperador Constantino, a quem se deve a criação da Igreja Católica Apostólica Romana (e que nunca se converteu ao cristianismo, antes o tendo adoptado como religião oficial do império, sem nunca proibir as restantes, para melhor o unificar), mandava realizar regularmente sacrifícios em honra do Sol e as moedas que mandou cunhar continham a inscrição «Soli Invicto Comiti, Augusti Nostri».

Não obstante a oficialização do cristianismo no seu império, Constantino manteve a obrigatoriedade de as suas tropas rezarem e prestarem culto ao Deus Sol todos os Domingos, isto é, «O Dia do Sol».
Também neste dia do Sol se pode ver a óbvia influência destes cultos na formação dos ritos católicos, com a mudança do «Sétimo Dia» ou «Dia do Senhor» bíblico do Sábado para o Domingo, uma vez mais com o objectivo de fazer “absorver” as festividades e os ritos solares, nem que para isso se tenha tido de “aldrabar” a própria redacção de um dos mandamentos trazidos por Moisés do cimo da montanha.

Como se não bastasse a óbvia coincidência ritualística dos cultos solares com os cultos cristãos, como a morte violenta e ressurreição três dias depois, da presença física do Deus na custódia, no nascimento de uma mulher virgem, do «Dia do Senhor» como «Dia do Sol» (Sunday, em inglês), da auréola solar a coroar as divindades, da designação e da forma radiada do chapéu dos bispos católicos, ou «mitra», é precisamente com este Deus Mitra que se dá o mais curioso aproveitamento dos ritos e cultos solares por parte da Igreja Católica.

De facto, segundo a sua mitologia, muito popular por volta de 1.000 a.C., Mitra nasceu de uma virgem; nasceu no dia 25 de Dezembro; nasceu numa cova ou numa gruta; foi adorado por pastores; foi adorado por três magos ou sábios 12 dias depois do seu nascimento, a 6 de Janeiro, que interpretaram o aparecimento de uma estrela no céu como anúncio do seu nascimento, pregou incansavelmente entre os homens a sua mensagem de bem por oposição ao mal; fez milagres para gáudio dos que o seguiam; foi perseguido; foi morto; ressuscitou ao terceiro dia; o rito central do seu culto passava pela distribuição de pão e vinho entre os iniciados presentes, numa forma de eucaristia de composição e fórmula em tudo idênticas à que a Igreja Católica viria a adoptar.

Já na mitologia de Hórus, que teve o seu auge cerca de 2.000 aC., se passa exactamente mesma coisa. Hórus é filho de Osiris e de Isis, a sua mãe virgem que engravidou de um espírito com a forma de um falcão, com a curiosidade ainda de ter um pai terreno com a profissão de carpinteiro. Também foi traído, torturado e morto, ressuscitando ao terceiro dia, o mesmo dia 25 de Dezembro.

Em suma:

Independentemente da bebedeira consumista que se apodera das pessoas, o que actualmente se comemora como o nascimento de Deus, na forma de «Deus Filho», ou de «Menino Jesus» (como se sabe, um dos Deuses da Mitologia cristã), não é mais do que a apropriação de um culto pagão, de um «Deus Solar», como tantos houve durante a História dos Homens.

Para um católico, dir-me-ão, este aproveitamento ritualístico será irrelevante, na medida em que o seu significado mítico ou simbólico, qualquer que seja a forma ou a data em que se realiza, continuará sempre a ser (actualmente) o nascimento de Jesus Cristo, como referi um dos (muitos) Deuses da mitologia cristã.
É certo.
Mas é também certo que esta apropriação existiu de facto, e o seu significado como fenómeno antropológico não pode ser ignorado.
Como também não pode ser ignorado, ainda assim, o manifesto significado simbólico, mítico e até místico dessa mesma apropriação.

Até por que uma coisa mais terá de ser realçada, essa sim, talvez a que contenha uma maior valoração simbólica deste aproveitamento e apropriação ritualísticos:
- É que, como não podia deixar de ser, toda esta transformação e apropriação foram feitas sob a égide de um Papa, mais exactamente do Papa Libério (352-366) e sob a força legislativa e fortemente repressiva do Imperador Constâncio II que, com mão de ferro e com uma ferocidade inaudita e que ficou na História, as impôs pela força das armas.

E assim, uma vez mais, vemos que também o ritualismo desta nova mitologia cristã, mesmo esta que se refere ao próprio nascimento do seu Deus, deste «Menino Jesus» deitado nas palhinhas, uma vez mais teve de ser impiedosamente imposta aos Homens pela força.

Obviamente depois do conveniente e costumeiro... banho de sangue...


quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

 

Comunicado



COMUNICADO
À COMUNICAÇÃO SOCIAL

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP), na defesa da laicidade e da separação Igreja/Estado, rejeita as manobras do episcopado católico para impor a sua doutrina sobre o casamento a todos os portugueses.

Na sequência da recente aprovação da proposta de lei que permite a realização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, pelo Conselho de Ministros, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que, já no período eleitoral, advertiu os católicos para o dever de não votarem em partidos que defendessem posições contrárias às da Igreja católica, reincide na mobilização das suas estruturas para pressionarem os Órgãos de Soberania na defesa de um referendo, na esperança de inviabilizar a igualdade dos cidadãos perante a lei, em função da sua orientação sexual.

Entendendo a AAP que os direitos individuais não são referendáveis e que a Assembleia da República tem inteira legitimidade para legislar sobre o casamento civil, repudia o comportamento abusivo da ICAR do mesmo modo que repudiaria o da Assembleia da República se pretendesse legislar sobre o casamento religioso.

A AAP censura e repudia a lamentável tentativa da CEP de condicionar os órgãos de soberania para impor os seus valores a quem não se revê na sua moral nem nos seus exemplos.
O bispo Sr. Jorge Ortiga, presidente da CEP, numa intolerável pressão sobre o Governo, afirmou: "Verificamos que o Governo, se sente autorizado pela autoridade popular de alguns portugueses, a fazer aquilo que quer e lhe apetece sem diálogo, sem ouvir, sem levantar as questões", o que é falso, por ter sido o casamento entre pessoas do mesmo sexo discutido na campanha das últimas eleições legislativas e constituir, aliás, compromisso eleitoral do programa do Governo.
A Associação Ateísta Portuguesa nega ao clero católico a experiência e o exclusivo da autoridade em questões de casamento e, reafirmando a defesa do casamento civil e a legitimidade da Assembleia da República em melhorar o regime jurídico dos casais homossexuais, denuncia a coacção que a Igreja católica pretende exercer sobre quem tem o direito e a obrigação de legislar e repudia a vocação totalitária para impor os seus preconceitos, não apenas aos seus crentes, mas a todos os portugueses.

Em nome da laicidade e da separação Igreja/Estado, a Associação Ateísta Portuguesa repudia as manobras do episcopado católico para impor a sua doutrina sobre o casamento a todos os portugueses.


Carlos Esperança
(Presidente da Direcção)


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

 

Mocho






segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

 

Recordar Aristóteles



«Num momento em que o país inteiro discute o seu principal problema… os casamentos gay», como ele diz, no «31 da Armada» o Tiago Moreira de Sá lá terá pensado que descobriu um argumento tão novo como genial e decidiu que valia a pena recordar Aristóteles:
«A maior das desigualdades é tratar de modo igual o que é diferente».

Não sei o que aquela malta lá do 31 vai pensar de um texto que para bramir contra o acesso dos homossexuais ao casamento civil não faz melhor do que recorrer a uma citação de um… homossexual.

O que o Tiago Moreira de Sá se esquece é que se o princípio da igualdade é também tratar de forma diferente aquilo que é diferente, isso só é verdade se for enunciado numa formulação positiva. De facto, não repugna conceder um benefício fiscal a um cidadão deficiente ou um subsídio de desemprego a quem está desempregado.

Porque tratar de forma diferente o que é diferente, se é feito numa formulação negativa não é o princípio da igualdade; é o princípio… da diferença!

Tratar de forma diferente quem é diferente, isso é fácil e toda a gente consegue.
O que nem toda a gente consegue é, de facto, tratar de forma igual quem é diferente.
E é para isso precisamente que serve e é isso que significa o «princípio da igualdade»!
E é precisamente por isso que se trata de um princípio que merece a dignidade de consagração constitucional.

Mas, enfim, citação por citação, aqui deixo a citação de alguém que partilhava desta interessante ideia do Tiago Moreira de Sá de que nem todos os seres humanos são dignos de aceder aos direitos que simples contratos de direito civil proporcionam aos cidadãos.

Trata-se do juiz norte-americano que em 1967 condenou Mildred e Richard Loving pelo «crime de casamento inter-racial», e que numa sentença que ficará para sempre na História como uma das maiores cretinices que podem alguma vez ser proferidas por um ser humano (passe a expressão), disse mais ou menos assim:

«Permitir o casamento entre pessoas de raças diferentes significaria necessariamente a degradação do casamento convencional, uma instituição que merece admiração em vez de execração»

«Deus todo-poderoso criou as raças branca, negra, amarela, malaia e vermelha e colocou-as em continentes diferentes. E se não tivéssemos interferido com esta disposição nem sequer estaríamos agora a falar de casamento entre pessoas de raças diferentes.
«O facto de ter separado as raças demonstra bem que Deus não queria que as raças se misturassem».


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

 

Habituem-se!



O Conselho de Ministros aprovou hoje a proposta de lei de legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Já em Janeiro de 2010 a Assembleia da República deverá discutir esta proposta de lei do Governo e os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista "Os Verdes".

Foi, de facto, um dia histórico para a Democracia e para o cumprimento do Estado de Direito em Portugal.

Contra a inqualificável aberração de quem afinal reconhece a discriminação dos homossexuais no acesso ao bem jurídico do casamento civil mas, ainda assim, persiste numa discriminação pequenina e mesquinha de lhe querer mudar o nome porque acha que há cidadãos que não são dignos de utilizar sequer uma mera designação semântica.
Contra a absurda falta de ética de quem pretende referendar direitos fundamentais de minorias reconhecidamente discriminadas por razões identitárias.
Contra aqueles que invocam a democracia para propor referendos mas despudoradamente a amesquinham no desprezo pela democracia representativa e na legitimidade política de quem submeteu ao sufrágio programas eleitorais bem precisos e concretos e que, por isso, pura e simplesmente têm de ser honrados.

Portugal deu um passo gigantesco no sentido da modernidade, do humanismo, da civilidade e da ética.

Contra homofobias mais ou menos disfarçadas e mais ou menos assumidas, o que é facto é que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é já uma realidade bem próxima.

Habituem-se!


domingo, 13 de dezembro de 2009

 

A medicina tradicional chinesa



Este verão estive de férias na China.
Em Pequim, uma cidade fantástica, tantas coisas visitei que, quando dei por ela, o guia tinha-nos levado a um edifício de construção de estilo austero, tipo soviético, onde funcionava uma farmácia e um centro médico de «medicina tradicional chinesa».

Ainda mal estava habituado à ideia de ali estar, já me tinham sentado a uma pequena secretária onde me mandaram esperar pelo “professor”. Daí a bocado, apareceu um sujeito de bata branca, com um ar meio de cientista meio rural, que me colocou três dedos na parte interior de um pulso e assim esteve um bocado a “auscultar-me”. Repetiu a dose no outro pulso e pediu-me para deitar a língua de fora.

E pronto, estava o diagnóstico feito: com uma clarividência notável o tal professor disse-me que o que eu precisava era de perder peso e que devia ter cuidado com a tensão arterial e com a diabetes.
Logo ali rapou de um livrinho e passou-me uma receita de umas coisas que escreveu em caracteres chineses, mas que logo me explicaram me custariam mais de 700 euros, e isto só para os primeiros 3 meses de tratamento.

Fingi-me interessado, disse que esperava pela “consulta” ao resto da malta da excursão, e logo que apanhei uma aberta pirei-me dali para fora.
Presumo que a esta hora já não devam estar a contar muito comigo para comprar aquelas babujes…

O que é curioso é a quantidade de pessoas que de repente parece que perderam o tino e começaram a “acreditar” nessa coisa abstrusa a que se convencionou chamar «medicina tradicional chinesa».

O que é mais curioso ainda é que o que parece dar credibilidade a esta porcaria é a mágica conjugação destas três palavras: «medicina», «tradicional» e «chinesa».
E o argumento recorrente é sempre este: uma coisa que é praticada na China há 4 ou 5 mil anos alguma credibilidade deve merecer.

Mas esta gente não percebe que a única coisa que pode dar credibilidade a uma prática médica é o seu escrutínio e a sua mais rigorosa análise científica?
Será que esta gente não percebe que pretender atribuir seriedade a uma determinada «medicina», dizendo que esta tem origem na Idade do Cobre, em vez de a credibilizar, isso só a descredibiliza?

Pode bem ser uma prática milenar isto de fazer um diagnóstico médico pondo três dedos no pulso de um paciente. Mas, milenar ou não, ela é antes de mais uma prática absolutamente ridícula de tal forma ela é desligada de qualquer seriedade.

O mesmo se diga dos milhares de pós e ervas que ali vi à venda aos mais variados preços, em gavetinnhas de madeira muito bem organizadas.
A credibilização destes pós e mezinhas vem, mais uma vez, não mais do que do facto de serem «tradicionais» e já serem utilizados por povos primitivos.
E o argumento recorrente é também o que de muitos medicamentos das modernas indústrias farmacêuticas provêm de plantas.

Sim, é verdade: o quinino, por exemplo, provém da casca da Cinchona e deve-se até à observação das práticas médicas, ao que parece dos incas; o ácido acetilsalicílico da Aspirina provém da casca do salgueiro e era já conhecido de Hipócrates no século V a.C.

Mas é precisamente aí que reside o ponto: o que credibiliza a utilização destes produtos não é o facto de alguém ter observado que eram utilizados por povos primitivos; o que os credibiliza é que utilização primitiva não foi mais do que o ponto de partida para o seu escrutínio científico.
O que os credibilizou foi precisamente o resultado desse escrutínio científico e não o mero facto de serem tradicionais ou de serem utilizados há muito tempo.

Ora, e o que é verdade, é que ali mesmo naquela espécie de «consultório médico» chinês de Pequim as pessoas e os «médicos» que ali trabalhavam foram os primeiros a dizer – com uma honestidade notável, há que reconhecê-lo – que nenhuma daquelas práticas ou medicamentos tradicionais tinha alguma vez sofrido qualquer tipo de escrutínio científico, e que não eram mais do que isso mesmo: tradicionais.

Pois é:
Que as pessoas tenham fé, ainda compreendo.
Mas o que nunca entenderei é como é que tantas pessoas recorrem a essa mesma fé para brincar com a sua própria saúde.
E tantas vezes com a saúde dos seus filhos.


terça-feira, 8 de dezembro de 2009

 

Citação do Dia [6]





«Com ou sem religião teremos sempre boas pessoas a fazer coisas boas e más pessoas a fazer coisas más. Mas para termos boas pessoas a fazer coisas más, para isso é preciso uma religião».

- Steven Weinberg


domingo, 6 de dezembro de 2009

 

As Falsas Escutas



De repente ouvimos que está a correr por essa Internet fora a transcrição de umas pretensas escutas de conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara.

Incrivelmente o fenómeno espalhou-se como pólvora e mereceu a atenção de jornais e televisões.
Mereceu até honras de primeira página do «Correio da Manhã» que em subtítulo diz assim:
«Falsas escutas a Sócrates já circulam na internet».

Eis uma afirmação bem típica deste jornal e deste tipo de jornalismo: esta referência a que as escutas «circulam na internet» e até a um «já circulam» apela a uma espécie de conspiração de alguém que «as faz circular», com dignidade e seriedade bastantes para merecerem uma referência numa primeira página.

Os comentários nos Blogs e nas notícias dos jornais ainda são mais curiosos, vendo-se afirmações como «será que as escutas são mesmo falsas?» ou «cá temos mais uma conspiração para nos distrair das verdadeiras escutas» ou ainda «tudo isto é inventado pelo PS» e «não há fumo sem fogo».

Só quem anda muito distraído não vê que as transcrições são até ridiculamente falsas e que não passam de uma brincadeira bloguística e de uma caricatura, uma espécie de “cartoon”, só que não em desenho mas em texto.

O que é incrível é a repercussão que as pretensas transcrições tiveram e a atenção que mereceram de toda a comunicação social.
Mas o mais incrível é a quantidade de pessoas que aparentemente paparam uma coisa visivelmente caricatural e ridícula e que à primeira vista se via que não passava de uma brincadeira.

E é bem feito:
Talvez esta história sirva ao menos para demonstrar como os portugueses afinal acreditam e embarcam nas primeiras baboseiras que lhes põem à frente.

Para demonstrar como as fugas ao segredo de justiça, provindas até das autoridades judiciárias, se tornaram quotidianas e corriqueiras e, mais do que isso, já expectáveis.

E ainda para demonstrar que até as brincadeiras mais ridículas acabam por merecer a atenção do tipo de jornalismo a que os portugueses nos últimos tempos estão pelos vistos condenados.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

 

Até os bichinhos…





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