domingo, 27 de dezembro de 2009
Carta ao Cardeal
Exmo. Senhor
Prof. Dr. José da Cruz Policarpo
Cardeal Patriarca de Lisboa
Excelência:
A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) vem junto de V. Ex.ª condenar a escalada da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) contra as liberdades entre as quais se conta o direito à crença (a qualquer crença), à descrença e mesmo à anti-crença. Nós, ateus, defendemos a liberdade religiosa na qual se inclui o direito à descrença.
Recordamos que em 2008, no dia 13 de Maio, o senhor cardeal Saraiva Martins, então angariador de milagres e criador de beatos e santos, presidiu em Fátima à «peregrinação contra o ateísmo na Europa». Podia ter sido a favor da fé mas entendeu a ICAR, no seu fervor belicista, dedicar o evento «contra o ateísmo» e V. Ex.ª, Sr. Cardeal, considerou o ateísmo o «maior drama da humanidade», esquecendo a fome, as doenças, as guerras, as religiões e o terrorismo religioso, por exemplo.
A AAP sabe que a Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa no Concílio Vaticano II mas, apesar de ser recente a conformação com um direito inalienável, julgávamos que já o tinha assimilado na sua praxis. Pelo contrário, a convivência com o pluralismo e as liberdades individuais parece ser uma dificuldade inultrapassável para a ICAR e para os seus prelados.
Em 2009, entre vários ataques de diversos bispos ao ateísmo, recordamos o do Sr. bispo Carlos Azevedo, contra a AAP e o seu presidente, em 2 de Junho, no Correio da Manhã. Escusado será dizer que não nos foi permitida a defesa, apesar de reiteradamente solicitada, e os ataques parecem ser uma tentativa desesperada de fazerem da AAP o bode expiatório de uma Igreja de onde desertam os padres e fogem os crentes.
Deixamos agora de parte a cruzada violenta contra os casamento homossexuais quando seria fácil aconselhar os adversários a não se casarem com pessoas do mesmo sexo.
Usando poderosos meios de propaganda e a complacência da televisão pública para com a ICAR, pôde o Sr. Cardeal difundir a sua Mensagem de Natal e divulgar a homilia da missa de Natal em que não se coibiu de atacar os «inimigos», assim considerados todos os que não partilham as suas crenças.
Foi com pesar que a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) tomou conhecimento da veemência com que na referida homilia arremeteu contra os agnósticos e, sobretudo, contra os ateus, como se ser ateu ou agnóstico mereça censura, sobretudo de um cardeal.
A AAP revê-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Constituição da República Portuguesa e, defendendo a liberdade sem privilégios, assegura a V. Ex.ª que defenderá qualquer religião que, eventualmente, venha a ser perseguida por religiões rivais ou por algum Estado ateu que possa surgir, tão perverso como os confessionais.
Apesar das profundas divergências que nos separam, pensando nós, ateus, que foram os homens que criaram Deus e V. Ex.ª o contrário, asseguramos-lhe que defenderemos a liberdade, a democracia, o livre-pensamento e a ciência, contra o obscurantismo, a mentira, o medo e o pensamento único. Seremos contra a xenofobia, o racismo, o anti-semitismo e qualquer forma de violência ou de discriminação por questões de raça, religião, nacionalidade ou sexo.
Se V. Ex.ª partilhar algum ou alguns dos nossos pressupostos éticos ou filosóficos pode contar com a nossa solidariedade. Mas, ainda que não partilhe, julgamos tão respeitáveis as nossas convicções como as de V. Ex.ª e deploramos o teor da homilia proferida na missa de Natal na Sé de Lisboa no que se refere aos ateus e agnósticos.
Apresentamos-lhe as nossas cordiais saudações,
P'la Direcção
(Carlos Esperança)