segunda-feira, 29 de setembro de 2008

 

Três artigos…


…no «Jornal de Notícias» de hoje:





- «Homossexuais sem alternativa» - de Clara Vasconcelos


- «Uniões de facto mas não de direito» - de Clara Vasconcelos


- «Gays pedem ao Vaticano fim da Homofobia» - de Nuno Miguel Ropio


 

Casamento, argumentos e tretas



Um artigo de Pedro Múrias no «Público» de ontem (link para assinantes):


«É preciso puxar pela imaginação para encontrar um efeito negativo da abertura do casamento aos homossexuais».


«Bem vistas as coisas, só há um argumento a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O casamento é a oficialização voluntária de uma vida em comum. Se duas pessoas do mesmo sexo querem oficializar a sua comunhão de vida - comunhão de mesa, leito e habitação, como se diz - então devem casar.
E negar-lho seria negar a cidadania, que passa pela oficialização do que cabe oficializar, ou seria negar que aquele projecto de comunhão de vida fosse um projecto de comunhão de vida...

De resto, os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo só têm de preocupar-se em rebater os argumentos contrários. Em contrário, todavia, também só há um argumento. É o argumento de que as regras do casamento são regras centrais da vida social e de que há o "perigo" de que uma alteração como esta tenha "consequências imprevistas".
Tal "prudência conservadora" tem, contudo, o defeito de conduzir à completa inércia social, se levada a sério.
Na verdade, é preciso puxar muito pela imaginação para encontrar algum possível efeito negativo da abertura do casamento aos homossexuais. Mas não deve faltar quem consiga, pois ainda há poucos dias se sugeria num jornal nacional - sem rir - que a facilitação do divórcio faria aumentar a criminalidade violenta...

Contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo não há, pois, argumentos. O que há é muita treta, para usar o termo que se elevou ao léxico da filosofia pela pena de Harry Frankfurt.

Podemos ler a cada dia treta atrás de treta contra a igualdade no acesso ao casamento.
A mais comum é a treta da poligamia. "Se as coisas são assim tão simples", diz quem não simpatiza com homossexuais, "por que não hei-de eu poder casar com cinco pessoas?"
Não há nada que responder a isto, que é desconversar. Todos conhecem bem ou deviam conhecer as razões contra a poligamia, que levaram países de maioria muçulmana como a Tunísia ou a Turquia a proibi-la e que não têm nada que ver com o casamento entre homossexuais.

A intenção da treta não é discutir razões, é mudar de conversa, fazer ruído, a ver se a confusão nos deixa na mesma.

Outra treta popular contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo é a de que o casamento é anterior ao Estado" e, portanto, o Estado não poderia "alterar as suas regras". Esta linda treta é polivalente: vale contra o casamento civil, para quem ainda estiver no séc. XIX, contra o divórcio, contra a despenalização da bigamia e contra todas as alterações importantes ao direito matrimonial.
E é um tipo de treta bem conhecido: chama-se non sequitur. Ser o casamento anterior ou posterior ao Estado não tem nada que ver com a possibilidade ou não de alterarmos as suas regras.

Além do non sequitur, esta treta é um jogo de palavras, uma logomaquia: na verdade, o que é anterior ao Estado é a vida em comum, o "casamento" num sentido bem diferente do que estamos a discutir.
Ou o "casamento" no sentido de venda de mulheres férteis a futuros amos. Isso, sim, é anterior ao Estado.

Pelo contrário, o casamento enquanto instituição decorrente de um acordo público de vida em comum feito por adultos livres perante um oficial, sem cuja presença não há casamento, é, no máximo, do séc. XVI, após o Concílio de Trento, e foi promovido pelos Estados modernos.

O casamento que nos interessa, finalmente, é o casamento civil, que tem século e meio e é mesmo uma criação do Estado, de modo a ser acessível a todos independentemente de convicções religiosas.

Uma terceira treta difundida contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo é a treta peregrina de que os seus defensores visariam "atacar a família".
O alargamento do matrimónio seria apenas um pretexto numa malévola campanha "contra a família". Isto é treta, evidentemente, porque nenhum sentido útil se consegue extrair de tal "tese".
Querer alargar o acesso ao casamento não é defender que as pessoas vivam sozinhas sem conhecer pais e filhos. Não é defender que pais, filhos e cônjuges deixem de ter direitos e obrigações uns para com os outros. Não é sequer defender que as famílias mais conservadoras e mais apostadas na sua distinção deixem de ser conservadoras e distintas.

O casamento entre espanhóis do mesmo sexo não alterou o casamento dos reis de Espanha. A igualdade no casamento significa apenas que as famílias compostas por um casal homossexual têm de ter o mesmo reconhecimento oficial e a mesma dignidade de cidadania que as restantes.

Isto não é atacar "a família", é defender todas as famílias, mesmo aquelas que certa "tradição" sempre perseguiu».


sexta-feira, 26 de setembro de 2008

 

Objectivo: a procriação.





terça-feira, 23 de setembro de 2008

 

Os casamenteiros



«Os Casamenteiros» é o título da crónica que o meu grande e ilustre amigo Mário Crespo assina no «Jornal de Notícias» de ontem.

Muito haveria a dizer sobre o texto do Mário Crespo. Mas, para lhe responder condignamente, deixaria aqui um «lençol» do tamanho de umas alegações para o Tribunal Constitucional e isso não valeria certamente a pena. Bastaria lê-las no Blog «O Advogado do Diabo», com o aviso de que o suporte de papel tem dois volumes e ocupa (com os pareceres) mais de 400 páginas.

Fico-me, por isso, somente por duas ou três afirmações do Mário Crespo, porquanto são perfeitamente típicas de quem não tem, decerto, uma visão de conjunto de todas as implicações que estão por trás do casamento homossexual e de quem defende a possibilidade da sua concretização na Ordem Jurídica portuguesa.

Diz o Mário Crespo que:
«O Parlamento vai votar a formação de pares homossexuais. É uma perda de tempo só oportuna para quem não queira discutir problemas reais do país. Há muito que pares homossexuais são banais no quotidiano nacional. Não sendo a sua existência controversa, tentar impor um "casamento" homossexual à ordem jurídica é ilógico».

Diz também que:
«A humanidade sempre manifestou consciência de que a sua existência depende da estabilidade de núcleos com capacidade reprodutiva».

E diz ainda que:
«Reafirme-se o que sempre foi entendido como casamento, que é a união formal entre uma mulher e um homem. Experimentalismos façam-nos criando uma entidade nova para diferentes uniões que até poderão vir a estruturar sociedades futuras, mas que nada têm a ver com o casamento».

Mas o Mário Crespo está enganado.
Estrondosamente enganado!
Em primeiro lugar, quanto mais não seja por força de um argumento meramente técnico-jurídico. Porque, de facto, ninguém está a «tentar impor um "casamento" homossexual à ordem jurídica», nem isso é «ilógico» ou «absurdo».
Porque se considerarmos a Ordem Jurídica portuguesa como o conjunto coerente das normas que nos regem, então o casamento homossexual não precisa de ser imposto.
Simplesmente porque... já existe!

É que no topo desse conjunto de normas jurídicas está a Constituição da República Portuguesa, e o que acontece é que as normas do código civil que definem o contrato civil de casamento estão em contradição com as normas constitucionais.
Só resta, então, pôr o Código Civil de acordo com a Constituição – e não obviamente o contrário – a não ser que esse nobre apelo à Ordem Jurídica seja feito de forma “intermitente” e de acordo com a nossa casuística concordância ou não com aquilo que nela vamos vendo estabelecido.

Em segundo lugar, e aqui reside o segundo erro do Mário Crespo, porque ao contrário do que muita gente vem dizendo, a base fundamental da estrutura de uma sociedade não é o casamento – é a família!
E a diferença é gigantesca: porque pode haver família sem casamento e até haver casamento sem família, a não ser que uma mulher entenda continuar a considerar como sua família o homem que a violenta regularmente, a quem já nada a liga afectivamente e com quem, por mero acaso, ainda se encontra casada. Pode até haver casamento na iminência da morte de um dos nubentes com objectivos meramente sucessórios, por exemplo, e não para a constituição de uma família.
É por isso que pode haver famílias com uma base heterossexual ou homossexual. Pode até haver famílias monoparentais e até famílias cujos membros sejam estéreis ou inférteis, sem que por isso deixem de ser consideradas como isso mesmo: famílias.

Por isso, quando o Mário Crespo diz que «a humanidade sempre manifestou consciência de que a sua existência depende da estabilidade de núcleos com capacidade reprodutiva», esquece-se que, se isso é verdade, esse núcleo não passa necessariamente pelo casamento. Passa pela família.
E não é por fazê-los coincidir à força que se protege ou se assegura a sobrevivência da humanidade.
Quem disser o contrário estará com certeza a pensar absurdamente que um homossexual que é proibido de casar civilmente passa de repente a ser heterossexual e a dedicar-se então à propagação da espécie...
Estão aí mais de seis mil milhões de habitantes deste planeta a demonstrar o contrário.

Voltamos então aqui à parte jurídica: é que muitas pessoas estão convencidas que o primeiro artigo da Constituição para que devemos olhar quando falamos de casamento homossexual é o artigo 13º nº 2, que proíbe a discriminação em razão da orientação sexual. Não: esse será o segundo artigo a ler.
Porque o primeiro artigo a ter em linha de conta é o artigo 36º da Constituição, que estabelece a garantia dos direitos dos cidadãos a constituir família, a contrair casamento e a ter filhos, em condições de plena igualdade.

Ora, trata-se aqui de três direitos distintos e concedidos separadamente, embora o sejam na mesma norma constitucional.
Alguém duvidará então, do direito à constituição de uma família homossexual?
Alguém duvidará de que o direito à filiação não exclui os homossexuais?
Então, qual a razão de ser da recusa do reconhecimento do terceiro dos direitos concedidos no artigo 36º da Constituição?

Se uma família heterossexual tem a opção de transformar a sua união numa realidade dotada de juridicidade, celebrando um contrato civil chamado casamento, por que motivo se recusa tal opção a uma família homossexual?
Será em razão da sua orientação sexual?
Mas isso não contraria o tal artigo 13º da Constituição, que proíbe a discriminação em razão dessa mesma orientação sexual?
Claro que sim, e uma sociedade democrática que se preze, um Estado de Direito, não pode permitir que seja feita distinção entre os seus cidadãos, qualquer que seja a razão invocada.

E, parecendo que não, sugerir como o Mário Crespo a criação «de uma entidade nova para diferentes uniões que até poderão vir a estruturar sociedades futuras, mas que nada têm a ver com o casamento», é uma forma de discriminação ainda pior do que a pura e simples proibição do casamento homossexual. Para isso, passe a expressão, mais valia estar quieto!

Criar uma realidade jurídica «ao lado» é reconhecer expressamente tanto a necessidade dos homossexuais no acesso ao casamento como a sua óbvia discriminação nesse acesso, mas criando-lhes «qualquer coisa ali ao lado» que tenha o mesmíssimo efeito, mas que não «conspurque» nem afronte «as entidades originais do corpo social que desde sempre tem constituído a base das civilizações».

Defender isso é produzir um juízo apriorístico de desvalor dos homossexuais e da homossexualidade de um modo geral. Defender esse ridículo e esse absurdo (agora sim), é pensar que os homossexuais são cidadãos que conspurcam e afrontam a sociedade em razão da sua orientação sexual.
A quem pensar isso não posso se não recomendar urgente ajuda psiquiátrica, quando mais não seja para o tratamento de um complexo de Édipo mal resolvido, ou para o ajudar a assumir qualquer espécie de freudiana homossexualidade que se vai tornando aos poucos cada vez menos latente...

À laia de conclusão, e entre o tanto que haveria para dizer, bastará talvez referir o seguinte: sinceramente não consigo descortinar onde está o motivo para tanta polémica e tanta complicação à volta de uma questão que não é mais do que o reconhecimento do acesso de um determinado grupo de cidadãos à celebração de um mero e simples contrato de natureza civil, e que nesse acesso têm vindo a ser inconstitucionalmente discriminados em razão da sua orientação sexual.

Deixar de reconhecer esse direito não defende a propagação da espécie humana, como reconhecê-lo não prejudica aqueles que a tal direito já têm acesso.

O casamento, o contrato civil de casamento, constitui um conjunto coerente de direitos e obrigações e tem implicações muito precisas e concretas na vida social e pessoal e na esfera jurídica daqueles que o celebram.
Reconhecer o acesso a esse «bem jurídico» que é o casamento a determinadas pessoas e vedá-lo a outras constitui uma forma de discriminação intolerável numa sociedade democrática.

E para quem tenha paciência, posso dar um exemplo:
Quando elaborava as alegações para o Tribunal Constitucional no processo de casamento da Teresa e da Lena, desfolhei a esmo o Código Civil e, sem qualquer preocupação de ser exaustivo, enumerei algumas das consequências que, a par das sociais e pessoais, constituem uma modificação concreta na esfera jurídica das pessoas que se casam.
Encontrei nada menos do que 41 diferenças (sendo que actualizei a 24ª em função da nova lei do arrendamento urbano) que agora enumero e que espero que o meu amigo Mário Crespo leia, uma a uma, com toda a atenção.

São diferenças que, uma vez reconhecidas, marcarão em concreto a vida de milhares de portugueses.
E isso poderá ser tudo.
Não será é, decerto, «ilógico», «absurdo» ou sequer uma «perda de tempo»...


Essas diferenças são, pois, as seguintes:

1 – Desde logo a atribuição de inteira relevância jurídica a compromissos de ordem não-patrimonial ou «moral» que sejam mutuamente assumidos e que se consubstanciam, entre outros, nos deveres conjugais de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência,
2 – bem como a possibilidade de qualquer dos cônjuges ver convenientemente sancionada qualquer violação desses mesmos compromissos por parte do outro, seja através de relevância bastante para que constituam causa de rescisão do contrato de casamento, isto é, para divórcio,
3 – seja até quando tal violação tenha consequências de ordem patrimonial que se reflicta, por exemplo, na partilha dos bens comuns do casal (como é o caso de um casamento celebrado após convenção antenupcial de comunhão de bens e em exista culpa exclusiva de um dos cônjuges no divórcio o qual, assim, não receberá na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado com comunhão de bens adquiridos),
4 – seja mesmo numa decisão judicial que decida sobre a atribuição do direito ou do destino da «casa de morada de família».
5 – Depois, porque os cônjuges são herdeiros legitimários um do outro,
6 – sendo-lhes até assegurado, em caso de concurso com mais de quatro herdeiros, o direito a pelo menos uma quarta parte da herança,
7 – e também reconhecido um «apanágio de cônjuge sobrevivo», do qual poderão advir consequências, nomeadamente no que concerne a à obrigação de alimentos provenientes dos rendimentos da herança do outro cônjuge,
8 – e ainda, também ainda em caso de morte de um dos cônjuges, determinados privilégios na preferência sobre determinados bens da herança em caso de partilha, quando em confronto com os demais herdeiros,
9 – ou também, como por exemplo, o direito a ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada de família e no uso do respectivo recheio.
10 – Em caso de morte de um dos cônjuges, resulta como praticamente «automático» o direito do cônjuge sobrevivo a receber quaisquer pensões de sobrevivência a que eventualmente haja lugar.
11 – Ainda de particular importância se revelará o facto de que do casamento resultará inequívoco que constituem bens comuns do casal, por exemplo, o produto do trabalho de qualquer deles,
12 – e até, em casos determinados, os bens que, mesmo podendo ter sido antes considerados próprios, tenham sido adquiridos na sua maior parte com dinheiro ou bens comuns,
13 – a não ser, claro, que estejamos perante um casamento celebrado com separação de bens, mas no qual, ainda assim, e em caso de dúvida sobre a sua titularidade, está estabelecida na lei uma presunção de compropriedade,
14 – tal como também no regime da comunhão de adquiridos se encontra estabelecida uma presunção de comunicabilidade de bens móveis.
15 – Também no caso de um casamento celebrado sob o regime da comunhão de bens, a lei estabelece uma comunicabilidade dos frutos provindos de determinados bens ou direitos, ainda que tais bens estejam expressamente excluídos da comunhão.
16 – De qualquer casamento resulta que, em caso de morte, o cônjuge sobrevivo administra, em primeira análise, os bens que compõem a herança
17 – podendo, como qualquer outro herdeiro, pedir a sua partilha logo que assim o entenda.
18 – Em caso de divórcio poderá resultar uma obrigação de indemnização por danos não patrimoniais a favor de um dos cônjuges, caso o outro cônjuge seja considerado único ou principal culpado nesse divórcio.
19 – Também da possibilidade de duas pessoas se casarem resultará o concomitante direito a celebrarem casamentos urgentes ou “in articulo mortis”, com as óbvias consequências patrimoniais, morais e pessoais que dessa celebração poderão advir.
20 – Não sendo, como é óbvio, susceptível de execução específica, também da promessa de casamento incumprida, em determinadas circunstâncias, por parte de um dos promitentes, poderão resultar consequências de ordem patrimonial para o outro.
21 – Ninguém considerará despiciendas as consequências decorrentes da atribuição conjunta a ambos os cônjuges da administração ordinária dos bens comuns do casal,
22 – nem sequer as consequências de ordem exclusivamente fiscal, que decorrem do casamento.
23 – Muito menos poderão ser desprezadas as maiores regalias e possibilidades de acesso a empréstimos hipotecários por força do seu reforço garantístico e ainda do aumento da “taxa de esforço” que se exige para tal contratação, que será decorrente da conjugação dos rendimentos de ambos os cônjuges.
24 – Ainda hoje, e agora na actual formulação da legislação do arrendamento urbano, o contrato de arrendamento celebrado por um dos cônjuges passou a ser comunicável ao outro, e continua a haver importantes consequências na transmissão do direito ao arrendamento a favor de um dos cônjuges por morte do outro, nomeadamente no que se refere aos arrendamentos comerciais.
25 – Ninguém duvidará que uma das mais relevantes consequências que poderão decorrer de um casamento será a inequívoca e rigorosa estipulação legal, com as respectivas consequências, da absoluta igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
26 – Como é do conhecimento comum, e na esmagadora maioria dos casos, cada cônjuge gozará do privilégio do acesso às regalias dos sistemas e subsistemas de saúde e de segurança social do outro cônjuge.
27 – Em caso de doença, a nenhum cônjuge é vedado o acesso às visitas hospitalares,
28 – e, mais importante do que tudo isso, resultará do facto de ser precisamente ao cônjuge a quem é cometida a responsabilidade da tomada de importantes decisões em caso de doenças incapacitantes e, quantas vezes, a decisão de desligar uma máquina de suporte artificial de vida.
29 – Ninguém poderá esquecer as consequências que de um casamento imediatamente decorrem no que se refere nas relações de afinidade com os parentes do outro cônjuge,
30 – sendo inegáveis as consequências e as valorações de ordem, pessoal, familiar e social que são necessariamente decorrentes dessa afinidade,
31 – até por que elas persistirão, claro, mesmo após o divórcio,
32 – não sendo, para além de tudo, de forma alguma desprezível o facto de que desse novo vínculo familiar resultará um alargamento no elenco dos motivos que constituem impedimentos dirimentes relativos matrimoniais.
33 – Como é ainda visivelmente usual o nosso país, a celebração de um casamento possibilita que qualquer dos cônjuges adopte o nome do outro, ou até que ambos o façam simultaneamente,
34 – do que resultarão óbvias consequências, no reforço do sentimento de identificação e de coesão familiar,
35 – para além da inegável relevância de ordem social que a maioria das pessoas ainda concede, e muito principalmente, recebe, dessa situação.
36 – Da relação familiar que o casamento transporta ainda consigo resultará a possibilidade da participação de qualquer dos cônjuges no «Conselho de Família» quando haja decisões jurisdicionais a tomar sobre menores, filhos do outro cônjuge, e com quem haja uma convivência e proximidade afectiva.
37 – Possibilidade de, na pendência do casamento, um dos cônjuges poder exigir, e até mesmo judicialmente, a contribuição do outro para as despesas domésticas, como não poderia deixar de ser referida a enorme frequência de situações em que tal necessidade decorre, em tantos casos, da própria subsistência básica do cônjuge.
38 – Ao mesmo tempo, é estabelecida na lei uma obrigação alimentícia que vincula a outras um certo e determinado número de pessoas, enumeradas e ordenadas no artigo 2009º do Código Civil, sendo obviamente muito significativo que nessa norma seja elencada logo em primeiro lugar a obrigação de alimentos que vincula os cônjuges,
39 – sendo não menos irrelevante que, ainda por força de tal norma, tal direito a alimentos persista para ambos os cônjuges, mesmo até após a dissolução do casamento.
40 – Mais, a lei ainda estabelece mais uma peculiar situação de vinculação a uma obrigação alimentícia de que será beneficiário, por exemplo, um enteado menor de um dos cônjuges que dele estivesse a cargo ou que com ele convivesse à data da morte do outro cônjuge e progenitor do menor.
41 – finalmente, e ainda no que aos alimentos diz respeito, e uma vez estabelecida a obrigação de prestação de alimentos que mutuamente vincula os cônjuges, revestirá ainda particular relevo a possibilidade que de tal obrigação decorrerá para qualquer dos cônjuges – e até mesmo, repita-se para os ex-cônjuges – que passará a ter ao seu alcance, em caso de necessidade comprovadamente urgente e inadiável, o recurso à providência cautelar de alimentos provisórios, tantas vezes, e uma vez mais, essencial à própria subsistência mais básica desse cônjuge
.


Em suma:
Decerto outras consequências haverá, pois que, como referi, esta enumeração não é exaustiva.

Mas isso não tem importância, pois que somente uma delas bastaria.
E uma só bastaria porque as pessoas não são, de facto, «uma perda de tempo»!


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

 

E se Jesus Cristo tivesse sido homossexual?


Para responder a esta pergunta, nada melhor do que recorrer à Bíblia.
Até por que a Bíblia é, segundo o §81 do “Catecismo da Igreja Católica”, «a palavra de Deus enquanto redigida sob a moção do Espírito Santo».

Vejamos então o que nos diz a Bíblia sobre este assunto:

«E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: sim, Senhor, tu sabes que te amo…
«E Pedro voltando-se viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito…».
João 21:15 - 20

«Ora Jesus, vendo ali a sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse à sua mãe: mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: eis aí a tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa…».
João 19:25 – 27

«E, chamando outra vez a multidão, disse-lhes: ouvi-me vós, todos, e compreendei. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar…».
Marcos 7:14-16

«E um certo mancebo o seguia, envolto num lençol sobre o corpo nu. E lançaram-lhe a mão. Mas ele, largando o lençol, fugiu nu».
Marcos 14:51-52


Pois bem:
Alguns historiadores afirmam que estas passagens bíblicas revelam inequivocamente a homossexualidade de Jesus.
Ou melhor, demonstram a sua bissexualidade, pois também consideram pacífica a interpretação do seu relacionamento com Maria Madalena.
Afirmam ainda que naquela época isso seria algo absolutamente vulgar, e nem sequer seria motivo de especial realce.

Obviamente, há também aqueles que afirmam que esta leitura é aberrante, uma vez que estas passagens bíblicas têm de ser compreendidas num determinado contexto, e que quem as interpreta no sentido da homossexualidade de Jesus Cristo nem sequer sabe ler a Bíblia.

Temos então duas posições: Jesus Cristo era ou não homossexual?
Como responder com rigor a esta pergunta?

Será que a resposta num ou noutro sentido traria alguma diferença na forma como cada pessoa vê Jesus Cristo, na interpretação ou no valor da mensagem ou das palavras que lhe são atribuídas, ou sequer em tudo aquilo que ele, como pessoa, significa para tanta gente?

De facto, se Jesus Cristo era homossexual ou não, e bem vistas as coisas… o que é que isso interessa?...


sexta-feira, 19 de setembro de 2008

 

Todos diferentes, todos iguais!



Logo no mesmo dia em que a Teresa e a Lena se apresentaram na 7ª Conservatória do Registo civil de Lisboa para dar início ao seu processo de casamento, no dia 1 de Fevereiro de 2006, o Bloco de Esquerda, os Verdes e a Juventude Socialista apressaram-se a surfar na onda da oportunidade política que o mediatismo de que o caso se revestiu lhes oferecia de mão beijada.

Vai daí, todos anunciaram a apresentação de propostas de lei no sentido da legalização do casamento homossexual.
Só faltava agendar o debate. Coisa de somenos…

Entretanto, o Partido socialista entendeu encostar a J.S. à parede e anunciou com pompa e circunstância que o casamento homossexual não constava do seu programa de Governo.
Por isso, só restava uma solução: chutar para canto e relegar tudo para as calendas da próxima legislatura.

Passaram dois anos e meio, e cá temos a oportunidade política ideal para debater o assunto e lá aparece o agendamento das propostas de lei para o próximo dia 10 de Outubro, por iniciativa do Bloco de Esquerda e dos Verdes.

E cá temos um dos mais paradigmáticos exemplos de como a política pode ser sabuja e aviltante, e de como os políticos não hesitam em lançar sobre si próprios a mais desonrosa ignomínia.

De facto, afirmar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não faz parte do seu programa, é a desculpa mais imbecil a que um partido político pode recorrer.
E será que a subida do I.V.A. para 21% estava no programa de Governo do P.S.?...

E ainda por cima desautorizando estupidamente a Juventude Socialista, com tudo o que isso obviamente significa, muito mais quando se sabe que a J.S., verdade seja dita, sempre assumiu pública e frontalmente – e corajosamente – a sua opção favorável ao casamento homossexual.

Um partido político tem antes de mais a obrigação ética de tomar uma posição sobre todos e cada um dos problemas políticos, sociais ou económicos do país. Pode ser a favor ou ser contra esta ou aquela medida, esta ou aquela posição. Mas uma coisa é certa: tem de definir-se!
Não tomar uma posição expressa sobre um determinado assunto, significa não mais do que optar pela sabuja cobardia das meias tintas.

Mas o Partido Socialista ainda fez pior: não só não tomou uma posição expressa e inequívoca sobre qual era a sua posição política perante o casamento homossexual, como anunciou que debateria o tema somente… na próxima legislatura.

Ora, ao dizer isto o PS demonstra que sabe bem que o problema existe. E ao anunciar o debate para a próxima legislatura, significa que sabe também que o assunto carece de ser debatido.
Então, se assim é, por que raio não o debate já?
Se o problema existe e precisa de ser debatido, é porque ele afecta uma fatia importante da população portuguesa, milhares e milhares de pessoas, que não se compadecem com o facto de verem as suas vidas adiadas para a próxima legislatura só porque o partido do Governo e maioritário na Assembleia da República não tem coragem política suficiente para tomar uma decisão sobre um tema, só porque esse tema é «fracturante».

Mas esta triste e néscia política do Partido Socialista não se fica por aqui: já foi anunciado que o P.S. votará contra as propostas do Bloco e dos Verdes, mas impondo disciplina de voto nesse sentido aos seus deputados. É como se a direcção do P.S. quisesse deixar bem claro que quando a posição do Partido é não tomar posição, todos os seus deputados têm de ser uma nova espécie de carneiros cinzentos e votarem todos obedientemente nesta idiotia.

E é assim que vemos uma vez mais um partido político pôr aquilo que há de mais baixo na política, que é essa coisa abstrusa a que chamam «o combate político-partidário», à frente dos interesses da população, à frente da vida das pessoas.
E ainda se admiram da imagem e da reputação de que os políticos gozam em Portugal…

Mas o Partido Socialista não está só nesta ignara posição.
O Bloco de Esquerda e os Verdes fazem-lhe muito boa companhia!

Para já, os Verdes (que, sejamos claros, é a mesma coisa que o Partido Comunista) apresentaram uma proposta com que pretendem passar por ser um partido inovador, moderno e que combate a homofobia e a discriminação.
Nem ao menos têm a dignidade de assumir frontalmente essa homofobia e essa discriminação, como o fazem abertamente o PSD e o CDS…

Porque acontece que a proposta dos Verdes, perdão, do Partido Comunista, prevê também a alteração do artigo 1.979º do Código Civil que em vez de dizer «podem adoptar plenamente duas pessoas casadas há mais de 4 anos…», passaria a inviabilizar a adopção por casais homossexuais, passando a dizer qualquer coisa como «podem adoptar plenamente duas pessoas “de sexo diferente” casadas há mais de 4 anos…».
É triste, muito triste, quando na Assembleia da República, o repositório do Poder Legislativo e da Democracia portuguesa, é um dos seus próprios partidos o primeiro a apresentar uma proposta de lei discriminadora, marcadamente homofóbica e inequivocamente inconstitucional.
Deve ser assim que é lá na Coreia do Norte…

Ou seja:
Se virmos bem, há mais de dois anos que se conhece a posição do P.S. quanto a quaisquer propostas de lei que surjam sobre o casamento homossexual.
E sem os votos do P.S. nenhuma lei pode ser aprovada.
Ora, se o Bloco e os Verdes sabem disso, por que motivo apresentaram então as suas propostas?
Para serem aprovadas?

Claro que não. Foi precisamente para o contrário: foi para serem rejeitadas!

Face à irredutibilidade da posição do P.S., o Bloco e os Verdes poderiam ter-se conformado com isso (não tinham outro remédio) e ter apresentado as suas propostas daqui a um ano, logo até no primeiro dia da próxima legislatura. Aí, se as suas intenções visassem não mais do que o interesse das pessoas, não só lhes resolveriam o problema, como ainda teriam um ganho político à custa do P.S., que ficaria entre a espada e a parede e não teria outro remédio que não apoiar as propostas.

Mas o Bloco de Esquerda e os Verdes pretendiam o ganho político para já: estamos no último ano desta legislatura e já na contagem decrescente para as próximas eleições.
Então a jogada político partidária é simples: apresentam-se já as propostas e, como é expectável o Partido Socialista vota contra.
E o ganho político está precisamente na rejeição das propostas!
Depois é só fazer muito barulho, muita publicidade, e capitalizar os votos à esquerda do P.S.

Claro que para isso têm de usar as pessoas.
Mas afinal, para os partidos políticos – todos eles – que interesse têm as pessoas, meros «danos colaterais», nessa coisa tão nobre e altaneira que é o «combate político-partidário»?


quarta-feira, 17 de setembro de 2008

 

Mais tempo para o Ministério Público



Leio na comunicação social que o Sr. Procurador-geral da República está preocupado com as "recentes" alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal.

Preocupam-no principalmente os prazos determinados ao Ministério Público para a conclusão dos inquéritos e o consequente fim do segredo de justiça a que os processos pendentes podem vir a deixar de estar sujeitos, o que pode comprometer as investigações em curso.
Diz o Sr. Procurador-geral da República que o Ministério Público «precisa de mais tempo» para investigar e concluir os inquéritos.

E talvez tenha razão!
De facto, talvez o Ministério Público precise mesmo de mais tempo.

Para o provar, e como o Sr. Procurador-geral da República é o primeiro a afirmar que, melhor do que ninguém, quem sabe aquilo que se passa na nossa justiça são «as pessoas», nada melhor então do que exemplificar com um caso muito concreto.

Vejamos:
Instaurei um procedimento criminal contra determinada pessoa pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão emitido para pagamento de uma dívida de natureza comercial e que titulava a quantia de 5.200.000$00.
Com os juros (à taxa legal para as operações comerciais) a dívida ascenderia hoje a mais de € 20.000,00, isto sem contar com a própria desvalorização decorrente da inflação, que talvez desse bem para outro tanto.

O meu Cliente bem sabia que o seu devedor há muito que tinha posto todos os seus bens «ao luar» e, por isso, restava-nos somente a esperança de que a ameaça das consequências criminais da emissão do cheque sem provisão fizesse o arguido abrir os cordões à bolsa.

O processo-crime deu entrada nos Serviços do Ministério Público de Lisboa no dia 12 de Janeiro de 1993.

Pois bem:
O processo entrou, e por lá andou perdido de um lado para o outro, de estante para estante, sem que sequer tivesse resultado o pedido de aceleração processual entretanto deduzido.
Até que agora, há poucos dias, o processo teve finalmente conclusão.

Como se pode ver do documento aqui ao lado (clicar na imagem para a ampliar) ao fim de mais de 15 anos o assunto ficou resolvido com o seguinte despacho (sic):

«Conforme resulta de fls. 167 o arguido faleceu pelo que, ao abrigo do disposto nos artigos 127º e 128º n.º 3 do Código Penal, declaro extinto o procedimento criminal contra ele instaurado e determino o oportuno arquivamento dos autos».

E pronto!
Ao fim de 15 anos o assunto está finalmente resolvido.
Pelo menos para resolver este processo a Justiça portuguesa já não precisa de mais tempo...


terça-feira, 16 de setembro de 2008

 

Us and Them





segunda-feira, 15 de setembro de 2008

 

Ofensas à Fé



Neste pequeno filme (3:35) Bill Maher diz-nos o que pensa sobre as pessoas que se sentem ofendidas quando acham que a sua fé foi posta em causa.



sexta-feira, 12 de setembro de 2008

 

Ponto de Vista






quinta-feira, 11 de setembro de 2008

 

9/11



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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

 

Contagem Decrescente



Talvez um dos melhores filmes que já vi no YouTube: uma contagem decrescente a partir de 100, usando somente pequenos excertos de filmes célebres.
Uma montagem simplesmente brilhante!



segunda-feira, 8 de setembro de 2008

 

O Fanático




sexta-feira, 5 de setembro de 2008

 

A Vontade de Deus



Sarah Palin é candidata pelo Partido Republicano à vice-presidência dos Estados Unidos.
Escolhida para essa candidatura não pelas suas qualidades pessoais ou políticas mas pelo simples facto de ser mulher e ser uma evangélica fanática – o que, convenhamos, não abona nada em favor das mulheres – Sarah Palin terá, se for eleita, poderes executivos muito limitados e funções quase meramente simbólicas.

Mas o que é facto é que John McCain não tem uma saúde nada famosa e já se viu a braços com três ou quatro cancros, sendo frequente ouvirmos prognósticos médicos nada optimistas quanto à sua longevidade.

Quer isto dizer que no caso de John McCain vir a ganhar as eleições (longe vá o agoiro!) Sarah Palin corre o risco nada improvável de um dia vir a ser Presidente dos Estados Unidos da América. Como dizem os americanos está somente «one heartbeat away» de isso lhe acontecer.

Ou seja, é bem possível que o nosso futuro esteja mesmo ensombrado pela possibilidade de vermos à frente dos destinos da mais poderosa nação do mundo, e a influenciar de modo bem concreto a vida de toda a gente que o habita, alguém que pensa que a educação sexual deve ser banida das escolas públicas e substituída pelo ensino do criacionismo nas próprias aulas de biologia, que o ensino da Bíblia e a catequese deviam ser obrigatórios para todas as crianças, e que é contra todas as formas de aborto, mesmo nos casos de violação, malformação do feto e até em casos de imediato risco de vida para a mãe.

O pequeno filme (46 segundos) aqui ao lado deixa-nos bem claro quem temos pela frente: uma pessoa profundamente religiosa e alucinadamente fanática que defende que os assuntos do Estado devem ser resolvidos de acordo com… a vontade de Deus!


Mas pior do que tudo, apesar de isso um dia bem poder vir a influenciar a vida de todos os habitantes deste planeta, o que é verdade é que Sarah Palin não nos explica é de que forma é que Deus lhe transmitiu essa sua vontade, e que ela tão piedosamente se propõe seguir…

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

 

A realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo



«Importa, todavia, não abstrair por completo da consideração da realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo».

Foi com estas palavras que o Presidente da República Cavaco Silva justificou em primeira análise a sua decisão de devolver à Assembleia da República, sem o promulgar, o projecto de lei que aprovava o novo regime jurídico do divórcio.
As reacções político-partidárias não se fizeram esperar com os partidos de esquerda a manifestarem a sua indignação com o veto presidencial, e a projectarem até o reenvio do diploma ao Presidente após a obtenção de uma maioria parlamentar de dois terços.
E, obviamente, com os partidos de direita a regozijaram-se com a decisão presidencial, reafirmando que a nova lei iria fragmentar e pôr em causa o conceito tradicional de «família».

Confesso que por vezes é difícil conter alguma indignação num debate, muito mais quando se trata de um assunto desta delicadeza e complexidade. Mas muito principalmente quando nas nossas barbas alguém fundamenta a sua opinião com argumentos que justificariam uma posição exactamente oposta.

De facto, não sei exactamente qual o conceito de «família» que têm os deputados do PSD e do CDS. Mas, do que conheço do projecto de lei, parecia-me que era exactamente uma maior protecção da família que resultava do novo regime jurídico.
Porque uma coisa é certa: a família poderá ser tudo menos um conjunto de pessoas que por acaso das circunstâncias vivem (ou se vêem obrigadas a viver) debaixo do mesmo tecto.

A família é muito mais do que isso: é um projecto de vida em comum dos seus membros, é uma comunhão sentimental e afectiva e até também patrimonial, é uma partilha de afectos, de um respeito e de compromissos mútuos, de uma entreajuda em projectos comuns e de uma incondicional disponibilidade de assistência recíproca.

Sem isto não há família.
E é por isso que obrigar alguém por via legislativa a manter-se numa partilha de hipocrisias debaixo do mesmo tecto é uma das maiores barbaridades e o mais tenebroso ataque que um órgão de soberania pode fazer, isso sim, ao conceito e aos valores da família.
Impor a alguém que já não vive em família a manutenção forçada de laços contratuais que já não fazem sentido, é pensar que a família existe tão só «por mero efeito» do contrato de casamento, ou que a família pode ser imposta por via administrativa.
E pensar isso é precisamente pôr à frente da família não mais do que velhos e apriorísticos conceitos de uma espécie de «sacralidade do matrimónio» que, se nunca fizeram sentido, muito menos o fazem nos dias de hoje.

E os resultados desta imposição forçada, desta persistência em pensar que quando se mantém um dos cônjuges preso a grilhetas contratuais já caducas se está a defender a família, como se a família fosse qualquer coisa abstracta e quase etérea, aí estão para quem os quiser ver: milhares e milhares de casos de violência doméstica e já 31 mulheres mortas só nos primeiros oito meses deste ano.
Quantas das vidas destas mulheres poderiam talvez ter sido poupadas se existisse uma lei que protegesse precisamente o «elo mais fraco» numa relação conjugal deteriorada, em vez de lhe impor uma convivência forçada debaixo do mesmo tecto com um facínora qualquer que já não é da sua família, mas que repetidamente a agride, viola e, por vezes, até a mata, tudo em nome de valores que não existem senão numa hipócrita fachada?

É por isso que não entendo a decisão do Presidente da República, e muito menos compreendo a que conhecimentos ou a que brilhantes e preclaros assessores o Presidente recorreu para se arrogar um conhecimento tão profundo «da realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo».
Porque o que a sua decisão demonstra é, de facto, precisamente o contrário: um confrangedor desconhecimento da vida dos portugueses e do que se passa para além do conforto soturno e meramente teórico dos seus gabinetes.

A «realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo»? Deixem-me rir!

Se alguma coisa a experiência nos ensina é que a vida matrimonial no Portugal contemporâneo efectivamente exige que as decisões políticas não sejam tomadas de costas voltadas para as pessoas ou proferidas em nome de preconceitos mesquinhos, mas que olhem antes para aquilo que essas pessoas na realidade pretendem e lhes é inequivocamente favorável.

Se alguma coisa poderá reflectir, isso sim, «a realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo», se alguma coisa poderia justificar a implementação efectiva do novo regime jurídico do divórcio, seriam situações perfeitamente vulgares, como por exemplo o típico caso de uma mulher de 55 anos, que sempre foi «doméstica», que nada tem a que possa chamar seu, e que está simplesmente farta de mais de 30 anos de agressões e de abusos intermináveis, que é frequentemente forçada a manter relações sexuais com um cônjuge a cair de bêbado e a cheirar a tasca, com quem é casada mas que já não é o seu marido, e com quem há muito que já não forma uma família, mas com quem é forçada a partilhar o mesmo tecto porque simplesmente… não tem para onde ir.

O projecto de lei vetado pelo nosso ilustre Presidente, pelos vistos tão bem conhecedor «da realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo» ter-lhe-ia possibilitado quebrar os laços do casamento mesmo contra a vontade do marido e forçar imediatamente a partilha dos bens comuns, para então começar de novo uma nova vida, e agora sim uma nova família, usando por exemplo a sua metade do produto da venda da casa do casal.
Poderia até, se fosse caso disso, pedir logo judicialmente alimentos ao seu ex-cônjuge, porque são precisamente o cônjuge e o ex-cônjuge que constam da alínea a) do artigo 2009º do Código Civil como as primeiras pessoas obrigadas a proporcionarem-lhe alimentos.
Mas, acima de tudo, tê-la-ia principalmente libertado das inenarráveis sevícias sofridas ao longo de décadas, nem que para isso tivesse de sair de casa e pedir auxílio a um familiar ou a uma organização de ajuda, porque agora teria a perspectiva de uma resolução breve da sua situação matrimonial e patrimonial.
Poderia, numa palavra, ter começado de novo!

Resta-lhe agora a lei actual, a tal mesma lei que o Presidente da República, o PSD e o CDS lhe dizem que reflecte de facto «a realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo».
Porque é uma lei boa, isso sim, porque exige a invocação de uma violação grave e culposa dos deveres conjugais como fundamento de divórcio litigioso.
Mas qual invocação? Que provas apresentar? Alguém viu uma única agressão? Alguém viu o seu marido chegar a casa cheio de vinho e obrigá-la a abrir as pernas? Pois um dos deveres conjugais que compete à mulher não é precisamente manter relações sexuais com o seu legítimo marido?

Que coisa mais normal poderá haver na «realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo» do que o marido querer mandar uma simples “trancada” à mulher? Que interessa que a mulher se sinta violada e se meta depois debaixo do chuveiro e se lave e se esfregue com força, vezes e vezes sem conta, enojada com tudo, enojada consigo mesma? Que interessa? Não são eles… uma família?

E se houvesse uma única agressão que se pudesse provar em tribunal, quem lhe garantia a sua segurança pessoal, quem iria impedir mais violações durante a meia dúzia de anos do processo de divórcio, que o seu marido faria arrastar até ao Supremo?
Quem lhe ensinaria a simplesmente vencer o terrível pavor que tem daquele energúmeno que vive lá em casa e que o Presidente da República, o PSD e o CDS lhe dizem que é da sua família, porque eles é que sabem qual é «a realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo»?

O divórcio por mútuo consentimento está absolutamente fora de questão: a última vez que falou nisso ao marido levou um murro na cabeça (pois claro, para não deixar marcas) com tal violência que caiu desamparada no chão. Está bom de ver que só se o marido fosse um grande lorpa é que ia assinar um papel que o faria privar a si próprio de quem lhe lava as cuecas pelo preço da sua própria alimentação, e ainda por cima põe ali à mão de semear um buraco à sua disposição para quando lhe apetece esvaziar os tomates…

Como é bom os portugueses terem um Presidente da República e tão competentes deputados que assim tão bem conhecem qual é «a realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo» e que, por tão bem a conhecerem, não hesitam nem por um minuto em impor tão lúcidos conhecimentos à realidade quotidiana de todos os portugueses.
E que não hesitam, enfim, em explicar a todos os portugueses que são eles quem é que bem sabe o que é isso de ser… uma família…


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

 

ATENÇÃO: Texto Ofensivo!



A direcção do Abington Park Museum em Northampton decidiu censurar parte de um cartaz informativo de uma exposição dedicada a Charles Darwin e ao evolucionismo, depois de ter sido confrontada com diversas reclamações de visitantes que consideraram o seu conteúdo «insultuoso e ofensivo mais fundamentais sensibilidades cristãs».

Por isso, antes de aqui reproduzir a passagem censurada não posso deixar de alertar os meus leitores mais vulneráveis nas suas fundamentais sensibilidades cristãs para que tomem as devidas precauções:

«[Charles Darwin] usou as mesmas camadas de fósseis que antes haviam fundamentado a visão evolucionista do Génesis para demonstrar as lentas mudanças que têm vindo a ter lugar ao longo dos milhões de anos da História da Terra, cada uma dessas pequenas mudanças adaptando uma espécie aos rigores do ambiente que a rodeava – a luta pela sobrevivência através da selecção natural, conduzindo à sobrevivência dos mais aptos».

Fez bem a direcção do museu em censurar esta passagem: ela é, de facto, gravemente ofensiva «das mais fundamentais sensibilidades cristãs»…


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