domingo, 13 de dezembro de 2009

 

A medicina tradicional chinesa



Este verão estive de férias na China.
Em Pequim, uma cidade fantástica, tantas coisas visitei que, quando dei por ela, o guia tinha-nos levado a um edifício de construção de estilo austero, tipo soviético, onde funcionava uma farmácia e um centro médico de «medicina tradicional chinesa».

Ainda mal estava habituado à ideia de ali estar, já me tinham sentado a uma pequena secretária onde me mandaram esperar pelo “professor”. Daí a bocado, apareceu um sujeito de bata branca, com um ar meio de cientista meio rural, que me colocou três dedos na parte interior de um pulso e assim esteve um bocado a “auscultar-me”. Repetiu a dose no outro pulso e pediu-me para deitar a língua de fora.

E pronto, estava o diagnóstico feito: com uma clarividência notável o tal professor disse-me que o que eu precisava era de perder peso e que devia ter cuidado com a tensão arterial e com a diabetes.
Logo ali rapou de um livrinho e passou-me uma receita de umas coisas que escreveu em caracteres chineses, mas que logo me explicaram me custariam mais de 700 euros, e isto só para os primeiros 3 meses de tratamento.

Fingi-me interessado, disse que esperava pela “consulta” ao resto da malta da excursão, e logo que apanhei uma aberta pirei-me dali para fora.
Presumo que a esta hora já não devam estar a contar muito comigo para comprar aquelas babujes…

O que é curioso é a quantidade de pessoas que de repente parece que perderam o tino e começaram a “acreditar” nessa coisa abstrusa a que se convencionou chamar «medicina tradicional chinesa».

O que é mais curioso ainda é que o que parece dar credibilidade a esta porcaria é a mágica conjugação destas três palavras: «medicina», «tradicional» e «chinesa».
E o argumento recorrente é sempre este: uma coisa que é praticada na China há 4 ou 5 mil anos alguma credibilidade deve merecer.

Mas esta gente não percebe que a única coisa que pode dar credibilidade a uma prática médica é o seu escrutínio e a sua mais rigorosa análise científica?
Será que esta gente não percebe que pretender atribuir seriedade a uma determinada «medicina», dizendo que esta tem origem na Idade do Cobre, em vez de a credibilizar, isso só a descredibiliza?

Pode bem ser uma prática milenar isto de fazer um diagnóstico médico pondo três dedos no pulso de um paciente. Mas, milenar ou não, ela é antes de mais uma prática absolutamente ridícula de tal forma ela é desligada de qualquer seriedade.

O mesmo se diga dos milhares de pós e ervas que ali vi à venda aos mais variados preços, em gavetinnhas de madeira muito bem organizadas.
A credibilização destes pós e mezinhas vem, mais uma vez, não mais do que do facto de serem «tradicionais» e já serem utilizados por povos primitivos.
E o argumento recorrente é também o que de muitos medicamentos das modernas indústrias farmacêuticas provêm de plantas.

Sim, é verdade: o quinino, por exemplo, provém da casca da Cinchona e deve-se até à observação das práticas médicas, ao que parece dos incas; o ácido acetilsalicílico da Aspirina provém da casca do salgueiro e era já conhecido de Hipócrates no século V a.C.

Mas é precisamente aí que reside o ponto: o que credibiliza a utilização destes produtos não é o facto de alguém ter observado que eram utilizados por povos primitivos; o que os credibiliza é que utilização primitiva não foi mais do que o ponto de partida para o seu escrutínio científico.
O que os credibilizou foi precisamente o resultado desse escrutínio científico e não o mero facto de serem tradicionais ou de serem utilizados há muito tempo.

Ora, e o que é verdade, é que ali mesmo naquela espécie de «consultório médico» chinês de Pequim as pessoas e os «médicos» que ali trabalhavam foram os primeiros a dizer – com uma honestidade notável, há que reconhecê-lo – que nenhuma daquelas práticas ou medicamentos tradicionais tinha alguma vez sofrido qualquer tipo de escrutínio científico, e que não eram mais do que isso mesmo: tradicionais.

Pois é:
Que as pessoas tenham fé, ainda compreendo.
Mas o que nunca entenderei é como é que tantas pessoas recorrem a essa mesma fé para brincar com a sua própria saúde.
E tantas vezes com a saúde dos seus filhos.




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