segunda-feira, 2 de abril de 2007

 

O Negócio do Medo



Faz agora duas semanas estive em Espanha, mais exactamente na Galiza.
Como não podia deixar de ser, passei em Santiago de Compostela para visitar a sua famosa catedral.

E a sua fama é mais do que merecida: é, na realidade, uma catedral absolutamente esplendorosa e uma das mais bonitas que já vi.
No seu interior, as curiosas e tradicionais reverências dos fiéis aos ícones que se encontram logo à entrada.
E também a suprema ironia dos símbolos maçónicos inscritos por todo o lado (mesmo até no topo da abóbada central), mas principalmente o inqualificável desplante da quantidade de cruzes e ícones templários que se encontram expostos e que, paradoxalmente, parecem até ter-se transformado na própria imagem de marca e distintiva da catedral.

E foi então que vi um dos espectáculos mais chocantes com que já deparei em toda a minha vida!
Não que nunca antes tivesse visto pessoas ajoelhadas em confessionários a bichanar inconfessáveis segredos a padres escondidos em caixotes de madeira.

Mas desta vez foi diferente. Muito diferente.

Aquele confessionário tinha dois genuflexórios, um de cada lado. Mas ninguém os ocupava.
Passei ali bem perto, e vi que o padre, com os paramentos do costume, tinha aberto totalmente as duas meias portas da sua gaiola, e estava sentado virado para a frente.
Diante dele, ajoelhado directamente no chão estava um homem, talvez dos seus vinte e muitos anos.
Ao contrário do que é costumeiro, o homem confessava-se falando cara a cara com o padre e à vista de toda a gente.

Falava em voz baixa.
O padre olhava-o de cima, meio de soslaio, apoiava o queixo numa mão e abanava a cabeça de vez em quando, como que a dizer que estava a ouvir o homem. Mas era óbvio que não conseguia disfarçar um ar de incontrolável tédio.

Mas o que me chocou foi o homem.
Claro que não lhe consegui ouvir uma palavra.

Mas ali estava aquele homem, ainda jovem, e que ali, à vista de toda a gente, se humilhava conscientemente a si próprio.
Ali estava um homem completamente despojado de qualquer réstia de dignidade, prostrado servilmente de joelhos perante um outro homem.

Gesticulava muito, talvez a tentar explicar melhor o que dizia. Encolhia os ombros e abria muito os braços como que a pedir compreensão.

Mas o que mais me chocou foi aquele ar de súplica canina, aquele espectáculo degradante de quem perdeu todo o respeito por si próprio, de que já nem se apercebe que deixou de ser um homem livre.

Confessava obviamente ao padre algo que tinha feito e de que, certamente, lhe dizia que estava muito arrependido.
E então, arrependido ou não, ali estava aquele homem, transformado agora num ser abjecto, ali de joelhos a reduzir-se a si próprio a não mais do que a um cão servil.

Um homem humilhado, um cobarde incapaz de se confrontar com a sua própria consciência, a implorar humildemente a um mercenário do medo, a um assalariado de uma multinacional de aldrabões, a um tonto palhaço paramentado, que lhe concedesse o especial favor e a imensa graça de um negócio:
Que lhe trocasse a sua liberdade, a sua honra, o respeito por si próprio e tudo o que ainda lhe restava da sua dignidade e consideração, por um perdão em forma de meia dúzia de ladainhas, por uma indulgência, por uma espécie de amnistia que o livrasse do terror das eternas penas do Inferno.

E era precisamente essa troca que aquele homem e aquele padre ali negociavam, despudoradamente e à vista de toda a gente.

Uma coisa é certa:
Nunca entenderei como alguém que se considera, e com um mínimo de honra, de dignidade e de respeito por si próprio, pode dizer de cabeça erguida que professa uma religião.




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