quinta-feira, 12 de abril de 2007
O crédito, o bom nome e a reputação
É curiosa a coincidência de ter sido na mesma semana em que o Primeiro-ministro José Sócrates lá decidiu prestar esclarecimentos públicos sobre as suas habilitações literárias e sobre o modo como as obteve, que veio também a lume o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que condenou o jornal «Público» a pagar 75.000 euros de indemnização ao Sporting Clube de Portugal.
Este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é, de facto, uma peça de um rigor técnico-jurídico inquestionável, e constitui, sem dúvida, mais um belo exemplo da brilhante tradição jurisprudencial portuguesa.
E que ficará para sempre, estou certo, nos anais e na história da Justiça portuguesa.
Como tantas outras decisões judiciais antes ficaram, como é exemplo de escola aquela da absolvição dos dois violadores que, coitados, não tinham mais do que cedido à ignóbil provocação de duas jovens estrangeiras que, pasme-se, tinham, elas sim, ousado andar a passear-se indecentemente na «coutada do macho latino».
Desta vez o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a publicação por parte do «Público» de uma notícia que dava conta que o Sporting Clube de Portugal tinha uma dívida fiscal de cerca de 460.000 contos tinha ofendido «o crédito, o bom nome e a reputação» do Clube.
Mas então a notícia era falsa?
Não! A notícia era rigorosamente verdadeira!
Mas, para o Supremo Tribunal de Justiça, não é isso que está em causa.
O que o Supremo Tribunal de Justiça considerou é que a publicação da notícia prejudicou, realmente e de facto, e independentemente mesmo da sua veracidade, «o crédito, o bom nome e a reputação» do Sporting e constituiu, por isso e em concreto, um ilícito.
Mas um ilícito tão grave, que nem sequer o direito a informar ou até a liberdade de imprensa que o «Público» invocou são susceptíveis de o justificar e, por isso, de o afastar.
Porque, continua o acórdão, no «espaço de liberdade e instrumento de poder» que são os órgãos de comunicação social, decorre um conflito entre, por um lado, a liberdade de expressão e de informação que lhe é inerente e, por outro, «os direitos das pessoas postos em causa pelo seu exercício, designadamente o direito pessoal à integridade moral, incluindo o bom nome ou reputação».
Deste modo, «a liberdade de imprensa deverá ser limitada quando por via do seu exercício possa ser negativamente afectado o direito ao bom-nome das pessoas».
E tudo isto independentemente, claro está, da veracidade ou não da notícia que foi publicada.
Ora bem:
É aqui que surge a curiosa coincidência entre a data da publicação deste histórico acórdão e a polémica à volta das habilitações literárias do Primeiro-ministro.
Porque, e isso é um facto que ninguém negará, todas as notícias divulgadas pelos jornais, rádios e televisões, e até blogues, a levantar suspeições sobre as suas habilitações e a lançar suspeitas de favorecimento na sua obtenção, prejudicaram objectivamente «o crédito, o bom nome e a reputação» de José Sócrates.
Cá para mim toda esta polémica não passa de uma ignóbil manobra de tentar desacreditar um Primeiro-ministro inquestionavelmente honesto e que, como há muito não havia memória em Portugal, não tem hesitado em cortar a direito por interesses instalados há décadas e a meter a mão em todos os ninhos de vespas que lhe aparecem à frente.
Mas isso é outra conversa.
O que interessa agora é saber:
Tais notícias são verdadeiras?
As notícias foram publicadas por toda a comunicação social no exercício legítimo do direito de informar e da liberdade de imprensa?
As suspeitas levantadas são legítimas?
Pois bem:
Para o Supremo Tribunal de Justiça isso não interessa para nada.
O que interessa é que, verdadeiras ou não, credíveis ou infundadas, as notícias que foram publicadas prejudicaram objectivamente «o crédito, o bom nome e a reputação» de José Sócrates.
E isto é um facto incontestável, e que ninguém no seu juízo perfeito ousará negar.
Por isso, é bom que todos os órgãos de comunicação social portugueses se ponham a pau com o Supremo Tribunal de Justiça...