sábado, 25 de fevereiro de 2006
Direito de Pernada em Democracia
Sobre uma notícia do «Público» a propósito da lei sobre reprodução assistida, este excelente post do João Miranda no «Blasfémias»:
«Os homens poderosos sempre se preocuparam em controlar a sua reprodução e a da concorrência. Os senhores feudais e os chefes de clã tinham direito de pernada sobre as recém casadas, os grandes latifundiários sobre as criadas, os grandes imperadores sobre os seus haréns servidos por homens castrados, os homens de posses sobre a mulher e a amante e os grandes exércitos sobre as mulheres dos povos conquistados. Por isso, é natural que os nossos deputados queiram decidir por que métodos e com que meios financeiros é que nós nos podemos reproduzir. É certo que, graças aos meios democráticos, o procedimento é muito mais civilizado, mas os motivos e os resultados são os mesmos»
O mesmo se passa com o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, e o reconhecimento efectivo e prático da desconformidade constitucional do Código Civil nesta matéria.
Quando os partidos políticos aproveitam a agitação social causada por duas mulheres que foram a uma Conservatória para se casarem, para apresentarem à pressa um «anteprojecto de lei» que prevê a alteração do Código Civil, para daí procurarem retirar uma reputação de progressismo e de coragem política, mas depois agendam a sua discussão para daqui a quase dois anos, isso é de uma iniquidade inqualificável e de um aproveitamento político baixo e abjecto.
Porque, tal como quando se diz que se está «a pensar» na legislação sobre a investigação de células estaminais e sobre a reprodução medicamente assistida, anunciar o agendamento de alterações ao Código Civil para o tornar conforme à Constituição «lá para os fins de 2007» é, na prática, reconhecer a necessidade dessas alterações e que a inconstitucionalidade efectivamente existe.
E é, também, reconhecer que em ambas as situações estamos perante problemas que, afinal, afectam e dizem respeito a centenas de milhar de portugueses!
Mas quando os nossos deputados, quando a sede do poder legislativo democrático português que é a Assembleia da República consegue conviver dois anos com a inconstitucionalidade da principal lei civil e, por manifesta falta de coragem política, se conforma com a situação entretanto vivida por centenas de milhar de pessoas, isso já revela uma sobranceria sobre os portugueses e um autêntico atestado de atraso mental e de menoridade que não posso admitir.
E revela que os nossos deputados assumem e se tomam por dotados de uma espécie de inteligência luminosa que lhes permite definir altos critérios de oportunidade que só eles conhecem. E também de uma superioridade intelectual e política sobre todos os demais portugueses que eu não reconheço – nem a um só – dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República.