sábado, 29 de abril de 2006

 

Cartoon






Este cartoon, da autoria do desenhador francês Bernhard Willem Holtrop e publicado no «Libération», foi galardoado com o 2º prémio da categoria “cartoon editorial” do «World Press Cartoon» que se realizou no Centro Olga Cadaval em Sintra.


quinta-feira, 27 de abril de 2006

 

A Ovelha Tresmalhada



Com pompa e circunstância, abriu no Parque das Nações o novo «Casino de Lisboa».

Que fique bem claro que nada tenho contra os Casinos.
Tanto assim que, logo que possa, também eu vou fazer uma visita ao novo Casino e derreter umas massas. De preferência na companhia de um amigo com quem costumo jogar a meias, que assim gasta-se menos e o dinheiro “rende” mais.

Nada tenho contra os Casinos, mas não posso esquecer quão frequentemente os Casinos significam a completa desgraça financeira, profissional e familiar de tantas e tantas pessoas.
Por isso, e não só pelos gigantescos milhões que o jogo lhe rende, o Estado não pode demitir-se da sua responsabilidade de regular muito cuidadosamente esta indústria tão complexa.
Porque em cada pessoa que entra num Casino para se divertir existe também um viciado em jogo, um ludopata, em potência.

Nem que seja pelo ilusório engodo das «slot-machines» baratinhas, só espero que no novo «Casino de Lisboa» o Estado não se demita das suas responsabilidades e que essa regulação exista efectivamente.

Porque no «Casino Estoril», por exemplo, não existe!

Mas eu explico:
Para quem não saiba, existe em Portugal legislação específica que permite a um jogador requerer a sua própria "auto-proibição" de entrar nos Casinos em todo o território nacional.

Esta é, em si, uma medida extraordinária, e representa uma defesa efectiva para quem, num momento de lucidez, ou convencido pela família ou amigos, quer de uma vez por todas afastar-se do vício do jogo.
E a solução é simples: basta fazer um simples requerimento à Inspecção Geral de Jogos, e já está.

Pois é: mas não está!...

Não está, porque logo à partida, e numa política absolutamente incompreensível, discricionária e completamente destituída de legalidade e razoabilidade, a Inspecção Geral de Jogos não defere pedidos de auto-interdição por tempo superior a 1 ano, apesar de a Lei prever claramente a possibilidade de um jogador a solicitar por um período de 3 anos.
Como se a própria Inspecção Geral de Jogos não quisesse que mais uma ovelha esteja tresmalhada por muito tempo...

Depois, o deferimento de um pedido de auto-interdição pode demorar vários meses, e somente depois de pedidos sucessivos de novos e novos documentos e burocracias inúteis, que a Lei nem sequer prevê.

Mas depois é que vem o pior:
Como é bom de ver, só porque está interditado administrativamente de entrar num Casino, no «Casino Estoril», por exemplo, como foi o caso de um amigo que acompanhei, o jogador inveterado ou viciado não perde o impulso irresistível de ir jogar.
É isso, aliás, que caracteriza o seu vício, a sua ludopatia.
E é por isso, como é óbvio, que existe a lei de auto-interdição.

Só que, na prática, nada impede um jogador já oficialmente interditado de entrar no «Casino Estoril», sendo até diariamente encorajado com tostas mistas e bebidas gratuitas.

Sem que a Inspecção Geral de Jogos e os seus funcionários em permanência nos Casinos se preocupem com isso, sem que a administração do «Casino Estoril» mexa uma palha para o impedir, qualquer jogador, por muito interditado que esteja, é acolhido como um filho pródigo nas salas de jogo para, uma vez mais, espatifar autenticamente todo o dinheiro que tem.

O dinheiro que tem, e também o dinheiro que não tem: porque para isso os agiotas que pululam impunemente por todo o Casino se encarregam de lhe emprestar dinheiro com juros a 10%, uma indústria altamente florescente exercida em parceria por alguns funcionários do próprio Casino.

Um belo dia, procurei que um amigo já oficialmente interditado pela Inspecção Geral de Jogos fosse efectivamente impedido de entrar nas salas de jogos.
Depois de negociar as suas dívidas com meia dúzia de “maleiros” o pagamento a prestações das agiotagens, eu e outro colega solicitámos uma reunião ao Director de Jogo do «Casino Estoril», instando-o a tomar medidas concretas nesse sentido e, ao fim e ao cabo, a cumprir a lei.

Qual não foi o meu espanto quando o homem nos explicou tranquilamente que a direcção do «Casino Estoril» não ia fazer rigorosamente nada.
E não hesitou em argumentar imbecilmente que quem é o único responsável por impedir um jogador interditado de entrar dentro de um Casino é... o próprio jogador!!!

E o que é facto é que por muito que argumentasse não consegui tirar esta cretinice da cabeça peregrina do Director de Jogo do «maior Casino da Europa».

Mas talvez a explicação seja, afinal, muito simples:
Pois não são precisamente os jogadores viciados e dependentes os que mais contribuem para o crescente florescimento da indústria do jogo?


terça-feira, 25 de abril de 2006

 

Funchal, Vila Morena



Comemora-se hoje o 25 de Abril em todo o país.
Com excepção da Região Autónoma da Madeira.

Mas só quem não sabe como aquilo funciona ainda se pode admirar:
Alberto João Jardim está rodeado de uma corte de carneiros que se tornaram dependentes do Governo Regional e, obviamente, de quem tem sobre ele um poder absoluto e incontestado.

Rodeiam respeitosamente o seu Chefe Supremo, e entre as “ponchas” que começam a tomar logo ao pequeno almoço, curvam-se respeitosamente perante o Mestre, riem-se alarvemente das suas piadas e anedotas, partilham com ele conquistas e segredos de alcofa, confirmam-lhe regularmente o seu extraordinário brilhantismo intelectual e explicam-lhe como ele tem um instinto político como em Portugal “ainda ninguém houvera visto”.
Às vezes até lhe sugerem que se candidate à Presidência da República!

E ai de quem lhe diga que não. Ai de quem diga ao Bokassa da Madeira que qualquer coisa “não é bem assim”: acabavam-se imediatamente os subsídios e os tachos, e nem sequer conseguiria encontrar alguém que na iniciativa privada ousasse dar-lhe a mão.

Habituado a ser abjectamente bajulado, acostumado a ser tratado como um génio da Humanidade e a que se riam a bandeiras despregadas das suas mais singelas piadas, onde até na Assembleia Regional lhe procuram imitar o estilo, o pobre do Alberto João, como é normal, foi-se convencendo ao longo dos anos que é o “Maior da Cantareira”, o nº 1 lá do bairro.

Com esta coisa das comemorações do 25 de Abril estou absolutamente persuadido que se passou exactamente o mesmo.
Sinceramente não acredito que nem o Alberto João Jardim possa ser tão estúpido e imbecil que despreze o 25 de Abril e o considere assim tão prejudicial, principalmente para as autonomias insulares e para as cliques partidárias que à sua sombra se formaram.
E que até nem acenda todos os dias uma velinha a Nossa Senhora para que esta, entre as bananas da Madeira e os subsídios do Continente, lhe mantenha as coisas tal e qual como estão.

Simplesmente o brilhante guru, talvez depois de um desfile carnavalesco mais animado, deve ter dado consigo mesmo a pensar como poderia uma vez mais exibir-se e dar nas vistas, “épater le bourgeois” continental, talvez chatear um pouco o Sr. Silva e, como é bom de ver, fazer soltar umas boas gargalhadas à malta depois de mais uma bela jantarada, paga com o cartão de crédito sabe-se lá de quem.

E se bem o pensou, melhor o fez.
E foi então que apareceu este “boicote” às comemorações do 25 de Abril na Madeira.
Simplesmente, ninguém à sua volta ousou dizer que era uma ideia imbecilóide.
Mais do que isso, rodeado de “yes men” subsídio-dependentes, o coitado do Alberto João nem sequer tem um amigo que tenha a coragem de lhe dizer que neste momento, por estas e outras coisas, não é mais do que o motivo de chacota nacional em todo o país, e já ninguém mais o leva a sério.

De facto, as palhaçadas, as cambalhotas ordinárias e as bacoradas cretinas de Alberto João Jardim já não me perturbam nem incomodam.
Já só me fazem pena...


domingo, 23 de abril de 2006

 

Aqui mesmo ao lado...



...no «Advogado do Diabo»:




- «O Quarto Passo», as alegações de recurso da Teresa e da Lena para o Tribunal da Relação de Lisboa.







sexta-feira, 21 de abril de 2006

 

O Destino do Dinheiro



Segundo o «New York Times», a Arquidiocese Católica de Boston acabou de tornar públicos os seus livros contabilísticos.

Foi assim que se soube que esta famosa filial do Vaticano, tornada mundialmente célebre pelos sucessivos escândalos de pedofilia dos seus mais ilustres clérigos, apresenta um défice de 46 milhões de dólares.

Ficou também a saber-se que foram pagos às vítimas de abusos sexuais mais de 150 milhões de dólares em acordos judiciais destinados a abafar as acusações de pedofilia de que eram alvo os padres da Arquidiocese, e a impedir que os mesmos se vissem a contas com a justiça criminal americana.

Muitas vezes me interroguei qual o destino efectivo dos objectos de valor e do dinheiro que as pessoas doam nas missas ou colocam na caixa das esmolas das igrejas por esse mundo fora, seja para comprar o perdão para os seus pecados, seja com a ilusão de que esse dinheiro servirá para ajudar pessoas verdadeiramente necessitadas.

Agora já sei...


quarta-feira, 19 de abril de 2006

 

O Pogrom de Lisboa



Foi exactamente há 500 anos.

O dia 19 de Abril de 1506 amanheceu pacífico e soalheiro.
Na igreja de São Domingos, em Lisboa, a missa dessa manhã decorria provavelmente com a calma modorra do costume.

Mas, de súbito, a placidez da missa foi interrompida por um estranho fenómeno que se oferecia perante os olhos de todos os fiéis: a imagem do Cristo pregado na cruz que se encontrava sobre o altar estava iluminada por uma estranha e misteriosa luz.
A superstição e a exacerbada crença dos fiéis imediatamente os fez acreditar estar na presença de um milagre: a imagem do Cristo parecia até que irradiava luz própria.

Todos se ajoelharam em fervorosas preces, em êxtase perante aquele milagre que se lhes oferecia, ali mesmo, à frente dos seus olhos.

Mas há sempre um desmancha-prazeres em histórias como estas: um dos fiéis mais afoitos logo se apressou a explicar aos seus colegas de missa que a luz nada tinha de misteriosa, pois provinha simplesmente do reflexo de uma candeia de azeite que estava ali próxima.

E pronto! Caiu o Carmo e a Trindade!

A primeira coisa que alguém descobriu foi que o chico-esperto era um cristão novo, um judeu convertido à pressa mas, pelos vistos, demasiado depressa.
Foi o suficiente para logo dali o arrastarem pelos cabelos para o adro da igreja, onde foi imediatamente chacinado pela multidão dos fervorosos tementes a Deus, e o seu corpo queimado no local.

O êxtase místico da multidão logo se propagou a toda a cidade.
Lisboa parecia ter ela própria enlouquecido.

Respeitáveis representantes do clero católico saíram dos seus pacatos refúgios de oração e percorriam as ruas de um lado para o outro empunhando crucifixos e gritando: «Heresia! Heresia!».

A multidão depressa foi engrossando e, ajudada até por marinheiros holandeses e dinamarqueses que se encontravam no porto, iniciou uma gigantesca rusga por toda a cidade.

Para evitar o caos e a anarquia, sempre más conselheiras, os padres e frades dominicanos tomaram a piedosa responsabilidade de organizar convenientemente o tumulto: judeu ou cristão-novo que era identificado ou apanhado, era imediatamente preso e levado para o Rossio e ali era queimado em gigantescas fogueiras que os escravos municiavam ininterruptamente de lenha.

Os judeus e os cristãos novos, homens e mulheres, que se refugiavam em casa eram arrancados à força dos seus esconderijos. Até as crianças de berço eram fendidas de alto a baixo ou esborrachadas de encontro às paredes.

Como mesmo nestas coisas da fé é sempre bom juntar o útil ao agradável, o misticismo assassino daqueles fervorosos e bons católicos não os impediu de pilhar as casas por onde passavam e de ajustar velhas contas com inimigos que muitas vezes nada tinham a ver com o judaísmo.
Mesmo os que se refugiavam nas igrejas e se agarravam desesperadamente às imagens dos santos eram levados e arrastados à força para o Rossio e queimados vivos.

A chacina durou dois dias e só terminou por puro cansaço da populaça.
Relatos da época falam no sangue que escorria pelas ruas abaixo no Bairro Alto ou na Mouraria.
Calculam os historiadores que nesta matança em nome dos mais sagrados princípios e da pureza do catolicismo morreram mais de 4.000 pessoas.

Tudo, claro, em nome dessa coisa extraordinária que algumas pessoas têm e que tanto se orgulham de ter, que se chama «Fé».
Tudo feito por bons católicos.
Tudo em nome de Deus.






Como não podia deixar de ser, adiro entusiasticamente ao extraordinário desafio lançado pelo Nuno Guerreiro:
Também eu irei hoje ao Rossio acender uma vela simbólica em memória destas vítimas do fanatismo religioso católico.


(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


segunda-feira, 17 de abril de 2006

 

A Tolerância Cristã



Segundo o «Los Angeles Times», Ruth Malhotra, uma piedosa cristã de Atlanta, nos Estados Unidos, decerto uma mulher de muita fé (o que é sempre uma coisa muito bonita), resolveu recorrer aos tribunais para defender o seu direito a ser intolerante.

Diz esta mulher muito temente a Deus e seus correligionários que a sua fé a compele a falar contra a homossexualidade e a discriminar os homossexuais, e que qualquer política de tolerância que a impeça de o fazer representa uma inaceitável violação ao seu direito de liberdade de expressão religiosa.

Como não podia deixar de ser, já apareceu um padre a apoiar a caridosa senhora, numa iniciativa que se enquadra mesmo num crescente movimento que nos Estados Unidos proclama o fim das políticas de tolerância e de não discriminação.
Disse o reverendo Rick Scarborough que este movimento representa a verdadeira luta pelos direitos civis do século XXI.
Os cristãos, diz ele, vão ter de tomar uma posição pelo seu direito a ser cristãos.

Com o mesmo objectivo a «Christian Legal Society», uma associação de juizes e advogados, formou um movimento nacional para combater as políticas de tolerância no tribunal federal.

O argumento desta gente é absolutamente extraordinário: as políticas de protecção à discriminação aos homossexuais significam elas próprias uma discriminação contra os cristãos que pretendem discriminar os homossexuais.
Por outras palavras, a tolerância é em si mesmo intolerante. E vice-versa, provavelmente.

Por outras palavras ainda: o direito à intolerância e à discriminação é, pelos vistos, um direito essencialmente cristão...


sexta-feira, 14 de abril de 2006

 

Só uma pequena dúvida...



Na sexta-feira santa comemora-se o dia em que Jesus Cristo morreu crucificado.

Ou seja (e se Deus é Pai, é Filho e é Espírito Santo), então comemora-se o dia em que morreu crucificado o filho de Deus, o que, aliás, é a mesma coisa que dizer que é o dia em que Deus morreu crucificado e em que o Espírito Santo também não teve melhor sorte.

Ou seja, comemora-se o dia em que morreu crucificado o filho que foi enviado por Deus para morrer pelos nossos pecados, o que, aliás, é a mesma coisa que dizer que é o dia em que morreu crucificado aquele que se enviou a si próprio para morrer.

Ou seja, comemora-se o dia em que Jesus Cristo se suicidou.

Mas não considerava a Igreja o suicídio como um pecado mortal, que impede mesmo o suicida de entrar no Reino dos Céus?




quarta-feira, 12 de abril de 2006

 

Já chegámos à Madeira…



Segundo o «Jornal de Notícias», o bispo do Funchal, o Sr. Teodoro Faria, exortou os jovens a não participarem num "evento musical" denominado «Madeira Paradise Dance Festival 2006», marcado para a próxima sexta-feira santa.

Segundo o ilustre bispo, um evento musical realizado numa sexta-feira santa constitui «uma falta de respeito às convicções religiosas do nosso povo», no que logo foi seguido por um grupo de padres e leigos que, em fiel obediência canina, resolveram bolsar no «Diário de Notícias» do Funchal um documento contra a realização do evento.

Este deslumbramento místico primitivo e esta persistente mania dos católicos de quererem determinar a vida de toda a gente, fez-me lembrar que aqui há já uma data de anos, quando me encontrava de férias na Madeira, resolvi visitar a velha igreja do Monte (nos arredores do Funchal), uma bela edificação do século XVII, onde está sepultado Carlos de Habsburgo.
A igreja estava ricamente decorada e, como é tradicional na Madeira, cheia de flores.

Mas, a certa altura, reparei numa coisa estranha e incrivelmente bizarra: alguém tinha retirado aos antúrios e aos jarros que decoravam a igreja as suas características flores centrais dispostas em espigão, deixando-os reduzidos às brácteas laterais e à folhagem verde circundante.
Como não podia deixar de ser, perguntei às ratas de sacristia que se encontravam no local a decorar a igreja a razão de ser daquele estranho costume.
Qual não foi o meu espanto, quando me explicaram que os espigões centrais dos antúrios e dos jarros tinham sido retirados, e muito bem, por ordem do senhor padre.

- Bem vê – disseram-me – é que o senhor padre diz que com aqueles espigões as flores ficam de facto muito ordinárias!...

Não há dúvida que o deslumbramento burgesso de Alberto João Jardim e seus apaniguados encontra perfeito eco no clero madeirense, no seio de quem, aliás, o inefável padre Frederico sempre foi acolhido como um igual, e desta vez determinado em castrar a natureza de tanta ordinarice.

Como também não restam dúvidas de que não há nada como a abstinência forçada para transformar qualquer ser humano num perfeito tarado sexual.


segunda-feira, 10 de abril de 2006

 

O Primeiro Mês



Foi já há um mês que tomou posse o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Eleito à primeira volta com uma maioria de 50,7%, a popularidade do Presidente subiu só neste primeiro mês do seu mandato para 57%.


Ou seja:
Tendo sido eleito por quem não sabia o que ele ia fazer, não há dúvida que o estar a não fazer nada tem dado os seus frutos...


sábado, 8 de abril de 2006

 

A pouco e pouco...




quinta-feira, 6 de abril de 2006

 

A Tentação



Era, na realidade, uma mulher muito bonita.

Procurara-me porque pretendia divorciar-se do marido.
Casada há pouco mais de seis anos e com um filho de cinco, a decisão do divórcio era irredutível e, disse-me, tomada há já longo tempo.
As negociações com o advogado do marido foram até invulgarmente simples, e em muito pouco tempo tínhamos conseguido o divórcio por mútuo consentimento.

No final, embora ela não tivesse de o fazer, penso que adivinhou a minha curiosidade e acabou por me contar o que tinha conduzido à ruptura do seu casamento.

Como o marido era um fervoroso católico, casara-se pela igreja muito nova e ainda virgem, numa cerimónia muito bonita e cheia de gente bem.
Ela e o marido tinham combinado “mandar vir” um filho logo após o casamento e, de facto, menos de um ano depois nascera o único filho do casal.

Só que, logo pouco depois do nascimento do filho, começou a notar um notório afastamento do marido. O sexo desapareceu subitamente das suas vidas e o marido passou até a dormir no sofá da sala.

A primeira coisa que pensou foi que o marido era afinal homossexual; mas o problema não era esse.
Ao fim de muitas insistências, repetidas até ao logo de vários anos, o marido acabou um belo dia por lhe contar toda a verdade:
Não só era um piedoso católico como era até membro da Opus Dei.
Ora, como tinha combinado com a mulher não terem por enquanto mais filhos, o marido não queria manter com ela um relacionamento sexual como uma frequência tal que pudesse ser interpretada como pecado ou que não tivesse a procriação como objectivo primordial. A pílula, o preservativo ou qualquer outro método anticoncepcional estavam absolutamente fora de questão, porque, como é bom de ver, constituíam um pecado e estavam proibidos pela Igreja.

A sua decisão de dormir no sofá da sala tinha uma explicação muito mais simples: como reconhecia que a mulher era muito bonita, não queria dormir com ela para não cair em tentação.

Durante algum tempo a mulher tentou ainda lutar pelo seu casamento, mas há já um bom par de anos acabara por desistir, face à intransigente persistência do marido.

Pois é:
Estou absolutamente convicto que este piedoso e fervoroso católico, ainda por cima membro da Opus Dei e tão fiel às suas convicções, quando morrer vai entrar direitinho para o Céu.

Mas, pelo que a mulher me contou ainda, sei também que vai entrar, sim, mas com um grande par de cornos...



(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)


quarta-feira, 5 de abril de 2006

 

Cá para nós, tudo bem!



Na madrugada de 18 para 19 do passado mês de Fevereiro um grupo de 12 menores com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos, todos internados nas «Oficinas de São José», no Porto, espancaram repetida e selvaticamente um homossexual, sem abrigo e toxicodependente, com cerca de 35 anos de idade.
Depois, atiraram-no ainda com vida, para o fundo de um poço no piso subterrâneo de um parque de estacionamento, onde viria a morrer afogado.
Os jovens internos já há muito que conheciam a vítima, que aliás se divertiam frequentemente a provocar.

Ora, como seria de esperar a entidade responsável pela instituição onde estavam internados os jovens abriu um rigoroso inquérito aos acontecimentos.
Os resultados desse inquérito, agora divulgados, concluíram pela “inexistência de qualquer violação dos regulamentos das «Oficinas de São José»”.

Quer isto dizer que, segundo a entidade responsável por aquela instituição, 12 menores, alguns deles no princípio da adolescência, estão perfeitamente autorizados a sair a altas horas da noite e nenhum regulamento violam se resolverem divertir-se a espancar até à morte um ser humano.
Provavelmente porque os jovens são membros de uma respeitável instituição católica e porque o morto era simplesmente um homossexual.

Só resta dizer que a entidade responsável pelas «Oficinas de São José» e pelo resultado deste brilhante inquérito é a Diocese do Porto.
Está, portanto, tudo bem.

É sempre bom quando conhecemos com mais profundidade os valores pelos quais se regem as instituições católicas...


terça-feira, 4 de abril de 2006

 

A Intolerância Cor-de-rosa



Fui ontem convidado para participar num debate no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, subordinado ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Um convite que, como é óbvio, não deixou de me honrar pessoalmente.

Foi um debate interessantíssimo, moderado por um professor cuja competência foi ainda mais realçada por ser de opinião manifestamente contrária à minha.
As perguntas dos alunos, no final, revelaram um interesse, um conhecimento e uma abertura intelectual no meio Universitário que não deixou de me surpreender, até pela juventude dos intervenientes.

Poderia a discussão ter sido, porventura, mais interessante e esclarecedora, não fora uma outra interveniente, igualmente convidada pela Universidade, ter declinado o convite por se recusar terminantemente a participar num debate... em que eu estivesse.

Trata-se de uma deputada, eleita pelo Partido Socialista, de nome Maria do Rosário Carneiro.

Claro que não sei nem faço a mínima ideia (e também, a bem dizer, não quero saber), porque motivo a Srª. deputada não quis participar num debate em que eu estivesse presente.
Não terá sido, decerto, por qualquer tipo de temor intelectual.
Nem, com toda a certeza, por qualquer forma de discriminação.

Mas não deixa de ser curioso que esta ilustre deputada (para além de ser professora na Universidade Católica), foi presidente da «Rede Europeia de Comissões Parlamentares para a Igualdade de Oportunidades» e pertence agora à «Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias» da Assembleia da República.

Pela firmeza das suas convicções, estou absolutamente persuadido da competência, da imparcialidade, do extremo rigor e da eficácia com que esta deputada exerce os cargos para que foi eleita...


 

Blog



Há um novo Blog que promete vir a dar que falar por essa blogosfera fora:
É o «Retalhos Na Vida De Um Prof», da autoria do nosso conhecido “Geolouco”.


E eu que pensava que os professores não tinham tempo para essas coisas...


segunda-feira, 3 de abril de 2006

 

A Contribuição Portuguesa



Segundo o «Expresso», o Governo prepara-se para “diminuir consideravelmente” a taxa de alcoolemia permitida para a condução em Portugal.

O Secretário de Estado da Administração Interna, Ascenso Simões, garante que não haverá recuo nesta decisão, afirmando que apesar de os números de 2005 das estradas portuguesas serem «globalmente positivos», os indicadores de condutores com excesso de álcool não o são, já que em 2004 morreram ao volante 667 condutores alcoolizados.

Como seria de esperar, o lobby dos produtores vitivinícolas veio uma vez mais a terreiro bramar contra esta medida, tal como o havia já feito antes, durante o Governo de António Guterres, quando ainda chegou a vigorar transitoriamente a taxa de 0,2 como alcoolemia máxima permitida nas estradas portuguesas.
Mas o barulhento lobby dos copofónicos, com o precioso apoio do PSD e do CDS, que viram nisso uma excelente oportunidade de facturar politicamente, um malabarismo legislativo na Assembleia da República, tudo junto com as costumeiras e titubeantes hesitações de Guterres, lá puseram a alcoolemia de volta aos 0,5.

No entanto, ainda foi possível constatar que na meia dúzia de meses em que vigorou a taxa de 0,2 o número de acidentes e de mortes na estrada desceu consideravelmente em Portugal.

Ou seja, pode bem dizer-se que o Governo de António Guterres deu um contributo inestimável para o estudo mundial das consequências da condução sob o efeito do álcool:
De facto, já sabíamos antes que quando se diminui a taxa de alcoolemia, isso faz imediatamente descer o número de acidentes e de mortos nas estradas.
Agora sabemos também o que sucede quando um Governo eleva de novo a taxa de alcoolemia permitida: o número de acidentes e de mortos na estrada... aumenta!

Pelos vistos, um pormenor de somenos importância para quem quer vender mais umas garrafitas de vinho...


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