quinta-feira, 27 de abril de 2006

 

A Ovelha Tresmalhada



Com pompa e circunstância, abriu no Parque das Nações o novo «Casino de Lisboa».

Que fique bem claro que nada tenho contra os Casinos.
Tanto assim que, logo que possa, também eu vou fazer uma visita ao novo Casino e derreter umas massas. De preferência na companhia de um amigo com quem costumo jogar a meias, que assim gasta-se menos e o dinheiro “rende” mais.

Nada tenho contra os Casinos, mas não posso esquecer quão frequentemente os Casinos significam a completa desgraça financeira, profissional e familiar de tantas e tantas pessoas.
Por isso, e não só pelos gigantescos milhões que o jogo lhe rende, o Estado não pode demitir-se da sua responsabilidade de regular muito cuidadosamente esta indústria tão complexa.
Porque em cada pessoa que entra num Casino para se divertir existe também um viciado em jogo, um ludopata, em potência.

Nem que seja pelo ilusório engodo das «slot-machines» baratinhas, só espero que no novo «Casino de Lisboa» o Estado não se demita das suas responsabilidades e que essa regulação exista efectivamente.

Porque no «Casino Estoril», por exemplo, não existe!

Mas eu explico:
Para quem não saiba, existe em Portugal legislação específica que permite a um jogador requerer a sua própria "auto-proibição" de entrar nos Casinos em todo o território nacional.

Esta é, em si, uma medida extraordinária, e representa uma defesa efectiva para quem, num momento de lucidez, ou convencido pela família ou amigos, quer de uma vez por todas afastar-se do vício do jogo.
E a solução é simples: basta fazer um simples requerimento à Inspecção Geral de Jogos, e já está.

Pois é: mas não está!...

Não está, porque logo à partida, e numa política absolutamente incompreensível, discricionária e completamente destituída de legalidade e razoabilidade, a Inspecção Geral de Jogos não defere pedidos de auto-interdição por tempo superior a 1 ano, apesar de a Lei prever claramente a possibilidade de um jogador a solicitar por um período de 3 anos.
Como se a própria Inspecção Geral de Jogos não quisesse que mais uma ovelha esteja tresmalhada por muito tempo...

Depois, o deferimento de um pedido de auto-interdição pode demorar vários meses, e somente depois de pedidos sucessivos de novos e novos documentos e burocracias inúteis, que a Lei nem sequer prevê.

Mas depois é que vem o pior:
Como é bom de ver, só porque está interditado administrativamente de entrar num Casino, no «Casino Estoril», por exemplo, como foi o caso de um amigo que acompanhei, o jogador inveterado ou viciado não perde o impulso irresistível de ir jogar.
É isso, aliás, que caracteriza o seu vício, a sua ludopatia.
E é por isso, como é óbvio, que existe a lei de auto-interdição.

Só que, na prática, nada impede um jogador já oficialmente interditado de entrar no «Casino Estoril», sendo até diariamente encorajado com tostas mistas e bebidas gratuitas.

Sem que a Inspecção Geral de Jogos e os seus funcionários em permanência nos Casinos se preocupem com isso, sem que a administração do «Casino Estoril» mexa uma palha para o impedir, qualquer jogador, por muito interditado que esteja, é acolhido como um filho pródigo nas salas de jogo para, uma vez mais, espatifar autenticamente todo o dinheiro que tem.

O dinheiro que tem, e também o dinheiro que não tem: porque para isso os agiotas que pululam impunemente por todo o Casino se encarregam de lhe emprestar dinheiro com juros a 10%, uma indústria altamente florescente exercida em parceria por alguns funcionários do próprio Casino.

Um belo dia, procurei que um amigo já oficialmente interditado pela Inspecção Geral de Jogos fosse efectivamente impedido de entrar nas salas de jogos.
Depois de negociar as suas dívidas com meia dúzia de “maleiros” o pagamento a prestações das agiotagens, eu e outro colega solicitámos uma reunião ao Director de Jogo do «Casino Estoril», instando-o a tomar medidas concretas nesse sentido e, ao fim e ao cabo, a cumprir a lei.

Qual não foi o meu espanto quando o homem nos explicou tranquilamente que a direcção do «Casino Estoril» não ia fazer rigorosamente nada.
E não hesitou em argumentar imbecilmente que quem é o único responsável por impedir um jogador interditado de entrar dentro de um Casino é... o próprio jogador!!!

E o que é facto é que por muito que argumentasse não consegui tirar esta cretinice da cabeça peregrina do Director de Jogo do «maior Casino da Europa».

Mas talvez a explicação seja, afinal, muito simples:
Pois não são precisamente os jogadores viciados e dependentes os que mais contribuem para o crescente florescimento da indústria do jogo?




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