segunda-feira, 11 de junho de 2007

 

Mas afinal quem é que manda aqui?



Num artigo do «Expresso» que intitulou «O Pulo do Lobo e a Estratégia da Aranha», Miguel Sousa Tavares escreve a determinada altura:

«Já tínhamos visto providências cautelares deferidas porem em causa o fecho de maternidades, as aulas de substituição dos professores e até uma punição disciplinar de um militar.
Esta semana, o tribunal administrativo de Beja deferiu também uma providência cautelar que anulou um despacho do ministro da Saúde que mandou limitar ao horário entre as 8 e as 22 o funcionamento da urgência de Vendas Novas.

«Às razões de política de saúde invocadas pelo ministro, o tribunal contrapôs a opinião diversa do próprio juiz. Ou seja, um só juiz tem mais poder para definir um aspecto concreto da política de saúde do que o ministro do Governo do país - com um programa político sufragado pelos eleitores.
«Não se trata de saber quem é que tem razão, no caso concreto. Trata-se de saber qual a razão que tem legitimidade para se impor - e isso é uma questão central do Estado democrático».


De facto, há aqui qualquer coisa que não está bem.
A Democracia de um país legitima-se pela credibilização com que os seus órgãos de soberania se afirmam e pela forma como exercem, desempenham e encaram a separação de poderes que os distingue, e sem qual não é possível conceber sequer a existência de um Estado de Direito.

Mas, aparentemente, os Tribunais portugueses em geral, e os seus juizes em particular, parecem ter esquecido tudo isto.

aqui o escrevi, e até mais do que uma vez: parece que de um momento para o outro passámos a viver numa «República de Juizes».
De juizes que, de repente e sem que ninguém saiba de onde vieram, apareceram a julgar «como lhes parece» e a decidir sobre as nossas vidas.
Juizes que, aliás, ninguém elegeu!

Juizes que, sob o manto diáfano de uma protecção corporativa, pensam que se encontram no topo de uma espécie de «organização hierárquica de órgãos de soberania» que eles próprios estabeleceram.

Mas que, nem assim, se coíbem de fazer reivindicações salariais através de sindicatos formatados por inequívocas opções políticas e partidárias, e até de fazerem greves.
Numa semana, os juizes são titulares de órgãos de soberania; na semana seguinte optam por ser trabalhadores por conta de outrem!

Enquanto isto, muitos escolhem por companheiros de percurso as mais inefáveis figuras do futebol nacional, deixam-se fotografar ao seu lado e inscrevem-se até com eles nas suas estruturas organizativas onde são agraciados com «senhas de presença». Mas de que não pensam desligar-se mesmo quando é manifesta a suspeição generalizada que todo o país parece dedicar a quem ao longo dos anos tem vivido a soprar em apitos mais ou menos dourados.

Outros preferem dedicar-se à política partidária: ora são ministros, ora são deputados, ora são autarcas, e ninguém teve ainda a coragem de lhes explicar que, depois disso, nunca mais irão recuperar a reputação de inequívoca independência que – a todos os níveis – é exigida a quem julga.

Dá até a sensação que os juizes se acham acima da lei. Mesmo até acima da Constituição.
É como se o artigo 3º da Constituição tivesse sido revogado e, em vez de dizer que a soberania reside no povo, dissesse agora: «a soberania reside nos tribunais».

De tal forma que parece que estamos todos conformados a lermos de vez em quando decisões que falam da «coutada do macho latino», e que até já ninguém acha nada de extraordinário haver uma decisão de um tribunal superior que tem a autêntica desfaçatez de «determinar» primeiro a inutilidade de uma formulação constitucional, para depois aplicar uma lei ordinária em função dessa brilhante asserção técnico-jurídica.

E agora até parece de propósito:
Como se alguém tivesse dúvidas de alguma coisa do que foi dito, aparece agora um juiz do tribunal administrativo do Funchal a «mandar» o ministro das Finanças dar imediatamente a Alberto João Jardim as verbas do orçamento da Madeira que foram retidas pelo Governo.

E porque decidiu assim o nosso amigo juiz?
Porque, considerou, a decisão do ministro das finanças é... manifestamente ilegal!

E o endividamento excessivo da Região, é ilegal?
Está-se mesmo a ver a resposta:
«- Mas isso interessa para alguma coisa?»

O raciocínio é, afinal, tão simples e tão típico como considerar primeiro inútil uma determinação constitucional para depois aplicar uma lei inconstitucional em função dessa opinião pré-concebida.

A conclusão, depois disto, e como é óbvio, só pode ser uma: mande-se o dinheiro ao Alberto João, que lhe faz falta para as festas do Carnaval, para mandar fazer bandeiras do PSD para exibir nas inaugurações oficiais, ou para subsidiar o «Jornal da Madeira» ou os clubes de futebol da Região.

A decisão ministerial que foi revogada pelo tribunal era legítima, cabia dentro dos poderes de decisão políticos e administrativos do Governo e era absolutamente conforme com a lei?
Sim!
Mas afinal, o que é que isso interessa para o caso, não é?...
Afinal, quem é que manda aqui???

Não conheço o juiz do tribunal administrativo do Funchal. Nem quero conhecer.
Por isso, não vou aqui tecer considerações sobre a sua pessoa, sobre a sua competência e muito menos sobre o seu carácter.

Nem sequer vou cometer a injustiça de fazer insinuações sobre as férias que, segundo a «Visão», o Sr. Juiz passou no Porto Santo com a família a expensas do «Jornal da Madeira», para cuja sobrevivência financeira acabou de contribuir com a sua decisão.
Nem sequer vou pôr-me para aqui a imaginar a vê-lo ao final de uma tarde de Verão, sentado confortavelmente na esplanada do «Golden» à frente de uma preguiçosa imperial ou de uma saborosa «poncha», na companhia de secretários ou directores regionais, ou até de deputados do PSD à Assembleia Regional da Madeira.
Vontade não me falta, confesso; mas não vou por aí.

Mas já dou comigo a imaginar muitos juizes a ascenderem um dia ao Supremo Tribunal de Justiça e, perante o julgamento de um caso de violação de duas raparigas, por exemplo, a condenarem as vítimas e a absolverem... os violadores. E lá dou comigo a imaginar a ver escrito em mais um acórdão de um tribunal superior do meu país estas assombrosas e terríveis palavras que para sempre assombrarão e envergonharão a Justiça portuguesa: «coutada do macho latino»...




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