quarta-feira, 30 de maio de 2007

 

Uma República de Juizes



Por muitos anos que passem, será sempre nestas ocasiões que nos vem à memória aquele célebre acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, num caso de violação, considerou duas jovens violadas responsáveis pela sua própria violação.
Afinal eram elas as culpadas porque andavam a passear a pé numa região considerada a «Coutada do Macho Latino».

Desta vez, o nosso Supremo Tribunal de Justiça, uma vez mais igual a si próprio, decidiu reduzir a pena de prisão a um pedófilo condenado pela violação continuada de uma criança de 13 anos.

E se alguém pensasse que nestes tempos de raptos de menores e de sucessivas notícias de violações de crianças, algumas delas com apenas alguns meses de idade, deveriam ser os mais básicos princípios de «prevenção geral» a exigir-nos que qualquer tribunal aplicasse uma pena severa e exemplar, os senhores juizes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça consideraram precisamente o contrário: que o tribunal de primeira instância se tinha «deixado influenciar pela relevância mediática que acompanha estes casos...».

E para não nos esquecermos mesmo daquela da «coutada do macho latino», os senhores juizes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ainda nos vieram graciosamente ensinar que a violação de uma criança de 13 anos é «menos grave» que a violação de uma criança de 7 anos.

Isto mesmo quando no julgamento se apurou que o criminoso violou a criança repetidamente e ao longo de quatro anos, obrigando-a sob ameaça a estar calada e a manter-se durante todo esse tempo refém do medo do que lhe poderia fazer.
Vai daí... reduziu-se-lhe a pena!

Confesso que não sei que bicho picou de repente aos juizes portugueses.
Todos os dias continuo a encontrar, felizmente, muitos juizes dotados de uma elevadíssima consciência profissional e que revelam um grau de conhecimentos técnicos muito acima da média.
Mas, de vez em quando, lá aparece mais um, convencido que é assim uma espécie de «reencarnação de Salomão», e que de repente foi divinamente dotado de uma sapiência e de um grau de discernimento inatingível para o «comum dos mortais».

E então, decidem primeiro e encaixam as fundamentações a martelo depois, porque há muito que já decidem «como lhes parece», borrifando-se na lei, na lógica e no bom senso, e até no facto de que, como membros de um Órgão de Soberania que não foi eleito, detêm uma legitimidade democrática que ainda tem muito que se lhe diga, pelo menos enquanto continuar a parecer que ela lhes provém unicamente... do C.E.J.

Não será este o caso, decerto.
Nem aqui vou agora falar do processo do casamento homossexual, cujo recurso, como já aqui referi, vai agora para o Tribunal Constitucional.
Logo que as alegações do recurso e toda a sua fundamentação estejam entregues, aqui tornaremos a falar do assunto de forma mais completa.

Mas, por agora, e a propósito desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, lembrei-me, não sei porquê, da seguinte passagem do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já publicado, e que, a propósito do acrescento da expressão «e orientação sexual» à formulação do «Princípio da Igualdade» contida no artigo 13º da Constituição (que proíbe todas as formas de discriminação), e que a certa altura refere:
«Ademais, importa sublinhar que, ao invés do sustentado pelas recorrentes, tal acrescento efectuado pela revisão constitucional de 2004 não veio trazer qualquer elemento novo» e que, por isso, «não equivale a mais do que a uma explicitação, sem que daí possa extrair-se alguma consequência quanto a outras matérias...».

É bom de notar que não estamos aqui a falar do problema de fundo (o casamento homossexual) ou sobre a sua justeza ou legalidade. Isso é assunto diferente.
Nem estamos a referir algumas recentes revogações judiciais de decisões meramente administrativas do Governo, como se não estivesse constitucionalmente determinada uma separação de poderes.
Nem sequer nos referimos a uma qualquer consideração judicial que – obviamente contra a lei – tenha decidido julgar «desnecessários» um determinado decreto regulamentar ou uma qualquer portaria ministerial.

Não!
O que aquelas palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa querem dizer, é que já estamos numa fase muito, mas muito mais avançada.
Já chegámos a um tal estádio de evolução do nosso sistema jurisdicional, que até os juizes do tribunais ordinários já se dão ao desplante e se julgam no direito de considerar que determinadas formulações constitucionais que são aditadas à redacção original de um artigo da Constituição, de forma a definir e a melhor concretizar na prática o princípio constitucional que lhe está subjacente, «não têm consequências» nem «nada trazem de novo».

E que, por isso, claro está, são... inúteis!

E vai daí, e como são «inúteis», não são obviamente para aplicar!

Não pode ir bem, de facto, um sistema judicial e não existe já Estado de Direito se os juizes, mais do que interpretar ou do que aplicar segundo os seus critérios meramente técnicos as normas da Constituição, têm o autêntico topete e se acham já no direito de considerar a oportunidade e até a utilidade das próprias formulações e dos princípios constitucionais.
E, por isso, é óbvio, não os aplicam!

O que parece é que, encerrados no escuro dos seus gabinetes e decerto atafulhados em processos empilhados até ao tecto, o juizes portugueses fecharam-se a eles próprios dentro dos seus alvéolos corporativos, e deixaram já de saber o que se passa no país e no mundo à sua volta.

E nem sequer se apercebem que aos poucos e poucos estão a perder e a afastar-se do próprio país em que vivem.
E que assim continuarão enquanto persistirem em decidir e em julgar de costas voltadas para os cidadãos, ignorando e desprezando os sentimentos de ética que a todos une e que lhes é racionalmente comum.

Vivemos agora autenticamente sob a égide e sob a autoridade de uma... «República de Juizes».
De juizes que, de repente e sem que ninguém saiba de onde vieram, apareceram a julgar «como lhes parece» e a decidir sobre as nossas vidas.
E que ninguém elegeu!...




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