quinta-feira, 1 de março de 2007

 

Atirem-me água benta – III



Dia 19 de Fevereiro o primeiro-ministro italiano Romano Prodi teve uma reunião no Vaticano com o secretário de estado, Tarcisio Bertone, em que discutiu o execrado (pelo Vaticano) projecto de lei, já aprovado na câmara dos deputados do parlamento italiano, que reconheceria alguns direitos civis às uniões de facto.
O encontro decorreu no âmbito do aniversário do tratado de Latrão, celebrado entre Pio XI e Benito Mussolini em 11 de Fevereiro de 1929, que reconheceu o Vaticano como um Estado dentro de um Estado.

À saída do encontro, que contou mais tarde com a presença de outros membros do governo italiano e dignitários católicos, incluindo o presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Camillo Ruini, o gabinete de Prodi declarou que as conversações «cordiais e serenas» ajudaram a «fortalecer» as relações Itália-Vaticano.

Dois dias depois, a 21 de Fevereiro, Prodi demitiu-se do cargo, surpreendente e desnecessariamente, como resultado de uma derrota no Senado em questões de política externa, nomeadamente referentes ao envolvimento italiano na força da Nato no Afeganistão.
Aparentemente por uma deserção da extrema-esquerda, na realidade pela abstenção (ou ausência) de sete senadores vitalícios.
Os dois mui irrelevantes senadores comunistas terão certamente ficado muito surpreendidos com as aparentes consequências do seu voto contra. Tão surpreendidos quanto verem a abstenção do representante da Confindustria (o patronato italiano) Sergio Pininfarina, e dos «representantes» do Vaticano, o devoto ex-presidente Francesco Cossiga e o democrata-cristão Giulio Andreotti... O timing, as circunstâncias da demissão de Prodi e os desenvolvimentos seguintes merecem uma inspecção mais aprofundada.

Assim, Prodi reúne-se com representantes do Vaticano na segunda-feira para discutir um projecto de lei rejeitado pela ICAR e que seria aprovado no Senado na quarta-feira.
Prodi demite-se nessa quarta-feira, apesar de tal não ser exigido na Constituição italiana, providencialmente antes de o projecto ser aprovado.

Quinta-feira a imprensa internacional estava cheia de rumores, sobre eleições antecipadas, Silvio Berlusconi e a possibilidade de Prodi retomar o cargo.

Sexta-feira à noite, a Catholic World News, a BBC e a Reuters anunciam que Prodi chegou a um acordo de 12 pontos fundamentais com os membros da sua coligação. Entre os quais se inclui o respeito pelos compromissos internacionais italianos, nomeadamente aqueles que supostamente levaram à queda do governo.
E onde não está, como anuncia euforicamente a agência noticiosa católica, o projecto de lei que regulamentaria as uniões de facto.

No sábado, 24 de Fevereiro o president Giorgio Napolitano convidou Romano Prodi a permanecer como primeiro-ministro procurando uma maioria mais sólida no Senado.
Ontem Romano Prodi recebeu um voto de confiança por parte do Senado que garante a continuidade de seu governo de centro-esquerda, com 162 votos favoráveis e 157 contra.

Isto é, tudo fica na mesma excepto um ponto: enquanto o anterior governo de Prodi esperava o apoio no Parlamento dos seus parceiros de coligação no projecto de lei sobre as uniões de facto, uma das promessas eleitorais de Prodi, o futuro governo deu liberdade de voto sobre o tema!

Diria assim que o Liberazione tinha razão sobre a guerra do Vaticano ao anterior executivo de Prodi e que o dito encontro celebrando o tratado de Latrão fez jus à ocasião e de facto ajudou a clarificar a natureza das relações Itália sob Prodi – Vaticano.
Depois deste golpe palaciano que apenas serviu os interesses de Bento XVI, vamos em breve ver se é desta que os muitos italianos que vivem em união de facto vão ver os seus direitos reconhecidos...


- Um artigo de Palmira F. da Silva



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