terça-feira, 17 de maio de 2005
Ainda «O Filho da Puta»
O «Ciberjus» é um excelente Blog, que visito diariamente e que está linkado aqui ao lado, e é feito por juristas de grande renome.
Foi nesse Blog, em dois posts que intitulou «Homilia Irresponsável II» e «A Homilia III», que João Centeno, com bastante elevação, admito, se insurgiu contra o meu post «O Filho da Puta», onde comentei a homilia do padre que rezou a missa do 7º dia da pequena Vanessa.
João Centeno, que se confessa católico (só lhe faltava ser do Sporting para a desgraça ser completa), refere-se-me dizendo entre outras coisas:
«Pois, apesar de lamentável a homilia do padre, não menos lamentável é o texto do Dr. Luís Grave Rodrigues , que pelo modo como escreveu e o fim pretendido, não andando longe o critico do criticado. Antes pelo contrário. Muito perto».
E ainda:
«Triste é que alguém se aproveite de uma triste homilia, para se socorrer dela para atacar uma Igreja na sua totalidade, verdadeira intenção dissimulada do autor».
Sobre este e outros comentários feitos nos dois posts que referi, queria somente fazer dois ou três pequenos reparos.
Em primeiro lugar, não entendo onde foi João Centeno buscar a ideia de que eu tinha uma «intenção dissimulada» de atacar a Igreja na sua totalidade.
Pelos vistos aqui falhei, pois no meu texto fiz todos os possíveis por deixar claro que o meu ataque à Igreja na sua totalidade era bem explícito e não deixava dúvidas.
Em segundo lugar, fico agora ciente de que para um católico como João Centeno a barbaridade proferida pelo padre fica equiparada àquilo que sobre ele eu disse.
Por outras palavras: disse eu sobre o padre que «a sua boçal forma de pensar e as palavras que produziu revelam um tipo de personalidade e uma forma de demência e de alienação místicas que, um dia, o levarão longe na hierarquia católica»
E ainda que
«E um dia, enfim, um conclave de filhos da puta assim formado, elegerá como Papa o melhor de entre eles...».
E que disse o padre?
Disse que interromper o desenvolvimento de um embrião é muito pior do que o que aconteceu com a Vanessa, uma criança de 5 anos que foi barbaramente torturada, sucessivamente mergulhada em água a ferver enquanto era espancada repetida e sistematicamente, até à morte.
E que até se poderia muito bem ter defendido.
Para este ilustre católico, as duas afirmações são comparáveis.
Fico agora ainda mais ciente do típico modo de pensar de um fervoroso católico...
Em terceiro lugar, João Centeno cita a famosa frase de Voltaire (não sei porque o faz em inglês):
«não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo».
Fá-lo em defesa do padre, a quem atribui o direito de falar, mesmo que seja para fazer aquilo a que chama num notável exercício eufemístico, uma «homilia lamentável».
Constato que para João Centeno eu próprio não sou merecedor de tal direito.
Mas o padre é.
Provavelmente por ser padre.
Depois João Centeno diz que quando leu os comentários ao meu texto ficou com a sensação «de ter lido textos retirados do Senado Romano, presidido por Nero, de uma qualquer reunião na Chancelaria, presidida por Hitler, de uma reunião da Convenção do Terror da Revolução Francesa, ou do Politburo de Estaline».
Mas não; João Centeno está enganado.
A sensação que dá é a de estarmos a ler as actas de um qualquer tribunal da Santa Inquisição...
Finalmente, diz João Centeno que as afirmações do padre não são caracterizadoras da Igreja na sua totalidade e que ele próprio não se revê na tal «homilia lamentável».
E aqui uma vez mais João Centeno está equivocado!
Não conheço João Centeno. Mas por aquilo que lhe li, acredito perfeitamente no que diz e na sua boa fé.
E por isso as generalizações são sempre perigosas e frequentemente injustas.
Mas se deixarmos às excepções o seu usual papel de confirmar a regra, o que é facto é que as afirmações do padre são bem típicas e caracterizadoras da Igreja Católica Apostólica Romana na sua globalidade!
Infelizmente são.
Como já disse ao João Centeno num comentário ao seu texto, o que é lamentável é que tanta gente confunda a sua fé ou o deus em que acredita com a Igreja vigente no país onde por obra do acaso nasceu.
Porque são os homens que fazem as instituições a que pertencem e são os actos desses mesmos homens que as caracterizam.
Dizer «não olheis aos nossos pecados, mas à fé da Vossa Igreja» ou dizer que este padre ou Torquemada ou qualquer outro facínora do género não caracterizam a Igreja Católica é um equívoco tremendo.
Porque, de facto, caracterizam!
Por esta ordem de ideias ainda vai para aí aparecer gente a dizer que não é lá por Eichmann ou Himmler terem feito umas «coisas lamentáveis» que devemos julgar o Partido Nazi no seu conjunto...