terça-feira, 15 de março de 2005

 

A Fonte Segura


O excelente artigo de Clara Ferreira Alves na revista «Única» do «Expresso» da semana passada, a propósito do boato que se espalhou por esse país fora sobre José Sócrates e Diogo Infante, para além do que aqui já escrevi sobre a indignidade de quem origina e propaga tais boatos, fez-me lembrar um caso a que assisti há já uma boa meia dúzia de anos:

De repente, vindo não se sabe de onde, começou a espalhar-se pelo concelho de Loures o boato que os industriais e comerciantes de maior renome da região tinham como principal fonte dos seus rendimentos o tráfico de droga, que concertavam entre si como uma autêntica quadrilha organizada.

Conheci bem o caso, e acompanhei pessoal e profissionalmente alguns dos alvos dos boatos.
Por isso, sei bem o que essas pessoas sentiram enquanto o boato durou.
Principalmente o caso de um cliente que, pela sua notoriedade no concelho, era particular alvo dos boatos. E que, porque o conhecia bem, eu defendia sempre que ouvia alguém a difamá-lo.

Um dia, estava eu no escritório muito descansado, quando tocou o telefone.
Era o António, absolutamente exultante por me dar uma notícia:
- Com que então o teu querido cliente era uma pessoa de bem? Com que então vivia do seu trabalho? Queres saber uma coisa?
Fez uma pausa para saborear o momento e continuou:
- Pois bem: acabei de estar com um amigo meu que é inspector da Judiciária. Sabes o que é que ele fez esta tarde, ainda não há uma hora? Prendeu o teu cliente por tráfico de droga! Cercaram-lhe a vivenda e tudo. Ele ainda procurou fugir pelo muro das traseiras, mas quando a Judiciária disparou uns tiros para o ar, acabou por se entregar. Está agora nos calabouços da Gomes Freire.
- Mas tu tens a certeza disso que estás a dizer? – perguntei.
- Porra! – respondeu – Estou-te a dizer que acabei de falar com o próprio inspector que o prendeu! Queres fonte mais segura?
- Mas ele não poderá ter confundido as pessoas? – Insisti.
- Achas que era possível uma confusão dessas, pá?
Tinha razão. A notoriedade pública do meu cliente não se compadecia com essas confusões.

Foi então que eu lhe disse com toda a calma:
- Olha: para a próxima vê se arranjas umas fontes mais seguras, pá. Essas são uma merda!
Quase lhe via pelo telefone o ar de vitória que tinha na cara.
- Eu sabia que ias continuar a defender o gajo. Tu és lixado, pá! Estou-te a dizer que falei há cinco minutos com o próprio inspector da Judiciária que o prendeu! Está neste momento preso, pá! Porque não confirmas? Telefona-lhe!
Respondi-lhe:
- Olha António, vou-te dizer uma coisa: em primeiro lugar, o meu cliente não vive numa vivenda. Mora num sétimo andar. Em segundo lugar, acontece que, por simples coincidência, ele está aqui mesmo à minha frente. Temos estado a trabalhar aqui os dois, há mais de duas horas.
Parei um pouco a olhar para o meu cliente à minha frente, que não estava a perceber o que se passava.
- Olha vou-lhe passar o telefone, fala directamente com ele.
E perante o olhar de espanto do meu cliente, passei-lhe o telefone.
O meu cliente ainda perguntou:
- Estou?
Mas o António nem sequer respondeu.
Retomei o telefone e disse-lhe:
- Sabes o que podes dizer a esse teu amigo da Judiciária? Que bem pode ir para a puta que o pariu!
E desliguei o telefone.

Nunca até hoje o António teve coragem de tornar a falar comigo sobre o assunto...



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