segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

 

O Mínimo de Dignidade


Naquele dia 4 de Dezembro de 2004 estava já todo o grupo de amigos reunido para jantar.
Só faltava um desses amigos.
Mas a justificação para o atraso era boa: estava no Conselho Nacional do PSD, dando o seu contributo militante ao partido em que acreditava, principalmente naqueles tempos politicamente delicados.

Quando finalmente chegou, todos os amigos o assaltaram, interrogando-o insistentemente, e procurando saber em primeira mão que novidades havia, que novos rumos o principal partido do Governo tinha traçado para a estratégia política das eleições legislativas que se aproximavam.

O entusiasmo lia-se nos seus olhos e não foi precisa muita insistência para sabermos em primeira mão o que nos reservavam os tempos mais próximos.
A primeira novidade que nos contou foi a decisão unânime do Conselho Nacional do PSD em concorrer às eleições coligado com o PP:
- Vamos dar-lhes a mão. O Portas tem-se portado com uma grande dignidade, e a lealdade que nos tem demonstrado nestes tempos de dificuldades tem de ser devidamente recompensada. O gajo bem merece.
- Mas tens a certeza que não é o próprio Paulo Portas que quer concorrer separado do PSD?
- Estás maluco? Pensas que o Portas é parvo? Ele sabe bem que os resultados eleitorais de uma coligação entre o PSD e o PP são sempre superiores aos resultados dos dois partidos, caso concorram isoladamente. Só tem a ganhar se concorrer em coligação. Ele e nós!
- Mas tu não achas que ele vai querer capitalizar o normal desgaste do PSD à direita, procurando demarcar-se dos erros do Governo, procurando sobrevalorizar o seu próprio papel e o dos ministros do PP na coligação?
- Nem pensar! O Portas não é gajo para isso: ao longo destes três anos já demonstrou bem a sua lealdade à coligação e ao Governo, e até ao próprio Santana Lopes, de quem é amigo pessoal há uma porrada de anos.

Como é bom de ver, logo de seguida vieram as provocações dos amigos, procurando “tirar nabos da púcara” do renovado entusiasmo daquele ferrenho militante do PSD:
- E tu pensas que é em coligação com o PP que vocês se vão safar? Já viste o que dizem todas as sondagens? E os resultados das eleições europeias, não te dizem nada?
Mas o seu entusiasmo só redobrou:
- Aí é que tu te enganas! Agora é que se vai ver o verdadeiro Santana Lopes. Agora é que vamos soltar o animal político que tem estado preso na pele de Primeiro-ministro. Sabes lá o que é o homem em campanha, pá, a sua habilidade de falar às pessoas, ao povinho do interior, à malta que na realidade conta e que dá votos. Isto ainda vai dar a volta, vais ver.
- E tu pensas que os outros andam a dormir? O Sócrates dá-lhe a volta com uma pinta do caraças, como fazia nos debates da RTP. E o Louçã, não conta? Andas, andas, ainda se repetem os resultados das eleições europeias e levas com uma maioria absoluta nos queixos, que até andas de lado.
- Ah! Mas agora é que vem a melhor parte: é que o Sócrates tem uma data de rabos de palha do tempo em que fazia parte do Governo do Guterres. Isso vai ser tudo esmiuçadinho, tudo investigado. Vem tudo cá para fora. Mas mais: sabes bem que o povo português não tolera um político de sexualidade duvidosa.
- De sexualidade duvidosa? Estás maluco? O Sócrates não é roto, pá!
A estas palavras, olhou muito lentamente com um ar misterioso para toda a malta em seu redor, e riu a bandeiras despregadas:
- Não é roto, mas vai passar a ser!!!



Os resultados das eleições de 20 de Fevereiro e a maioria absoluta que o povo português entendeu confiar ao Partido Socialista e a José Sócrates não representam só uma vitória histórica do PS; significam muito principalmente a derrota de quem não soube demonstrar a sua competência nos três anos de que dispôs, e de quem deixou aos portugueses a sensação de que, em vez de melhorar, só piorou as coisas, no meio das maiores confusões e das mais ridículas trapalhadas.

Para mim, pessoalmente, estes resultados concedem a Sócrates e ao PS o benefício da dúvida e um “estado de graça” temporário para mostrarem aquilo de que são capazes.
Perdoem-me o lugar comum: para bem de Portugal, oxalá dêem conta do recado.

Mas, como a história que acima contei bem o demonstra, estes expressivos resultados representam muito principalmente a derrota da consciente e deliberada iniquidade com que esta campanha eleitoral e este combate político foram conduzidos.

Uma vez mais o povo português demonstrou que sabe bem distinguir quem detém ou não um mínimo de dignidade para ser Primeiro-ministro de Portugal.



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