sexta-feira, 19 de abril de 2013
O Pogrom de Lisboa
O dia 19 de Abril de 1506 amanheceu pacífico e soalheiro. Na
igreja de São Domingos, em Lisboa, a missa dessa manhã decorria provavelmente
com a calma modorra do costume.
Mas, de súbito, a placidez da missa foi interrompida por um
estranho fenómeno que se oferecia perante os olhos de todos os fiéis: a imagem
do Cristo pregado na cruz que se encontrava sobre o altar estava iluminada por
uma estranha e misteriosa luz.
A superstição e a exacerbada crença dos fiéis imediatamente
os fez acreditar estar na presença de um milagre: a imagem do Cristo parecia
até que irradiava luz própria.
Todos se ajoelharam em fervorosas preces, em êxtase perante
aquele milagre que se lhes oferecia, ali mesmo, à frente dos seus olhos.
Mas há sempre um desmancha-prazeres em histórias como estas:
um dos fiéis mais afoitos logo se apressou a explicar aos seus colegas de missa
que a luz nada tinha de misteriosa, pois provinha simplesmente do reflexo de
uma candeia de azeite que estava ali próxima.
E pronto! Caiu o Carmo e a Trindade!
A primeira coisa que alguém descobriu foi que o chico-esperto
era um cristão novo, um judeu convertido à pressa mas, pelos vistos, demasiado
depressa. Foi o suficiente para logo dali o arrastarem pelos cabelos para o
adro da igreja, onde foi imediatamente chacinado pela multidão dos fervorosos
tementes a Deus, e o seu corpo queimado no local.
O êxtase místico da multidão logo se propagou a toda a
cidade. Lisboa parecia ter ela própria enlouquecido.
Respeitáveis representantes do clero católico saíram dos seus
pacatos refúgios de oração e percorriam as ruas de um lado para o outro
empunhando crucifixos e gritando: «Heresia! Heresia!».
Para evitar o caos e a anarquia, sempre más conselheiras, os
padres e frades dominicanos tomaram a piedosa responsabilidade de organizar
convenientemente o tumulto: judeu ou cristão-novo que era identificado ou
apanhado, era imediatamente preso e levado para o Rossio e ali era queimado em
gigantescas fogueiras que os escravos municiavam ininterruptamente de lenha.
Como mesmo nestas coisas da fé é sempre bom juntar o útil ao
agradável, o misticismo assassino daqueles fervorosos e bons católicos não os
impediu de pilhar as casas por onde passavam e de ajustar velhas contas com
inimigos que muitas vezes nada tinham a ver com o judaísmo.
Mesmo os que se refugiavam nas igrejas e se agarravam
desesperadamente às imagens dos santos eram levados e arrastados à força para o
Rossio e queimados vivos.
Tudo, claro, em nome dessa coisa extraordinária que algumas
pessoas têm e que tanto se orgulham de ter, que se chama «Fé».
Tudo feito por bons católicos.
Tudo em nome de Deus!