quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
O Louvor a Cavaco
Esta campanha eleitoral faz-me lembrar o tempo em que Cavaco Silva se candidatou à presidência da república, concorrendo com Jorge Sampaio.
Naquela ocasião vigorava por aí a profunda convicção de que os portugueses não quereriam pôr «todos os ovos no mesmo cesto», e nunca iriam votar simultaneamente num Governo e num Presidente da mesma filiação partidária, antes escolhendo uma espécie de vigilante equilíbrio de poderes entre os diferentes órgãos de soberania.
Por outras palavras, a confiar-se nas sondagens que unanimemente davam a vitória a António Guterres nas legislativas seguintes, previa-se que, correspondentemente, Cavaco Silva fosse eleito Presidente da República.
Ou seja, quanto mais certa fosse a vitória do P.S., mais certa seria a vitória de Cavaco.
A tal ponto, que dava até a sensação que, para tornar mais certa a vitória de Cavaco, nada melhor que tornar mais certa a derrota do PSD, e mais certa a vitória dos socialistas.
Foi então que o PSD em peso, investindo todos os seus esforços políticos na candidatura presidencial, “entregou o ouro ao bandido” e se abandonou ao certo e inelutável destino da anunciada derrota nas legislativas.
De tal modo que se assistiu à debandada geral: ninguém queria ficar politicamente comprometido, e com o seu nome e reputação manchados e associados à derrota certa e anunciada que aí vinha.
O principal teorizador desta brilhante teoria política, e também o principal protagonista deste abandono foi, obviamente, Aníbal Cavaco Silva. E atrás dele, todo o PSD.
Mas com uma, e talvez única, excepção: Fernando Nogueira!
Com uma grandeza e um dignidade difíceis de encontrar na vida política portuguesa, Fernando Nogueira tomou as rédeas do partido e, sacrificando todo o seu futuro político, levou o PSD do descalabro das legislativas que elegeram Guterres às imaculadas e virginais mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem no congresso seguinte entregou o partido de mão beijada.
De seguida retirou-se da vida política e partidária com a mesma dignidade e grandeza com que as tinha vivido.
Recordo que, durante a campanha eleitoral, Fernando Nogueira teve mesmo de suportar ser publicamente desmentido por Cavaco Silva que, num amesquinhamento e num desprezo inqualificáveis, o sacrificou, e também ao partido, no altar das presidenciais.
Sempre tendo em vista a brilhante táctica política adoptada: mais certa seria a eleição presidencial quanto mais certa fosse a derrotado o PSD.
Com os resultados que todos conhecemos: a 14 de Janeiro de 1996 Jorge Sampaio é eleito Presidente da República.
À primeira volta...
Dois meses depois, em Março, realiza-se o congresso do PSD.
Foi nesse congresso que se deu um dos acontecimentos que mais me chocou na vida política portuguesa recente:
Não obstante o sacrifício de todo o partido, afinal tornado vão pela concludente e amarga derrota nas presidenciais, e não obstante o amesquinhamento político feito a Fernando Nogueira, Cavaco Silva entrou na sala do congresso, estudadamente tarde, e atravessou em pose magistral a coxia central, perante a louvaminhice indecente de todos os congressistas que, quase sem excepção, interromperam os trabalhos e se levantaram num estrondoso aplauso àquele que, afinal, tanto os tinha usado – e derrotado.
Com uma única e honrosa excepção: a da mulher de Fernando Nogueira, que na primeira fila deixou Cavaco Silva de mão estendida quando este a tentou cumprimentar...
Ao longo dos últimos anos Cavaco Silva tem recatado habilidosamente a sua imagem política, ora gerindo um tabu, ora amesquinhando mais um secretário geral do PSD, como fez com Santana Lopes quando aconselhou os «políticos competentes a afastar os incompetentes», ora, mais recentemente, gerindo habilidosamente divergências criteriosamente estudadas com Pedro Passos Coelho.
Sempre com resultados absolutamente extraordinários: aí está novamente o PSD unanimemente rendido aos pés de Cavaco Silva, lançando-se uma vez mais na mesma louvaminhice indecente dos velhos tempos, uma vez mais sem se aperceber do quanto tem sido usado e manipulado.
Muito se deve andar a rir Cavaco Silva!