segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Experimentando a Morte
Detido pelo regime chinês, Liu Xiaobo não pôde estar presente em Oslo para receber o Prémio Nobel da Paz.
Mas conseguiu fazer chegar ao exterior um poema inédito, escrito no cárcere.
Experimentando a Morte
Tinha imaginado estar ali, à luz do sol
com o cortejo dos mártires
um só osso esguio sustentando
uma convicção verdadeira.
Todavia, o divino vazio não vai
revestir a ouro os sacrificados.
Uma matilha de lobos bem nutridos
saciados de cadáveres
festeja no ar quente e jubiloso do meio-dia
Lugar distante
esse lugar sem sol
onde exilei a minha vida
para fugir à era de Cristo.
Não consigo fitar a ofuscante visão na cruz.
De um fio de fumo a um pequeno monte de cinzas
bebi até ao fim a bebida dos mártires, sinto a primavera
prestes a romper no rendilhado brilho de inúmeras flores.
Noite dentro, estrada deserta
pedalo de regresso a casa.
Páro num quiosque de tabaco.
Um carro segue-me, atropela a bicicleta.
Um par de brutamontes agarra-me.
Algemado, olhos vendados, boca amordaçada
atirado para uma carrinha celular rumo a nenhures.
Um piscar de olhos, trémulo instante
abre um clarão de lucidez: Ainda estou vivo.
Nas notícias da Televisão Central
o meu nome mudado para “mão negra detido”
ainda que esses anónimos ossos brancos dos mortos
se mantenham de pé no esquecimento.
Ergo alto a mentira auto-inventada
Digo a todos como experimentei a morte
para que “mão negra” se torne a honrosa medalha de um herói
Sabendo embora que a morte
é um impenetrável mistério
estando vivo, não a posso experimentar
e uma vez morto
não posso repetir a experiência
pairo ainda assim dentro da morte
um pairar em afogamento
Noites sem conta atrás de janelas gradeadas
e as campas sob as estrelas
revelaram os meus pesadelos.
À parte uma mentira
Não possuo nada.