sexta-feira, 29 de outubro de 2010

 

A diferença entre um badameco e um estadista



O Presidente da República Aníbal Cavaco Silva acaba de anunciar a sua recandidatura.

As sondagens vêm prenunciando a sua reeleição logo à primeira volta, provavelmente mais do que por falta de uma alternativa verdadeiramente séria do que por mérito próprio, mas não é com o meu voto que elas contam.

O caso mais paradigmático que marca a presidência de Cavaco Silva foi o da promulgação da proposta de lei que aprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Não é fácil encontrarmos um Presidente que, como neste caso, revele uma falta de carácter e de dignidade e uma completa ausência das noções mais básicas de sentido de Estado.

Embora durante anos sempre tenha fugido à pergunta como o Diabo da cruz, todos sabíamos que Cavaco Silva era contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Era a sua opinião, e pronto!

Mas na hora da promulgação da lei que implementava um determinado regime jurídico com o qual não concordava, que fez Cavaco Silva?
Em vez de vetar a proposta de lei, promulgou-a!
Não sem antes – pasme-se – chegar ao supremo ridículo de a enviar para apreciação parcelar no Tribunal Constitucional.
Que falta de vergonha!

Acontece que o veto presidencial é, antes de mais, um acto político estabelecido constitucionalmente e que marca uma determinada posição e uma opção política ao dispor do Presidente da República.
Não é algo de vazio ou inútil. Representa a marcação de uma posição política, com tudo o que isso significa num Estado de Direito.

O que teria feito um verdadeiro Estadista em tais circunstâncias?
O que teriam feito Churchill, Roosevelt, Helmut Khol, Miterrand, Mário Soares ou Jorge Sampaio?
Teriam obviamente assumido a sua posição política e, se fossem contra a lei, tê-la-iam certamente vetado.
Contra tudo e contra todos, teriam afirmado com verticalidade, com honestidade e com sentido de Estado, a sua convicção pessoal e a sua posição política.

Cavaco Silva não!
Cavaco Silva optou por mandar às malvas aquilo em que acreditava, jogando obviamente em favor de votos para o seu segundo mandato e procurando ao mesmo tempo agradar a gregos e a troianos.
Cavaco Silva teve mesmo o arrojo de declarar aos portugueses que promulgou a lei «porque não tinha outra hipótese», já que se a vetasse os partidos com maioria parlamentar não deixariam de a aprovar novamente, e o Presidente seria obrigado a promulgá-la.

Ou seja, Cavaco Silva dobrou a espinha e promulgou a lei, cuspindo na Constituição que jurou cumprir ao espezinhar a figura do veto político que essa mesma Constituição pôs ao seu dispor.

Com uma falta de dignidade tão grande que chegou mesmo a recorrer pateticamente à desculpa esfarrapada «da situação financeira que o país vive».
E é aqui que se revela a mais abjecta falta de sentido de Estado do Presidente da República.

A mesma falta de sentido de Estado que marcou um mandato manchado por quezílias e intrigas palacianas destinadas a denegrir a honorabilidade do Governo e do primeiro-ministro, e que tão bem se revelou na sua ausência no funeral de José Saramago, no caso do Estatuto dos Açores ou no caso das escutas telefónicas da «inventona de Belém».

Enfim, a mesma falta de sentido de Estado que marca a diferença entre um Estadista e um badameco qualquer.




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