segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

 

A Falácia de Jorge Miranda



O nome de Jorge Miranda ficará para sempre intimamente ligado à História da Constituição Portuguesa (e até às Constituições de outros países), e isso é um facto indesmentível.

O que é lamentável e profundamente triste é assistirmos à vergonhosa decadência de quem em tempos foi um brilhante cientista do Direito mas que não soube actualizar-se e, mais do que isso, de alguém que se deixou dominar por preconceitos religiosos e ideológicos e por uma indisfarçável homofobia que acabou por deixar que se sobrepusessem à Ciência Jurídica.

No rescaldo da aprovação na Assembleia da República da proposta de lei do casamento entre todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, pude assistir ao angustiante espectáculo de uma entrevista dada por Jorge Miranda a um canal de televisão.

Para já, foi triste ver Jorge Miranda a perder a coragem de defender a sua teoria de sempre: a de que o próprio casamento entre pessoas do mesmo sexo seria por definição inconstitucional.
As opiniões contrárias de TODOS os outros constitucionalistas (mesmo aqueles que publicam à sua boleia), o teor do recente acórdão do Tribunal Constitucional, em sentido unânime expressamente contrário, e a defesa asinina de que a noção de casamento é indissociável da procriação devem tê-lo feito perder o pio.
Esperemos agora pela próxima revisão da sua «Constituição Anotada»

Mas o mais confrangedor foi ver Jorge Miranda recorrer à mais estúpida falácia e ao mais absurdo argumento de quem pretende utilizar a própria Constituição para “justificar” as discriminações entre os seres humanos: a de que o «Princípio da Igualdade» significa também tratar de forma diferente aqueles que são diferentes.
É espantoso como alguém ainda tem coragem para defender isto.

De facto, o Princípio Constitucional da Igualdade não impede – e determina até – que tratemos de forma diferente quem é diferente mas, como é óbvio, se o fizermos numa formulação POSITIVA, precisamente com o objectivo de igualizarmos ou minimizarmos a desigualdade de quem à partida é diferente.
Não repugna ninguém um benefício fiscal a um cidadão deficiente, uma linha de crédito bonificado a um agricultor atingido por uma cheia ou um subsídio a quem está desempregado.

Mas numa formulação NEGATIVA, isto é, num sentido de retirar direitos a um grupo de cidadãos com o argumento de que são «diferentes» ou de lhes negar o acesso a um determinado bem jurídico – como é, por exemplo, o contrato de casamento civil – defender que se deve tratar de forma diferente quem é diferente pode ser tudo menos o Princípio da Igualdade.
Será sim, talvez, o… «Princípio da Diferença»!

Porque tratar de forma diferente quem é diferente, isso toda a gente consegue. Isso é o que mais se vê por esse mundo fora.
E para isso não precisamos para nada de uma determinação constitucional; basta deixarmos a intolerância e a homofobia andarem à solta.

O que é mais difícil, e o que nem toda a gente consegue, é precisamente tratar de forma igual aqueles que são diferentes.
É isso que nem toda a gente está disposta a fazer.
E é precisamente isso que, de facto, significa o «Princípio da Igualdade»!

E é para isso que serve a dignidade da consagração constitucional do «Princípio da Igualdade»:
- não para tratar de forma igual quem é igual;
- não para tratar de forma diferente quem é diferente;
- mas sim precisamente para tratar de forma IGUAL quem é DIFERENTE.

Invocar e distorcer um princípio constitucional que determina direitos, liberdades e garantias dos cidadãos para justificar sentimentos de intolerância, de discriminação e de uma confessa homofobia?
- Que tristeza, Professor Jorge Miranda!




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