terça-feira, 22 de setembro de 2009
«I’m not a crook»
A última vez que o Presidente da República falou à comunicação social sobre o caso das escutas, ouvi-o dizer a uma jornalista que lhe pedia insistentemente um comentário:
- A senhora não é ingénua, e eu também não!
Ora, sabendo que todo este caso tem como objectivos óbvios implicar o Governo numas supostas escutas à Presidência da República e desgastar José Sócrates em plena campanha eleitoral, é absolutamente claro que com estas palavras Cavaco Silva quis deixar implícito que sabia bem mais do que aquilo que estava disposto a dizer naquela altura.
E que se reservava responsavelmente para desvendar todo o caso para depois das eleições.
Mas o pior não é isso: correndo a notícia há vários dias pelos jornais e mantendo Fernando Lima incólume tanto tempo no lugar de seu principal assessor, com esta simples observação, recheada de uma fina ironia que lhe é pouco habitual, Cavaco Silva quis ainda deixar implícito que aquilo que ele lá bem sabia dava plena credibilidade às notícias do «Público» e que o seu assessor tinha efectivamente agido de acordo com as suas instruções ao «plantar» a inventona.
Dizendo então precisamente nessa altura que não é ingénuo, Cavaco Silva deixa obviamente no ar claros fumos de suspeição sobre o Governo e sobre José Sócrates.
E se o faz precisamente durante uma campanha eleitoral, é por demais evidente que o Presidente da República pretende favorecer o PSD que, com sondagens desfavoráveis, é o partido que mais se pode aproveitar de qualquer desgaste ao Partido Socialista que por aí apareça.
Ora, isto não é sério.
Tanto mais que, depois de ter deixado o caso aboborar e render politicamente por uns dias - em vez de o desmentir imediatamente - Cavaco Silva sacrifica e despede sumariamente o seu assessor por indecente e má figura, não sem antes ter com ele provavelmente combinado que não o deixaria sequer demitir-se.
Mas agora é tarde!
Não sei quanto tempo vai demorar Cavaco Silva a pronunciar-se sobre o assunto, o que já devia ter feito há muito tempo, em vez de andar a deixar mensagens subliminares aos jornalistas dizendo que não é ingénuo.
Quando o fizer, Cavaco dir-nos-á por outras palavras provavelmente aquilo que um outro Presidente noutro país já disse em desespero de causa:
- I’m not a crook.
Mas, por muito que o diga, não sei já quem é que o acreditará.
Porque o que é facto é que Cavaco Silva perdeu já qualquer réstia de legitimidade e de ética política para se manter no cargo.
E, ao mesmo tempo, perdeu já também o meu respeito.