quinta-feira, 9 de outubro de 2008

 

A indignidade da discriminação como doutrina oficial de uma Igreja



Vamos lá a ser claros, que já vai sendo tempo.
Nesta questão do casamento homossexual, onde talvez já tudo tenha sido dito, só há duas formas de abordar o problema:
- Uma forma estritamente jurídica;
ou
- Uma dissertação filosófica ou ideológica sobre o assunto.

Pois bem:
Se a discussão jurídica deveria ser a única com interesse para a questão – ou pelo menos deveria ser num Estado de Direito democrático (repare-se que entre outras coisas está pendente um recurso processual no Tribunal Constitucional) – de onde vem então esta autêntica infecção ideológica, onde de repente assistimos às mais diversas e rebuscadas teses que pretendem «justificar» como que uma espécie de excepção a um dos direitos fundamentais dos cidadãos, com dignidade de consagração constitucional?

Às vezes o tom de muito boa gente torna-se até curioso, e seria mesmo risível se não fosse tristemente preocupante. Assistimos a opiniões proferidas como se fossem "declarações referendárias", como que revestidas de uma espécie de direito de veto ou de eliminação deste ou daquele direito fundamental dos cidadãos.
- Eu sou contra, pronto! – dizem alguns com olhos doces, talvez pateticamente convencidos que é quanto basta para atirar para um campo de concentração jurídico e social um cidadão de um Estado de Direito.

Os motivos serão muitos, todos direitinhos e alinhados, e todos muito bem fundamentados do ponto de vista ideológico, filosófico, social, político e até, pasme-se, «institucional» para muita gente defender que aquelas duas últimas palavras «orientação sexual» que constam do nº 2 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa devem ser pura e simplesmente eliminadas «a caneta de feltro preta», e desapareçam para sempre do elenco dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Claro está que esta gente não pensa que, aberto o precedente, a porcaria da «caneta de feltro preta» passa depois a andar de mão em mão.
E que no dia seguinte aparece por aí um Mário Machado qualquer a riscar do mesmo artigo da Constituição a palavra «raça»; depois aparece um Pinto Coelho qualquer a pintar as palavras «território de origem»; depois um Salazar qualquer a eliminar a expressão «opções políticas ou ideológicas»; e finalmente um Hitler qualquer a não gostar da palavra «religião».

E por que não?
Não terão todos eles os mesmíssimos motivos de quem começou por riscar as palavras «orientação sexual»? Não são esses motivos igualmente válidos e igualmente fundamentados por razões de ordem ideológica, filosófica, social, política e até «institucional»?

Qual então a razão para que pessoas que temos por democratas, humanistas, lúcidas e racionais apareçam de repente «de caneta de feltro na mão» e a gritar: - Eu sou contra!?

A resposta é revoltantemente simples:
Basta ir ver de onde vêm todas aquelas determinações ideológicas, filosóficas, sociais, políticas e até institucionais e que, seja voluntariamente ou de forma inconsciente, infectam de morte os mais básicos sentimentos humanistas e democráticos que muitas pessoas ainda tinham.

As «ordens» vêm de cima.
Vêm daqui: da «Congregação Para a Doutrina da Fé», que é o actual eufemismo do Vaticano para a «Santa Inquisição», de que este Papa idiota já foi lídimo presidente.

A simples leitura do texto intitulado «CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROJECTOS DE RECONHECIMENTO LEGAL DAS UNIÕES ENTRE PESSOAS HOMOSSEXUAIS» fala por si.
Quase nem seria preciso citar estas pútridas e santas considerações:

«Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria.
«Na presença de projectos de lei favoráveis às uniões homossexuais, há que ter presentes as seguintes indicações éticas.
«No caso que se proponha pela primeira vez à Assembleia legislativa um projecto de lei favorável ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, o parlamentar católico tem o dever moral de manifestar clara e publicamente o seu desacordo e votar contra esse projecto de lei.
«Conceder o sufrágio do próprio voto a um texto legislativo tão nocivo ao bem comum da sociedade é um acto gravemente imoral»
.

De facto, realmente esclarecedor!

Pois é:
É precisamente daqui que vêm as solenes determinações (ainda que por vezes meramente subliminares) de quem se apressa a dizer «Eu sou contra!», e se acha então, pela graça de Deus, no legítimo direito de eliminar direitos fundamentais aos seus concidadãos.

Agora finalmente entendo o que pensa um parlamentar católico: antes de honrar o seu mandato popular, em vez de cumprir a Constituição da República, há primeiro que obedecer às obrigações da Santa Madre Igreja e às determinações da Santa Inquisição!
De facto, brilhante!

É nesta teologia nauseabunda, é neste vómito, é neste autêntico escarro ideológico que tem origem esta revoltante indignidade que é fazer parte de uma Igreja que tem a discriminação entre os seres humanos como sua doutrina oficial.




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