quarta-feira, 7 de maio de 2008
Como crucificar um padre
Bem sei que o programa não é lá muito propício a um debate sobre «a religião e o ateísmo» dadas as suas especiais, digamos, “peculiaridades”…
Mas, a bem da verdade, a apresentadora bem podia aprender que numa entrevista não fica lá muito bem interromper sistemática e constantemente o entrevistado, não o deixando concluir um único raciocínio.
Às vezes deparamos na televisão portuguesa com jornalistas e apresentadores de programas que bem parece que querem brilhar mais do que as pessoas que estão a entrevistar.
E então, em vez de termos um debate onde se expõem ideias ou conceitos, temos um programa em que se salta de frase para frase sem se poder seguir um fio condutor e sem se poder chegar a uma conclusão.
No final, garanto, é uma coisa muito irritante!
Neste primeiro filme do programa «As Tardes da Júlia» do passado dia 24 de Abril isso é perfeitamente notório.
Já neste segundo filme o padre Carreira das Neves demonstra bem como não há nada melhor do que uma boa dose de irracionalidade encasquetada na cabeça para levar qualquer «pessoa de fé» a dizer na mesma frase uma coisa e o seu contrário.
Por exemplo, começa este homem de Deus por negar a política da Igreja Católica contra o uso do preservativo.
Para depois, dizer que não vê qualquer inconveniente para o seu uso, que defende incondicionalmente.
Haverá alguma consequência disciplinar para isso?
É que o padre carreira das neves é professor de teologia numa Universidade!
E é que o parágrafo 2399 do «Catecismo da Igreja Católica» afirma que qualquer forma de contracepção é «moralmente inadmissível».
Como julgarão as autoridades eclesiásticas este padre que vem à televisão defender e apregoar em público práticas que o seu próprio Catecismo considera «moralmente inadmissíveis»?...
Já quanto ao aborto, é que o bom padre mete os pés pelas mãos: começa uma frase a dizer que é «contra o aborto» porque é «pela vida», para meia dúzia de segundos depois acabar a dizer que afinal e em certos casos… é a favor do aborto!
Temo pela vida eclesiástica e pela subsistência deste servo de Deus. É que o parágrafo 2272 do «Catecismo da Igreja Católica» é contra TODAS as formas de aborto (mesmo em caso de uma gravidez ectópica) que pune com a pena automática de excomunhão.
Depois, coitado, resolve dizer que «se não há racionalidade na fé, essa pessoa não tem fé» e aproveitando a embalagem ainda dispara: «a fé vai para além da razão, mas não é contra a razão».
Esta até faz pena não faz?
Coitado do homem!
Coitado dele e também das pessoas que o aplaudiram na assistência.
Mas com certeza hão-de ser perdoadas: ao fim e ao cabo não sabem o que fazem. E não é isso que preconizou um dos seus Deuses?
E enfim: será delas o Reino dos Céus…
Este terceiro filme é de ir às lágrimas!
Como se não bastasse ver uma pessoa crescida a fazer figuras tristes na televisão a falar do que não sabe, dizendo por exemplo que até há 20 anos os cientistas diziam que «tudo isto tinha aparecido por acaso», ainda somos confrontados com o triste espectáculo que é vermos o Sr. Carreira das Neves a dizer «eu sou pela evolução, não pela criação».
E pronto!
Cá temos um profissional irracionalidade, alguém que ganha a vida a vender a vida eterna aos «fiéis» a dizer que não é «pela criação», isto é, que «nada foi criado», que é como quem diz que não acredita que a «causa primeira» tenha uma origem divina.
E pronto: cá temos um padre ateu!
Já tinha ouvido falar nisto de haver padres ateus.
Não tenho nada contra; até lhes fica bem serem ateus.
Mas talvez lhes ficasse melhor um bocadinho mais de honestidade intelectual e devessem arranjar outra profissão onde não andassem a enganar os outros, e principalmente a si próprios.
E talvez não tivéssemos que assistir a esta coisa tristemente confrangedora que é ouvir um padre a dizer que «os cientistas começam agora a defender que há um sentido antrópico das coisas».
Coitado do homem!
E cá temos o quarto filme em que é possível ouvirmos um padre confessar-se a si próprio e dizer que de facto «a Bíblia tem coisas horrorosas».
No quinto filme cá temos o padre a dizer que essas coisas horrorosas que admite que a Bíblia contém «têm uma explicação na macro-narrativa da Bíblia».
E decerto que têm: fazem com ela um conjunto bem coerente!
Mas vai o padre embalado e diz-nos:
- Que afinal a Bíblia não é a palavra de Deus;
- Que Deus nunca falou com ninguém, nem sequer com Abraão ou com Moisés, e que, pelos vistos, aquilo dos 10 Mandamentos afinal é tudo uma grande treta;
- Que não é verdade que na Bíblia esteja escrito que Deus mandou Abraão matar o filho.
Enfim: ao que parece a Bíblia é uma gigantesca aldrabice…
O sexto filme vale a pena, primeiro porque podemos ouvir o Sr. Neves a dizer que «não pode meter o século XXI dentro da Bíblia».
De facto é verdade.
Só é pena que não nos explique por que raio é que a sua Igreja persiste em... meter a Bíblia dentro do século XXI…
Mas há mais: ainda podemos ter o prazer de ouvir um padre a dizer que o Jesus que ama «nem sempre foi apanhado pela Igreja na sua parte de libertação», mas muitas vezes «pela sua parte de opressão».
É muito giro isto de ver um padre referir-se «ao Jesus que ama» e à sua «parte de opressão», não é?