sexta-feira, 11 de abril de 2008

 

Religião? Professor!



Uma coisa é sabida: existe uma determinada política de Educação que o ministério de Maria de Lurdes Rodrigues pretende implementar e com a qual, em maior ou menor grau, a inequívoca maioria dos professores discorda.
Mas deixemos agora em paz a ministra (só por momentos, claro está) e também as medidas que o seu ministério pretende levar a cabo.

Mas acontece que de repente, pelos vistos parece que foi decretado que deixou de ser politicamente correcto discordar dos professores.
Mais do que isso, passou a ser "um crime horrível" concordar com a ministra, nem que seja só um bocadinho.

Como se, de repente, ser professor tivesse deixado de ser uma profissão e se tivesse transformado numa espécie de «religião».
Mas uma religião à qual têm acesso somente um pequeno escol de eleitos, um grupo de sacerdotes dotados de uma "graça" ou um "dom" que lhes foi especialmente concedido pela mãe-natureza (ou por Deus, quem sabe?) e que em nome da sociedade desempenham benemeritamente uma missão de alto sacrifício, rodeados de horríveis e criminosos facínoras que transportam consigo punhais, pistolas e até telemóveis, e que em cada uma das 15 horas de aulas que dão por semana, mais uma como director de um departamento vazio, outra em inúteis e monótonas “reuniões” mensais e outra ainda como director de turma, vejam só que desplante, e ainda entre um curso de formação de tapetes de Arraiolos e outro de aromaterapia, os fazem arriscar horrivelmente a própria vida, que não há um dia de folga por semana e quatro meses de férias por ano que paguem nada disto.

De tal forma é uma religião que, pelos vistos, aquilo que aqueles 100 mil professores que aqui há dias se reuniram ali à volta do Marquês de Pombal estavam a fazer não era uma manifestação contra a ministra: era uma procissão!

E então quem ousa concordar com alguma coisa que a ministra diz deixou de estar a fazer uma crítica aos professores e passou praticar uma horrível… blasfémia!

Pode dizer-se que os advogados são todos uns aldrabões, que os médicos são incompetentes, que os engenheiros não têm o curso completo, que os políticos são todos corruptos e até que as actrizes são todas umas promíscuas debochadas.
Mas ai de quem fale mal dos professores! Isso é que não!!!

Isso até pode ser o caso de «um curioso a interferir ilegalmente na “nossa” profissão!»
Blasfémia!
Ou alguém «que confunde a avaliação dos professores com a detecção de professores com habilitações falsificadas»
Blasfémia!
Avaliação de professores? Alguém mencionou isso?
Blasfémia!
Ou alguém que não há maneira de entender «que entre todos os sacerdotes era EU quem devia já ser professor titular» e não aquele filho da mãe só porque foi director de turma mais um ano do que eu.
Pois não vê esta gente que a lei só será justa quando estiver feita de modo a que «EU» seja professor titular?
Blasfémia!
Pois não vê esta gente que EU é que sou o melhor professor desta porcaria desta escola, apesar de nunca nenhum dos seus professores ter sido ainda avaliado?
Blasfémia!
Porque não vê esta gente que o melhor era todos serem professores titulares e estava o problema resolvido?
Ou então, todos não, pronto; só… EU!

Mas o que pretendo dizer agora vem a propósito do post anterior, onde conto o caso do falso professor que durante mais de 30 anos deu aulas em Portalegre sem que ninguém se tenha apercebido de que não tinha habilitações nem académicas, nem científicas nem pedagógicas para o desempenho da profissão de professor.
Não obstante, durante todo esse tempo progrediu normalmente na sua carreira e foi até presidente do conselho executivo.

Ora, como o falsário durante mais de 30 anos foi professor, isso significa, antes de mais que estava dotado do tal dom especial, e que fazia parte do tal grupo de sacrificados sacerdotes que arriscam quotidianamente a vida para ensinar o abecedário às crianças portuguesas.

A consequência era óbvia: criticar o homem, mais do que criticar o falsário era criticar o professor.
E cá temos a blasfémia!

E o resultado era previsível, como se pode ver na caixa de comentários do post anterior: «e quem disse que o homem, apesar de falsário não era, apesar de tudo um bom professor?».
Sendo assim, disse-se, uma vez que os diplomas falsos estavam arquivados algures, uma avaliação profissional ao seu desempenho não ia detectar nada. Para quê fazê-la, então?...

De repente, falsificar diplomas deixou de importar: o que importa é que o homem é professor, foi professor mais de 30 anos, e isso só significa que como todos os seus colegas estava dotado do tal dom e de uma vocação sacrificial que só é acessível a esta gente tão especial.
Se não tinha habilitações, então não faz mal: era um autodidacta!
Não tinha habilitações? E qual é o problema? Não há por aí tantos profissionais falsos?

O que é que tudo isso interessa? O que interessa é que o homem era professor!

Pois é: é aqui que, como em todas as religiões, esta gente entra no domínio da irracionalidade.

Repare-se que já se vai tão longe que, de repente, deixou de ser relevante saber se um sujeito qualquer deu aulas durante mais de 30 anos sem para tal ter habilitações nem académicas, nem científicas nem didácticas.

O que interessa é que era alguém que, pelos vistos, era obviamente dotado do tal dom muito especial e que durante 30 anos enfrentou com o risco da própria vida milhares e milhares de horríveis alunos.
O que durante esses 30 anos ensinou aos alunos e a forma como o ensinou, isso não interessa para nada. Não era ele um dos sacerdotes?

Agora é mais fácil de perceber a forma como durante todo este tempo os professores e os sindicatos têm enfrentado a ministra e lutado contra a implementação das políticas do ministério da Educação.

Pois, como ousa alguém pôr em causa a competência ou o dom deste grupo de escolhidos?
Como ousa alguém avaliar o desempenho destes sacerdotes, quando já vimos que mesmo que um deles tenha as habilitações falsificadas não deixa por isso de pertencer a esta elite de sacrificados?

Como ousa alguém impedir os professores de progredirem nas suas carreiras, todos eles até ao topo, se já vimos que até se consideram irrelevantes as habilitações académicas, científicas e pedagógicas desde que, mesmo sem elas, se seja… professor?

Não se apercebem os professores o quanto se descredibilizam a si próprios quando já são eles mesmos quem diz que para se ser professor os cursos ou as habilitações são absolutamente irrelevantes e que, afinal, qualquer falsário autodidacta com jeito para aldrabão pode ser professor?

Mas quando será que os professores resolvem finalmente ver-se ao espelho e decidem seriamente devolver à sua profissão a credibilidade e o prestígio que ela inquestionavelmente exige e merece?
Quando será que os professores vão ver que isso só acontecerá no dia em que decidirem expulsar das fileiras da sua profissão todos os falsários que a descredibilizam?

Quando será que os professores se deixam de providências cautelares inúteis e resolvem sentar-se a uma mesa de negociações ministerial não para falar de promoções ou das remunerações das aulas de substituição, mas para passarem a propor alternativas sérias, concretas e credíveis e começam finalmente a falar… dos alunos?

Quando será que os professores passarão a ouvir e a considerar seriamente alguma opinião que lhes seja desfavorável como uma simples crítica, mesmo que no fim ela se revele espalhafatosamente errada, e não a considerem desde logo como uma horrível… blasfémia?...

Quando será que os professores se aperceberão que são tão falsários os que dão aulas sem habilitações como aqueles que, apesar de as terem, são tão incompetentes como os que não as têm?


Senhora ministra: por favor, não desista!




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