quarta-feira, 16 de abril de 2008

 

As lágrimas amargas e os sofrimentos lancinantes do Beato das Neves



aqui comentei as críticas feitas ao projecto de lei do Partido Socialista que visa alterar as regras do divórcio litigioso e falei também da asinina posição de uma alimária qualquer da «Conferência Episcopal Portuguesa» que considerou que este projecto de lei «é mais um sinal claro da postura de afrontamento que o actual Governo assumiu relativamente à Igreja Católica» e também que «há forças dentro do Governo que têm uma postura de ataque à Igreja Católica».

Asinina que é, esta posição não podia deixar de ser partilhada pelo Beato César das Neves que no «Diário de Notícias» resolveu debitar estas brilhantes e porcinas pérolas:

- Que os deputados promotores do projecto de lei não querem mais do que promover as uniões de facto, o divórcio e, vejam só, essa coisa horrível e pecaminosa que é a promiscuidade.

- Que «por causa da lei agora revista, haverá lágrimas amargas, sofrimentos lancinantes, que o legislador alegremente ignora».

Decerto espojado de joelhos perante um ícone qualquer a quem entrega a sua dignidade, e já de cilício a morder-lhe furiosamente uma perna, o Beato das Neves ainda nos diz:
«A lei só existe para proteger os fracos. Por isso é que, em geral, quando se dilui uma regulamentação se está a criar oportunidades para os poderosos abusarem. Se o divórcio se torna mais célere e expedito, se o casamento fica mais precário e solúvel, isso vai prejudicar precisamente aqueles que mais sofrem nessa relação, as crianças, os idosos, os cônjuges sem meios, doentes, desempregados, etc.».

E depois a cereja em cima do bolo:
«Quando daqui a uns anos os políticos voltarem a reconhecer o valor da família, é no seio da Igreja que a vão encontrar».

Não vale a pena dar aqui uma lição a esta alma atormentada do ponto de vista do direito e do processo que em concreto se projecta implementar.
O César das Neves é tão católico, tão católico que certamente não ia entender que se trata precisamente do contrário daquilo que ele diz.

Também não vale a pena falar dessa coisa curiosíssima que são os «valores da família» que para os bons católicos devem pelos vistos ser preservados a qualquer preço, mesmo acima de qualquer outro valor como a dignidade da mulher, por exemplo.

Nem sequer da sua afirmação de que se a lei existe para proteger os mais fracos a «diluição da sua regulamentação» só irá causar «lágrimas amargas e sofrimentos lancinantes, que o legislador alegremente ignora».

Pois é: não há melhor do que um bom católico para falar daquilo que não sabe e querer enfiar tudo o que lhe aparece à frente (salvo seja) dentro da porcaria de uma qualquer sacristia malcheirosa.

Repare-se que não estamos a falar do casamento católico.
Não: estamos a falar unicamente do casamento civil.

Mas, apesar disso, parece que a Igreja Católica, a Conferência Episcopal e os Césares das Neves deste país já querem opinar e influenciar do ponto de vista de uma moral importada dos desertos da Idade do Bronze até já os contratos de natureza exclusivamente civil.

E quando assim é, não há ninguém melhor do que um bom católico para transformar em porcaria tudo o que pretende conspurcar com a sua relatividade moral.

Mas uma imagem vale mil palavras.
E para alguém como um católico fanático (passe o pleonasmo) que persiste em considerar a sacralização do casamento, mesmo o casamento civil, e que a todo e qualquer custo se deve evitar a sua dissolução para preservar os tais «valores da família», nada melhor do que contar esta singela história que nos traz o «Yemen Times».

É uma história de um divórcio que a Igreja Católica tanto combate, e da consequente dissolução dos «valores da família» que o Beato César das Neves tanto preserva.

E reza assim a história:

Nojoud Muhammed Nasser apresentou-se a um tribunal do seu Yemen natal para acusar o seu pai de há dois meses a ter obrigado a casar e para pedir o divórcio do seu marido, 22 anos mais velho do que ela.

Não sei que provas concretas havia, pois normalmente estas coisas passam-se dentro das quatro paredes da casa do casal, e por isso é quase sempre impossível obter um reconhecimento judicial de violação culposa dos deveres conjugais, como até agora acontece na lei portuguesa.

Mas ainda assim Nojoud Muhammed Nasser acusou o seu marido no tribunal de violência doméstica, de lhe bater violentamente quando não lhe obedece imediatamente e ainda de a abusar sexualmente, obrigando-a à força a manter relações sexuais, mesmo contra a sua vontade.

Como é óbvio, o marido diz que tudo isto está no seu direito. Pois não é ele o legítimo marido?
Pois é: de facto é o marido legítimo.

E é mesmo em casos como este que o Beato César das Neves defende que se devem preservar os «valores da família» e que se deve dificultar o divórcio, sob pena de estarmos a causar «lágrimas amargas e sofrimentos lancinantes» e a desproteger os mais fracos, os tais a quem precisamente a lei mais devia defender.

É por isso que na cegueira fanática do seu catolicismo o César das Neves decerto continuará contra tudo e contra todos a defender esta imbecilidade de que o divórcio deve ser dificultado e a defender que quaisquer que sejam as circunstâncias, mesmo neste caso, a Nojoud Muhammed Nasser deveria permanecer casada com o seu legítimo marido para assim proteger os «valores da sua família».

Pois é: pelos vistos, em todos e mesmo até neste caso, em que acontece que Nojoud Muhammed Nasser – que está na foto à direita aqui mesmo ao lado - tem… oito anos de idade!…



Será que a imbecilidade é uma condição necessária para se ser um fanático católico, ou isso é só mera coincidência?




<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com