sexta-feira, 7 de março de 2008

 

A Honestidade Cristã



Passei à porta de uma daquelas típicas instalações onde as pessoas de vez em quando se deslocam para se humilharem voluntariamente e onde se espojam de joelhos e abdicam de toda a dignidade para negociarem com entidades imaginárias o seu acesso à vida eterna .

Desta vez o acrónimo «IURD» e aquele símbolo característico de um animal alado dotado de um bico (um belo bico, tenho de o admitir), identificavam aquilo como um respeitável templo (passe o oxímoro) que essa tenebrosa organização cristã (passe o pleonasmo) com o engraçadíssimo e monárquico nome (passe a tautologia) de «Igreja Universal do Reino de Deus» (passe a falácia) abriu há pouco tempo aqui perto, em Loures.

Da porta da rua aberta podia ver-se no pequeno átrio da entrada um quadro emoldurado, reluzente de novo, com a transcrição de alguns artigos da Constituição da República Portuguesa.

Achei curioso ver quais os artigos da Constituição que eram citados:
- O artigo 13º - Princípio da Igualdade
- O artigo 41º- Liberdade de Consciência, de Religião e de Culto
- O artigo 45º - Direito de Reunião e Manifestação.

(Clicar na imagem para a ampliar)
Como é irónica a utilização de citações de uma Constituição de um Estado laico e republicano, e o apelo à garantia dos direitos por ela concedidos a todos os cidadãos, mesmo àquela caterva de malfeitores que não conhecem o significado da palavra «liberdade», e que vivem de explorar a credulidade dos incautos e dos pobres de espírito.

Mas depois olhei melhor e não queria acreditar no que os meus olhos viam:

Naquele belo quadro emoldurado o n.º 2 do artigo 13º da Constituição, que tem como epígrafe «Princípio da Igualdade», está citado assim por aqueles bons cristãos:

«Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social».

(Clicar na imagem para a ampliar)


Mas...
...acontece que o referido n.º 2 do artigo 13º da Constituição não diz exactamente aquilo que aqueles bajuladores de Jesus Cristo pespegaram no quadro.

Diz antes assim:
«Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

Quer dizer:
Na citação do artigo 13º da Constituição posta no quadro por aqueles piedosos adoradores daquele carpinteiro judeu, circuncisado e tudo, falta-lhe precisamente a expressão... «ou orientação sexual».

Ou seja:
Que se façam citações da Constituição, ainda vá lá.
Principalmente aquelas que nos convêm.

Mas quando a Constituição contém coisas como essa tal da igualdade de todos os cidadãos em razão da sua orientação sexual, que é uma coisa que, como toda a gente sabe, todos os bons cristãos não concordam e abominam - porque lhes ensinaram de pequeninos a odiar o próximo como a si mesmos - o que fazem então esses bons cristãos?
Nada de mais simples.
É que igualdade sim, mas assim tanta também não!

Então, perante tal situação, um bom cristão faz aquilo que os bons cristãos andam a fazer há dois mil anos: aldraba!

Vai daí, vai-se à citação da Constituição, tira-se a parte «ou orientação sexual», com que não se concorda, que assim fica bem melhor, e põe-se num quadro à porta, que os papalvos nem notam.

E pronto, já está: que assim aldrabado é que fica muito mais cristão.
E, convenhamos, fica também muito mais de acordo com esse peculiar sentido de ética, de tolerância e de honestidade que é bem típico das pessoas religiosas...




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