segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

 

...Pero que las hay, l’ASAE…



Já lá vai uma boa dúzia de anos, ia a malta toda a caminho de uma daquelas provas de todo-o-terreno quando resolvemos parar em Montemor para comer umas sandes.

Se bem me lembro era o último café do lado esquerdo, um pouco antes de umas bombas de gasolina mesmo à saída da povoação.
Encomendámos de pé ao balcão e dirigi-me à casa de banho.
Nem entrei!

Deve ter sido uma das casas de banho mais sujas que já vi na minha vida. Até merda havia nas paredes. Literalmente.
Voltei e dei uma descasca ao sujeito que estava atrás do balcão e disse que me recusava a consumir o que quer que fosse num estabelecimento que mantinha as suas casas de banho naquele estado. A malta que ia comigo fez-me a vontade e saímos todos, deixando o homem muito indignado com a tremenda injustiça de que acabava de ser vítima.

Parece que muita gente já se esqueceu de que ainda há muito pouco tempo era absolutamente vulgar encontrar pardieiros como este. Parece até que se esquecem que de vez em quando, mesmo hoje ainda lá vai aparecendo um ou outro.

Parece que muita gente já se esqueceu de que comer um simples croquete num café desconhecido era uma espécie de roleta russa para uma futura gastro-enterite.
Uma vez um cliente, empregado de um restaurante, fez-me um aviso de verdadeiro amigo: recomendou-me que nunca lá fosse, pois nem ele próprio lá comia. O dono da tasca ia todos os fins de semana não se sabe onde, e trazia no porta-bagagens do carro uns pedaços de carcaças de porco e vaca, que comprava muito em conta, claro está, e que simplesmente deixava dias e dias no chão do armário frigorífico, até serem gradualmente consumidos pelos seus inocentes clientes.

Na Faculdade de Direito de Lisboa na parede de uma das casas de banho do primeiro andar durante cinco anos vi manuscritas a um castanho característico e de indubitável origem e em letras garrafais estas palavras: «falta papel!».
Nunca ninguém se preocupou em limpar aquela porcaria: quando lá entrei, lá estava aquilo. Quando saí, ainda lá ficou.

Outro cliente apareceu-me indignado com o anterior proprietário do restaurante que tinha comprado: o armário frigorífico nem sequer tinha motor e até as condutas de exaustão das casas de banho e da cozinha eram falsas: tinham não mais do que umas grelhas a fingir, que estavam simplesmente pregadas à parede, e nada havia por trás.

Mas agora, de repente, apareceu a A.S.A.E.
A sua estratégia inicial foi mais do que óbvia e pareceu-me correcta: publicitar ao máximo na comunicação social as suas intervenções, fazendo passar uma imagem de inflexibilidade e de rigor, procurando uma crescente dissuasão dos eventuais prevaricadores, qualquer que fosse o ramo de comércio ou da actividade económica a que se dedicassem.
Enquanto fiscalizavam e multavam uns, dissuadiam os outros.

Mas foi Sol de pouca dura, está bom de ver.

Não sei quem começou. Mas, de repente, comecei a ouvir defender o direito dos portugueses a cumprirem tradições milenares que os malandros da ASAE não respeitavam.
Assim como quem vem defender a tradição dos touros de morte em Barrancos, defende-se agora o direito ao arroz de cabidela, com “sangue caseiro”, claro está, o direito ao galheteiro com aquele “azeite caseiro” muito bom e que vem «lá da terra», e o direito a vender na praia às criancinhas portuguesas bolas-de-berlim com creme, embora ninguém saiba onde é que tradicionalmente são confeccionadas, e quanto tempo manda a tradição que o creme esteja ao Sol a fermentar.
Indignam-se as pessoas contra esse inaudito ultraje que a ASAE ousou levar a cabo, que foi encerrar preventivamente a “Ginjinha” do Rossio, esse exemplo máximo da cultura portuguesa, embora ninguém se tenha preocupado em saber os motivos do encerramento ou se o estabelecimento funcionava dentro da legalidade. Ou até se lavava os copos.

O país vai às lágrimas, quando vê na televisão confiscar aqueles milhares de dvd’s piratas ou as camisas de marca a fazer de conta, tudo metido em sacos. Mal empregado, que era tudo tão barato e parecia mesmo verdadeiro.

Por entre a vociferação, que dá sempre uns interessantes artigos de jornal, lá veio o aproveitamento político.
Uma vez mais a reboque da comunicação social, que é assim que se faz oposição em Portugal.
No Algarve, Mendes Bota veio ontem com o fado de que se o Salazar tinha a PIDE, o Sócrates tem a ASAE.
Sem sequer se indignar com a boçalidade e a falta de gosto da piada, Luís Filipe Menezes diz que não é tanto assim, que a ASAE afinal parece mais o F.B.I.

No «Expresso» Daniel de Oliveira exige respeito pelos «direitos cívicos» e afirma que punir por irregularidades menores sem fazer prevenção e pedagogia é um erro.

Até o sisudo Cavaco Silva já faz umas piadas de mau gosto com a ASAE. Pelos vistos até o Presidente já acha graça quando em Portugal um órgão de polícia resolve cumprir a lei.

E assim vai funcionando este país pequenino.
Um país onde os ricos esperam mais um benefício fiscal, os menos afortunados clamam por um subsídio do Estado ou uma casa à borla, e todos eles esperam uma “reforma antecipada”, com um atestado de um médico amigo, de preferência por “motivos psiquiátricos”, que são aqueles “em que dá para sair de casa”.

Um país onde se generalizou a complacência pela mediocridade, onde se tolera a mais imbecil incompetência, onde ninguém quer ser avaliado e onde o chico-espertismo vale sempre a pena.
Um país de 10 milhões de habitantes onde morrem 9 pessoas por dia nas estradas, mas onde o heroísmo se mede pelo grau de alcoolemia, porque há sempre hipótese de dizer ao “bófia” «vá lá, xou guarda, deixe lá a malta seguir, foram só uns copitos que este meu amigo aqui faz hoje anos».

Um país onde todos fazem sonoras acusações públicas «daquelas coisas que toda a gente sabe», mas que nunca ninguém teve coragem para acusar em concreto quem foi que praticou.
Um país onde quase nunca ninguém paga pela merda que faz.
E quanto maior a merda, maior a impunidade: dos Estados Unidos ou da Alemanha, chegam-nos notícias de grandes empresários ou presidentes de bancos condenados a longas penas de prisão por «aventuras» bem menores das que ouvimos imputadas às administrações do B.C.P.
Mas em Portugal, Jardim Gonçalves ainda conserva o direito inalienável ao uso privado do jacto particular do banco a cujos quadros já nem pertence.

O forrobodó é de tal ordem, que neste país de Carnaval, com o seu Alberto João Jardim privativo e tudo, já não causa estranheza a ninguém, e todos acham perfeitamente normal que o líder da oposição utilize como arma de arremesso político-partidária e critique o Governo pelo facto de um órgão de polícia estar... a cumprir a lei!

Durante décadas ouvimos clamar por «JUSTIÇA», pelo cumprimento da Lei, doa a quem doer, mesmo aos ricos e «aos poderosos».
Mas, de repente, parece que o país ainda não está preparado para que alguém faça cumprir a lei.

E recomenda-se então uma espécie de paternalismo salazarista sob a forma de uma «prevenção» ou de uma «pedagogia», quem sabe se de uma maior “permeabilidade” ou “compreensão” dos agentes da ASAE, quem sabe se “encorajados” ou “incentivados” por umas notitas escorridas à socapa por debaixo do balcão.
Isso sim, o que é preciso é «compreensão», de preferência com umas notas «para o Sr. agente ir tomar um copito», isso sim, isso é que é bem português, como o é o arroz de cabidela, o galheteiro de azeite caseiro, ou as bolas-de-berlim com creme na praia.

Assim, acabava-se com este maldito autoritarismo do Governo, que não respeita os nossos «direitos adquiridos», instalava-se um Centro de Saúde em cada bairro, com urgências, maternidade e tudo, que só assim, à porta de casa, é que há Serviço Nacional de Saúde, acabava-se com a ASAE e todos já podíamos ir para a praia descansados comer bolas-de-berlim com creme.
De preferência subsidiadas, como é bom de ver.

Quem paga a conta?
Mas quem havia de ser? Pagam «os gajos», claro está, que «os gajos» só estão lá é para se encherem «à nossa custa»!

Não!
Não quero que a ASAE actue com «prevenção» ou com «pedagogia».
Quero que cumpra a lei e a faça cumprir.

Que actue com bom senso, sim; mas quero que actue com RIGOR.
O máximo rigor.

Não quero ir a um hotel, a um restaurante ou a outro sítio qualquer com a família e ter o azar de entrar num estabelecimento que ainda não foi «prevenido» pela ASAE ou que ainda não foi agraciado com a sua «pedagogia».
Ao contrário, quero que os proprietários dos restaurantes tenham MEDO.
Que tenham muito medo que a todo o momento lhes possa aparecer uma visita surpresa da ASAE, e que tenham medo do rigor e das medidas implacáveis contra TODAS as ilegalidades que sejam encontradas.
E que então, mantenham os seus estabelecimentos... dentro da lei!

Porque uma coisa é certa:
A «prevenção» e a «pedagogia» fazem-se não com complacência pela ilegalidade, mas por um cumprimento da lei rigoroso, escrupuloso e, absoluta e inequivocamente, sem quaisquer excepções!




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