quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
Um modelo de harmonia
Durante a audiência geral de ontem no Vaticano, o Papa Bento XVI falou sobre a relação entre a Fé e a Razão e, a esse propósito, apresentou a figura de Santo Agostinho como «um modelo de harmonia num percurso intelectual e espiritual».
Não vou falar agora dessa espécie de complexo de inferioridade que parece ser transversal a todos os teístas, deístas e quejandos, quando persistem nesse completo e ridículo absurdo da procura de uma explicação racional para a sua fé.
Nunca percebi porque é que as pessoas de fé, se se orgulham dela (vá lá o Diabo entender isso), não a afirmam de peito aberto e não assumem também com orgulho a sua irracionalidade.
Vou antes tentar perceber quem era esse tal de Santo Agostinho que o Papa BentoXVI considera «um modelo de harmonia num percurso intelectual e espiritual».
Encontrado e definido esse modelo, talvez possamos compreender e conhecer melhor o próprio Papa.
Pois bem:
Santo Agostinho, ou Agostinho de Hipona, viveu entre os anos 354 e 430.
Foi canonizado e é considerado um «doutor da Igreja».
Talvez o que mais tenha distinguido Santo Agostinho, tendo em vista principalmente o tempo em que viveu, foi a defesa de que as Escrituras deviam ser lidas e interpretadas de acordo com o conhecimento e o modo de pensar de cada época, e que a fé cristã se deveria interligar com o estudo da natureza.
Tinha, de facto, uma visão bastante pragmática da teologia (passe a expressão), sem contudo abandonar os costumeiros fundamentalismos da fé, como o pecado original e que as crianças que morriam sem baptismo estavam condenadas eternamente ao Inferno, ou uma fanática e obstinada defesa da Trindade.
Por aqui já podemos começar a ter uma primeira imagem de quem foi este «modelo de harmonia» do Papa Bento XVI.
Mas Santo Agostinho defendeu também que a Igreja Católica deveria usar de toda a força e métodos que fossem necessários para eliminar «os seus filhos perdidos» antes que estes conduzissem outros à sua própria destruição.
Exemplo disso foi a promoção e defesa acérrima da perseguição e do sangrento massacre dos «donatistas», em brilhantes escritos que ao longo da História da Igreja foram profusamente utilizados como explicação e fundamentação «racionalista» para as perseguições religiosas e para a própria Inquisição.
Foi precisamente nesse mesmo sentido que Santo Agostinho defendeu o conceito de «Guerra Santa» e de «Guerra Santa Preventiva», o que uma vez mais veio a servir de fundamentação filosófica – e “racionalista”, como é bom de ver – para os incontáveis massacres perpetrados pela Igreja ao longo dos séculos.
Santo Agostinho defendeu ainda a perseguição, a morte e a dispersão dos judeus pelo mundo, a quem culpava, como a Bíblia também o faz, pela morte de Jesus Cristo.
Defendia o celibato do clero mas, pesar de ter chegado a ser ordenado bispo, chegou a ter duas mulheres simultaneamente.
A sua primeira mulher teve der ser sua concubina por dois anos antes de se poderem casar, pois não tinha ainda idade suficiente para contrair matrimónio, que na ocasião era aos doze anos.
Como qualquer bom católico considerava a mulher um ser inferior e incapaz de raciocinar de forma coerente, impuro, pecaminoso e até desprovido de alma.
E como qualquer bom fundamentalista católico Santo Agostinho era também um conhecido tarado sexual.
Apesar de pertencer ao clero, de ter duas mulheres simultaneamente e de lhe serem conhecidos incontáveis devaneios extra-conjugais, considerava o sexo e «os prazeres da carne» como os piores e mais abjectos de todos os pecados.
Foi talvez nessa brilhante e incessante busca da conciliação ente a religião, o mundo prático da natureza e o racionalismo, e que fez dele «doutor da Igreja», que Santo Agostinho proferiu uma das suas mais célebres proclamações e solicitações ao mitológico Altíssimo dos católicos, o que antes de mais provou que bem podia ser um mitómano fanático, um típico misógino e tarado sexual, um impiedoso defensor de «guerras santas» e do extermínio e dos massacres dos fiéis das religiões rivais, mas que, ao mesmo tempo, não era nada parvo:
- «Senhor, concede-me a continência e a castidade... mas por enquanto ainda não!»
Em suma:
Podemos agora perceber com mais exactidão quem é e o que defende filosoficamente este Ratzinger, mais conhecido por Papa Bento XVI, agora através do percurso, dos ensinamentos e da personalidade de um homem a quem acabou de considerar como «um modelo de harmonia num percurso intelectual e espiritual».
Católicos de todo o mundo: orgulhai-vos!
Foi precisamente nesse mesmo sentido que Santo Agostinho defendeu o conceito de «Guerra Santa» e de «Guerra Santa Preventiva», o que uma vez mais veio a servir de fundamentação filosófica – e “racionalista”, como é bom de ver – para os incontáveis massacres perpetrados pela Igreja ao longo dos séculos.
Santo Agostinho defendeu ainda a perseguição, a morte e a dispersão dos judeus pelo mundo, a quem culpava, como a Bíblia também o faz, pela morte de Jesus Cristo.
Defendia o celibato do clero mas, pesar de ter chegado a ser ordenado bispo, chegou a ter duas mulheres simultaneamente.
A sua primeira mulher teve der ser sua concubina por dois anos antes de se poderem casar, pois não tinha ainda idade suficiente para contrair matrimónio, que na ocasião era aos doze anos.
Como qualquer bom católico considerava a mulher um ser inferior e incapaz de raciocinar de forma coerente, impuro, pecaminoso e até desprovido de alma.
E como qualquer bom fundamentalista católico Santo Agostinho era também um conhecido tarado sexual.
Apesar de pertencer ao clero, de ter duas mulheres simultaneamente e de lhe serem conhecidos incontáveis devaneios extra-conjugais, considerava o sexo e «os prazeres da carne» como os piores e mais abjectos de todos os pecados.
Foi talvez nessa brilhante e incessante busca da conciliação ente a religião, o mundo prático da natureza e o racionalismo, e que fez dele «doutor da Igreja», que Santo Agostinho proferiu uma das suas mais célebres proclamações e solicitações ao mitológico Altíssimo dos católicos, o que antes de mais provou que bem podia ser um mitómano fanático, um típico misógino e tarado sexual, um impiedoso defensor de «guerras santas» e do extermínio e dos massacres dos fiéis das religiões rivais, mas que, ao mesmo tempo, não era nada parvo:
- «Senhor, concede-me a continência e a castidade... mas por enquanto ainda não!»
Em suma:
Podemos agora perceber com mais exactidão quem é e o que defende filosoficamente este Ratzinger, mais conhecido por Papa Bento XVI, agora através do percurso, dos ensinamentos e da personalidade de um homem a quem acabou de considerar como «um modelo de harmonia num percurso intelectual e espiritual».
Católicos de todo o mundo: orgulhai-vos!
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
É impressão minha...
...ou as pessoas que recomendavam calma, ponderação, prevenção e pedagogia quando ainda ontem falavam da actuação da A.S.A.E...
... são precisamente as mesmas que hoje clamam pela imediata investigação das recentes acusações feitas pelo novo bastonário da Ordem dos Advogados, que promovem urgentes inquéritos parlamentares e exigem do Governo uma aplicação da lei de forma rigorosa e sem quaisquer contemplações?...
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
...Pero que las hay, l’ASAE…
Já lá vai uma boa dúzia de anos, ia a malta toda a caminho de uma daquelas provas de todo-o-terreno quando resolvemos parar em Montemor para comer umas sandes.
Se bem me lembro era o último café do lado esquerdo, um pouco antes de umas bombas de gasolina mesmo à saída da povoação.
Encomendámos de pé ao balcão e dirigi-me à casa de banho.
Nem entrei!
Deve ter sido uma das casas de banho mais sujas que já vi na minha vida. Até merda havia nas paredes. Literalmente.
Voltei e dei uma descasca ao sujeito que estava atrás do balcão e disse que me recusava a consumir o que quer que fosse num estabelecimento que mantinha as suas casas de banho naquele estado. A malta que ia comigo fez-me a vontade e saímos todos, deixando o homem muito indignado com a tremenda injustiça de que acabava de ser vítima.
Parece que muita gente já se esqueceu de que ainda há muito pouco tempo era absolutamente vulgar encontrar pardieiros como este. Parece até que se esquecem que de vez em quando, mesmo hoje ainda lá vai aparecendo um ou outro.
Parece que muita gente já se esqueceu de que comer um simples croquete num café desconhecido era uma espécie de roleta russa para uma futura gastro-enterite.
Uma vez um cliente, empregado de um restaurante, fez-me um aviso de verdadeiro amigo: recomendou-me que nunca lá fosse, pois nem ele próprio lá comia. O dono da tasca ia todos os fins de semana não se sabe onde, e trazia no porta-bagagens do carro uns pedaços de carcaças de porco e vaca, que comprava muito em conta, claro está, e que simplesmente deixava dias e dias no chão do armário frigorífico, até serem gradualmente consumidos pelos seus inocentes clientes.
Na Faculdade de Direito de Lisboa na parede de uma das casas de banho do primeiro andar durante cinco anos vi manuscritas a um castanho característico e de indubitável origem e em letras garrafais estas palavras: «falta papel!».
Nunca ninguém se preocupou em limpar aquela porcaria: quando lá entrei, lá estava aquilo. Quando saí, ainda lá ficou.
Outro cliente apareceu-me indignado com o anterior proprietário do restaurante que tinha comprado: o armário frigorífico nem sequer tinha motor e até as condutas de exaustão das casas de banho e da cozinha eram falsas: tinham não mais do que umas grelhas a fingir, que estavam simplesmente pregadas à parede, e nada havia por trás.
Mas agora, de repente, apareceu a A.S.A.E.
A sua estratégia inicial foi mais do que óbvia e pareceu-me correcta: publicitar ao máximo na comunicação social as suas intervenções, fazendo passar uma imagem de inflexibilidade e de rigor, procurando uma crescente dissuasão dos eventuais prevaricadores, qualquer que fosse o ramo de comércio ou da actividade económica a que se dedicassem.
Enquanto fiscalizavam e multavam uns, dissuadiam os outros.
Mas foi Sol de pouca dura, está bom de ver.
Não sei quem começou. Mas, de repente, comecei a ouvir defender o direito dos portugueses a cumprirem tradições milenares que os malandros da ASAE não respeitavam.
Assim como quem vem defender a tradição dos touros de morte em Barrancos, defende-se agora o direito ao arroz de cabidela, com “sangue caseiro”, claro está, o direito ao galheteiro com aquele “azeite caseiro” muito bom e que vem «lá da terra», e o direito a vender na praia às criancinhas portuguesas bolas-de-berlim com creme, embora ninguém saiba onde é que tradicionalmente são confeccionadas, e quanto tempo manda a tradição que o creme esteja ao Sol a fermentar.
Indignam-se as pessoas contra esse inaudito ultraje que a ASAE ousou levar a cabo, que foi encerrar preventivamente a “Ginjinha” do Rossio, esse exemplo máximo da cultura portuguesa, embora ninguém se tenha preocupado em saber os motivos do encerramento ou se o estabelecimento funcionava dentro da legalidade. Ou até se lavava os copos.
O país vai às lágrimas, quando vê na televisão confiscar aqueles milhares de dvd’s piratas ou as camisas de marca a fazer de conta, tudo metido em sacos. Mal empregado, que era tudo tão barato e parecia mesmo verdadeiro.
Por entre a vociferação, que dá sempre uns interessantes artigos de jornal, lá veio o aproveitamento político.
Uma vez mais a reboque da comunicação social, que é assim que se faz oposição em Portugal.
No Algarve, Mendes Bota veio ontem com o fado de que se o Salazar tinha a PIDE, o Sócrates tem a ASAE.
Sem sequer se indignar com a boçalidade e a falta de gosto da piada, Luís Filipe Menezes diz que não é tanto assim, que a ASAE afinal parece mais o F.B.I.
No «Expresso» Daniel de Oliveira exige respeito pelos «direitos cívicos» e afirma que punir por irregularidades menores sem fazer prevenção e pedagogia é um erro.
Até o sisudo Cavaco Silva já faz umas piadas de mau gosto com a ASAE. Pelos vistos até o Presidente já acha graça quando em Portugal um órgão de polícia resolve cumprir a lei.
E assim vai funcionando este país pequenino.
Um país onde os ricos esperam mais um benefício fiscal, os menos afortunados clamam por um subsídio do Estado ou uma casa à borla, e todos eles esperam uma “reforma antecipada”, com um atestado de um médico amigo, de preferência por “motivos psiquiátricos”, que são aqueles “em que dá para sair de casa”.
Um país onde se generalizou a complacência pela mediocridade, onde se tolera a mais imbecil incompetência, onde ninguém quer ser avaliado e onde o chico-espertismo vale sempre a pena.
Um país de 10 milhões de habitantes onde morrem 9 pessoas por dia nas estradas, mas onde o heroísmo se mede pelo grau de alcoolemia, porque há sempre hipótese de dizer ao “bófia” «vá lá, xou guarda, deixe lá a malta seguir, foram só uns copitos que este meu amigo aqui faz hoje anos».
Um país onde todos fazem sonoras acusações públicas «daquelas coisas que toda a gente sabe», mas que nunca ninguém teve coragem para acusar em concreto quem foi que praticou.
Um país onde quase nunca ninguém paga pela merda que faz.
E quanto maior a merda, maior a impunidade: dos Estados Unidos ou da Alemanha, chegam-nos notícias de grandes empresários ou presidentes de bancos condenados a longas penas de prisão por «aventuras» bem menores das que ouvimos imputadas às administrações do B.C.P.
Mas em Portugal, Jardim Gonçalves ainda conserva o direito inalienável ao uso privado do jacto particular do banco a cujos quadros já nem pertence.
O forrobodó é de tal ordem, que neste país de Carnaval, com o seu Alberto João Jardim privativo e tudo, já não causa estranheza a ninguém, e todos acham perfeitamente normal que o líder da oposição utilize como arma de arremesso político-partidária e critique o Governo pelo facto de um órgão de polícia estar... a cumprir a lei!
Durante décadas ouvimos clamar por «JUSTIÇA», pelo cumprimento da Lei, doa a quem doer, mesmo aos ricos e «aos poderosos».
Mas, de repente, parece que o país ainda não está preparado para que alguém faça cumprir a lei.
E recomenda-se então uma espécie de paternalismo salazarista sob a forma de uma «prevenção» ou de uma «pedagogia», quem sabe se de uma maior “permeabilidade” ou “compreensão” dos agentes da ASAE, quem sabe se “encorajados” ou “incentivados” por umas notitas escorridas à socapa por debaixo do balcão.
Isso sim, o que é preciso é «compreensão», de preferência com umas notas «para o Sr. agente ir tomar um copito», isso sim, isso é que é bem português, como o é o arroz de cabidela, o galheteiro de azeite caseiro, ou as bolas-de-berlim com creme na praia.
Assim, acabava-se com este maldito autoritarismo do Governo, que não respeita os nossos «direitos adquiridos», instalava-se um Centro de Saúde em cada bairro, com urgências, maternidade e tudo, que só assim, à porta de casa, é que há Serviço Nacional de Saúde, acabava-se com a ASAE e todos já podíamos ir para a praia descansados comer bolas-de-berlim com creme.
De preferência subsidiadas, como é bom de ver.
Quem paga a conta?
Mas quem havia de ser? Pagam «os gajos», claro está, que «os gajos» só estão lá é para se encherem «à nossa custa»!
Não!
Não quero que a ASAE actue com «prevenção» ou com «pedagogia».
Quero que cumpra a lei e a faça cumprir.
Que actue com bom senso, sim; mas quero que actue com RIGOR.
Nem entrei!
Deve ter sido uma das casas de banho mais sujas que já vi na minha vida. Até merda havia nas paredes. Literalmente.
Voltei e dei uma descasca ao sujeito que estava atrás do balcão e disse que me recusava a consumir o que quer que fosse num estabelecimento que mantinha as suas casas de banho naquele estado. A malta que ia comigo fez-me a vontade e saímos todos, deixando o homem muito indignado com a tremenda injustiça de que acabava de ser vítima.
Parece que muita gente já se esqueceu de que ainda há muito pouco tempo era absolutamente vulgar encontrar pardieiros como este. Parece até que se esquecem que de vez em quando, mesmo hoje ainda lá vai aparecendo um ou outro.
Parece que muita gente já se esqueceu de que comer um simples croquete num café desconhecido era uma espécie de roleta russa para uma futura gastro-enterite.
Uma vez um cliente, empregado de um restaurante, fez-me um aviso de verdadeiro amigo: recomendou-me que nunca lá fosse, pois nem ele próprio lá comia. O dono da tasca ia todos os fins de semana não se sabe onde, e trazia no porta-bagagens do carro uns pedaços de carcaças de porco e vaca, que comprava muito em conta, claro está, e que simplesmente deixava dias e dias no chão do armário frigorífico, até serem gradualmente consumidos pelos seus inocentes clientes.
Na Faculdade de Direito de Lisboa na parede de uma das casas de banho do primeiro andar durante cinco anos vi manuscritas a um castanho característico e de indubitável origem e em letras garrafais estas palavras: «falta papel!».
Nunca ninguém se preocupou em limpar aquela porcaria: quando lá entrei, lá estava aquilo. Quando saí, ainda lá ficou.
Outro cliente apareceu-me indignado com o anterior proprietário do restaurante que tinha comprado: o armário frigorífico nem sequer tinha motor e até as condutas de exaustão das casas de banho e da cozinha eram falsas: tinham não mais do que umas grelhas a fingir, que estavam simplesmente pregadas à parede, e nada havia por trás.
Mas agora, de repente, apareceu a A.S.A.E.
A sua estratégia inicial foi mais do que óbvia e pareceu-me correcta: publicitar ao máximo na comunicação social as suas intervenções, fazendo passar uma imagem de inflexibilidade e de rigor, procurando uma crescente dissuasão dos eventuais prevaricadores, qualquer que fosse o ramo de comércio ou da actividade económica a que se dedicassem.
Enquanto fiscalizavam e multavam uns, dissuadiam os outros.
Mas foi Sol de pouca dura, está bom de ver.
Não sei quem começou. Mas, de repente, comecei a ouvir defender o direito dos portugueses a cumprirem tradições milenares que os malandros da ASAE não respeitavam.
Assim como quem vem defender a tradição dos touros de morte em Barrancos, defende-se agora o direito ao arroz de cabidela, com “sangue caseiro”, claro está, o direito ao galheteiro com aquele “azeite caseiro” muito bom e que vem «lá da terra», e o direito a vender na praia às criancinhas portuguesas bolas-de-berlim com creme, embora ninguém saiba onde é que tradicionalmente são confeccionadas, e quanto tempo manda a tradição que o creme esteja ao Sol a fermentar.
Indignam-se as pessoas contra esse inaudito ultraje que a ASAE ousou levar a cabo, que foi encerrar preventivamente a “Ginjinha” do Rossio, esse exemplo máximo da cultura portuguesa, embora ninguém se tenha preocupado em saber os motivos do encerramento ou se o estabelecimento funcionava dentro da legalidade. Ou até se lavava os copos.
O país vai às lágrimas, quando vê na televisão confiscar aqueles milhares de dvd’s piratas ou as camisas de marca a fazer de conta, tudo metido em sacos. Mal empregado, que era tudo tão barato e parecia mesmo verdadeiro.
Por entre a vociferação, que dá sempre uns interessantes artigos de jornal, lá veio o aproveitamento político.
Uma vez mais a reboque da comunicação social, que é assim que se faz oposição em Portugal.
No Algarve, Mendes Bota veio ontem com o fado de que se o Salazar tinha a PIDE, o Sócrates tem a ASAE.
Sem sequer se indignar com a boçalidade e a falta de gosto da piada, Luís Filipe Menezes diz que não é tanto assim, que a ASAE afinal parece mais o F.B.I.
No «Expresso» Daniel de Oliveira exige respeito pelos «direitos cívicos» e afirma que punir por irregularidades menores sem fazer prevenção e pedagogia é um erro.
Até o sisudo Cavaco Silva já faz umas piadas de mau gosto com a ASAE. Pelos vistos até o Presidente já acha graça quando em Portugal um órgão de polícia resolve cumprir a lei.
E assim vai funcionando este país pequenino.
Um país onde os ricos esperam mais um benefício fiscal, os menos afortunados clamam por um subsídio do Estado ou uma casa à borla, e todos eles esperam uma “reforma antecipada”, com um atestado de um médico amigo, de preferência por “motivos psiquiátricos”, que são aqueles “em que dá para sair de casa”.
Um país onde se generalizou a complacência pela mediocridade, onde se tolera a mais imbecil incompetência, onde ninguém quer ser avaliado e onde o chico-espertismo vale sempre a pena.
Um país de 10 milhões de habitantes onde morrem 9 pessoas por dia nas estradas, mas onde o heroísmo se mede pelo grau de alcoolemia, porque há sempre hipótese de dizer ao “bófia” «vá lá, xou guarda, deixe lá a malta seguir, foram só uns copitos que este meu amigo aqui faz hoje anos».
Um país onde todos fazem sonoras acusações públicas «daquelas coisas que toda a gente sabe», mas que nunca ninguém teve coragem para acusar em concreto quem foi que praticou.
Um país onde quase nunca ninguém paga pela merda que faz.
E quanto maior a merda, maior a impunidade: dos Estados Unidos ou da Alemanha, chegam-nos notícias de grandes empresários ou presidentes de bancos condenados a longas penas de prisão por «aventuras» bem menores das que ouvimos imputadas às administrações do B.C.P.
Mas em Portugal, Jardim Gonçalves ainda conserva o direito inalienável ao uso privado do jacto particular do banco a cujos quadros já nem pertence.
O forrobodó é de tal ordem, que neste país de Carnaval, com o seu Alberto João Jardim privativo e tudo, já não causa estranheza a ninguém, e todos acham perfeitamente normal que o líder da oposição utilize como arma de arremesso político-partidária e critique o Governo pelo facto de um órgão de polícia estar... a cumprir a lei!
Durante décadas ouvimos clamar por «JUSTIÇA», pelo cumprimento da Lei, doa a quem doer, mesmo aos ricos e «aos poderosos».
Mas, de repente, parece que o país ainda não está preparado para que alguém faça cumprir a lei.
E recomenda-se então uma espécie de paternalismo salazarista sob a forma de uma «prevenção» ou de uma «pedagogia», quem sabe se de uma maior “permeabilidade” ou “compreensão” dos agentes da ASAE, quem sabe se “encorajados” ou “incentivados” por umas notitas escorridas à socapa por debaixo do balcão.
Isso sim, o que é preciso é «compreensão», de preferência com umas notas «para o Sr. agente ir tomar um copito», isso sim, isso é que é bem português, como o é o arroz de cabidela, o galheteiro de azeite caseiro, ou as bolas-de-berlim com creme na praia.
Assim, acabava-se com este maldito autoritarismo do Governo, que não respeita os nossos «direitos adquiridos», instalava-se um Centro de Saúde em cada bairro, com urgências, maternidade e tudo, que só assim, à porta de casa, é que há Serviço Nacional de Saúde, acabava-se com a ASAE e todos já podíamos ir para a praia descansados comer bolas-de-berlim com creme.
De preferência subsidiadas, como é bom de ver.
Quem paga a conta?
Mas quem havia de ser? Pagam «os gajos», claro está, que «os gajos» só estão lá é para se encherem «à nossa custa»!
Não!
Não quero que a ASAE actue com «prevenção» ou com «pedagogia».
Quero que cumpra a lei e a faça cumprir.
Que actue com bom senso, sim; mas quero que actue com RIGOR.
O máximo rigor.
Não quero ir a um hotel, a um restaurante ou a outro sítio qualquer com a família e ter o azar de entrar num estabelecimento que ainda não foi «prevenido» pela ASAE ou que ainda não foi agraciado com a sua «pedagogia».
Ao contrário, quero que os proprietários dos restaurantes tenham MEDO.
Que tenham muito medo que a todo o momento lhes possa aparecer uma visita surpresa da ASAE, e que tenham medo do rigor e das medidas implacáveis contra TODAS as ilegalidades que sejam encontradas.
E que então, mantenham os seus estabelecimentos... dentro da lei!
Porque uma coisa é certa:
A «prevenção» e a «pedagogia» fazem-se não com complacência pela ilegalidade, mas por um cumprimento da lei rigoroso, escrupuloso e, absoluta e inequivocamente, sem quaisquer excepções!
Não quero ir a um hotel, a um restaurante ou a outro sítio qualquer com a família e ter o azar de entrar num estabelecimento que ainda não foi «prevenido» pela ASAE ou que ainda não foi agraciado com a sua «pedagogia».
Ao contrário, quero que os proprietários dos restaurantes tenham MEDO.
Que tenham muito medo que a todo o momento lhes possa aparecer uma visita surpresa da ASAE, e que tenham medo do rigor e das medidas implacáveis contra TODAS as ilegalidades que sejam encontradas.
E que então, mantenham os seus estabelecimentos... dentro da lei!
Porque uma coisa é certa:
A «prevenção» e a «pedagogia» fazem-se não com complacência pela ilegalidade, mas por um cumprimento da lei rigoroso, escrupuloso e, absoluta e inequivocamente, sem quaisquer excepções!
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Respeitar a opinião das outras pessoas
Foi tudo muito bonito:
Centenas de milhar de pessoas reuniram-se na Praça de São Pedro em Roma para manifestar a sua solidariedade ao Papa Bento XVI, certamente muito envergonhado por ter sido forçado a anular uma palestra marcada para o passado dia 17 de Janeiro, na Universidade La Sapienza, em Roma.
Com efeito, cerca de 67 professores daquela Universidade manifestaram-se veementemente contra a visita do Papa, por o considerarem «obscurantista», recordando que Bento XVI considera, por exemplo, que o processo movido pela Igreja Católica contra Galileu foi «razoável e justo».
Agradecendo aos presentes na Praça de São Pedro tão comovente desagravo, o Papa Bento XVI convidou todas as pessoas, especialmente os universitários, «a respeitar as opiniões das outras pessoas e a procurar com espírito livre e responsável a verdade e o bem».
Às vezes aparecem-nos à frente coisas com muita graça. Mas esta do Papa vir recomendar o respeito pelas opiniões dos outros deve bater todos os recordes.
Um Papa que representa uma organização absolutamente tenebrosa e que há dois mil anos mancha de sangue a História da Humanidade, que é responsável por incontáveis cruzadas, e sanguinárias perseguições religiosas e que canoniza os torcionários que as praticam, que concede refúgio e passaportes diplomáticos a criminosos de guerra nazis, que ainda hoje mantém um «index» de livros proibidos, que recomenda a proibição de filmes, como «O Código da Vinci», ou dos livros de «Harry Potter», que discrimina as mulheres e os homossexuais, que coloca os seus dogmas imbecis acima da própria vida humana, que protege e refugia no Vaticano padres procurados pelas polícias de todo o mundo, acusados de crimes de pedofilia... vir arengar «o respeito pela opinião das outras pessoas e a procura com espírito livre e responsável a verdade e o bem», de facto não lembrava ao Diabo!
Uma coisa é certa:
Para um Papa, ou quem quer que seja, vir a público dizer uma cavalidade destas, não lhe basta um incomensurável cinismo.
Na minha opinião é preciso, antes de mais, ser-se um grande canalha!
Uma opinião que o Papa Bento XVI decerto respeitará...
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Gente de Fé
Não há dúvida:
A fé é um dom que, de facto, não está ao alcance de toda a gente...
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
Mas por que raio é que a fé deve merecer o meu respeito?
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
Poema do Menino Jesus
Fernando Pessoa
(Alberto Caeiro)
O Guardador de Rebanhos - VIII (08-03-1914)
Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu,
Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem.
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz.
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus,
Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..........................................................................
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina.
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.................................................................................
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
....................................................................................
Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
Do Fanatismo à Imbecilidade
Na sua homilia semanal, o Abominável César das Neves volta ao ataque no «Diário de Notícias» de hoje, desta vez com um artigo que intitula “Como a Igreja Criou a Europa”.
O artigo é tão assombrosamente asinino e as alarvidades que contém são tão de tal forma ridículas, que para ficarmos com uma ideia basta citar estas singelas passagens:
«...a Igreja Católica, vencendo o paganismo obscurantista e civilizando os bárbaros, foi uma poderosa força dinâmica, estabelecendo os valores de tolerância, caridade e progresso que criaram a sociedade contemporânea.
«A Idade Média, conhecida como "Idade das Trevas", foi uma das épocas de maior desenvolvimento e criatividade técnica, artística e institucional da História».
Como se não bastasse, este manso e simples candidato ao Reino dos Céus ainda nos mimoseia com a afirmação de que devemos à a Igreja Católica o lançamento «das bases da ciência, a separação Igreja-Estado e a liberdade dos escravos».
Quem diz isto não pode ser só ignorante!
Quem diz isto não pode ser só um simples e pobre fanático, com os sentidos e o intelecto já completamente embotados por delírios místicos e religiosos.
Quem diz isto é muito mais do que uma abécula, mais do que um qualquer coitado pobre de espírito digno não mais do que de piedade e de muita, mas muita comiseração.
De facto, creditar à Igreja Católica ter trazido à História da Humanidade valores como a tolerância e o progresso, atribuir-lhe a responsabilidade pelo lançamento das bases da ciência, do fim da escravatura e até a separação da Igreja e do Estado, já não é simples estupidez ou mera ignorância.
Porque proferir estes dislates toca já as raias de uma incomensurável imbecilidade.
Só assim se explica que alguém possa ter a coragem e o autêntico arrojo de tentar fazer passar por parvos todos os leitores de um jornal e fazer de conta que ninguém nunca ouviu falar, por exemplo, no «Index Librorum Prohibitorum» ou a lista dos livros considerados perigosos ou “perniciosos” e que eram proibidos pela Igreja Católica Apostólica Romana – lista que ainda hoje existe(!) – entre os quais se contam os livros de Galileu Copérnico, Maquiavel, Erasmo, Espinosa, Locke, Berkeley, Diderot, Voltaire, Pascal, Hobbes, Descartes, Rousseau Montesquieu, Hume, Kant, Milton, Vítor Hugo, Zola, Stendhal, Flaubert, Balzac, Sartre, etc., etc.
Como pode alguém creditar uma organização simplesmente tenebrosa de ser «tolerante» e «caridosa» quando essa mesma organização é responsável pelo indizível sofrimento de milhares e milhares de pessoas ao longo de vários séculos, e não só sob a responsabilidade dessa autêntica associação de malfeitores (cujos responsáveis estão hoje todos canonizados), que dava pelo nome de Santa Inquisição – e que ainda hoje existe, embora sob o romântico nome de «Congregação Para a Doutrina da Fé» - e que ainda no ano de 1826 detinha poder suficiente para imolar pelo fogo alguém simplesmente acusado de “deísmo”?
Como pode alguém dizer que a Igreja Católica lançou as bases da Ciência enquanto queimou Giordano Bruno numa fogueira (não sem antes lhe ter pregado a língua a uma tábua «para o fazer parar de blasfemar») e ia fazendo o mesmo a Galileu?
Como pode alguém ter coragem de elogiar a Igreja Católica pelos seus elevados valores de tolerância e até mesmo por ter abolido a escravatura, quando se conhecem os massacres dos Cátaros, de centenas de milhar de judeus ou de “hereges”, ou os sucessivos massacres de populações inteiras perpetrados por ordas fanáticas organizadas sob o nome de «Cruzadas»?
Como pode alguém afirmar como época de grande desenvolvimento e criatividade institucional da História, precisamente a época em que viveu – e prevaleceu – Tomás de Torquemada?
Como pode alguém apodar de «poderosa força dinâmica» a mesma quadrilha organizada que tem contribuído para o atraso endémico de tantas sociedades, que sempre se tem aliado a ditadores sanguinários e que há já dois milénios tenta incutir aos Homens os mesmos valores de xenofobia, de homofobia, de misoginia, de racismo, de intolerância e de discriminação e, como se não bastasse, os mesmos preconceitos e abjectas taras sexuais de que, pelos vistos, os seus fiéis parecem invariavelmente padecer?
Mas, se virmos bem, talvez o mais triste disto tudo não esteja no pobre coitado do João César das Neves e nas imbecilidades que o «Diário de Notícias» o deixa escrever todas as semanas.
O que é profundamente triste é pensar na quantidade imensa de pessoas que, reféns do mesmo estúpido e cretino fanatismo, sofrem dos mesmos e precisos delírios e, lá no fundo,... pensam exactamente como ele...
Como se não bastasse, este manso e simples candidato ao Reino dos Céus ainda nos mimoseia com a afirmação de que devemos à a Igreja Católica o lançamento «das bases da ciência, a separação Igreja-Estado e a liberdade dos escravos».
Quem diz isto não pode ser só ignorante!
Quem diz isto não pode ser só um simples e pobre fanático, com os sentidos e o intelecto já completamente embotados por delírios místicos e religiosos.
Quem diz isto é muito mais do que uma abécula, mais do que um qualquer coitado pobre de espírito digno não mais do que de piedade e de muita, mas muita comiseração.
De facto, creditar à Igreja Católica ter trazido à História da Humanidade valores como a tolerância e o progresso, atribuir-lhe a responsabilidade pelo lançamento das bases da ciência, do fim da escravatura e até a separação da Igreja e do Estado, já não é simples estupidez ou mera ignorância.
Porque proferir estes dislates toca já as raias de uma incomensurável imbecilidade.
Só assim se explica que alguém possa ter a coragem e o autêntico arrojo de tentar fazer passar por parvos todos os leitores de um jornal e fazer de conta que ninguém nunca ouviu falar, por exemplo, no «Index Librorum Prohibitorum» ou a lista dos livros considerados perigosos ou “perniciosos” e que eram proibidos pela Igreja Católica Apostólica Romana – lista que ainda hoje existe(!) – entre os quais se contam os livros de Galileu Copérnico, Maquiavel, Erasmo, Espinosa, Locke, Berkeley, Diderot, Voltaire, Pascal, Hobbes, Descartes, Rousseau Montesquieu, Hume, Kant, Milton, Vítor Hugo, Zola, Stendhal, Flaubert, Balzac, Sartre, etc., etc.
Como pode alguém creditar uma organização simplesmente tenebrosa de ser «tolerante» e «caridosa» quando essa mesma organização é responsável pelo indizível sofrimento de milhares e milhares de pessoas ao longo de vários séculos, e não só sob a responsabilidade dessa autêntica associação de malfeitores (cujos responsáveis estão hoje todos canonizados), que dava pelo nome de Santa Inquisição – e que ainda hoje existe, embora sob o romântico nome de «Congregação Para a Doutrina da Fé» - e que ainda no ano de 1826 detinha poder suficiente para imolar pelo fogo alguém simplesmente acusado de “deísmo”?
Como pode alguém dizer que a Igreja Católica lançou as bases da Ciência enquanto queimou Giordano Bruno numa fogueira (não sem antes lhe ter pregado a língua a uma tábua «para o fazer parar de blasfemar») e ia fazendo o mesmo a Galileu?
Como pode alguém ter coragem de elogiar a Igreja Católica pelos seus elevados valores de tolerância e até mesmo por ter abolido a escravatura, quando se conhecem os massacres dos Cátaros, de centenas de milhar de judeus ou de “hereges”, ou os sucessivos massacres de populações inteiras perpetrados por ordas fanáticas organizadas sob o nome de «Cruzadas»?
Como pode alguém afirmar como época de grande desenvolvimento e criatividade institucional da História, precisamente a época em que viveu – e prevaleceu – Tomás de Torquemada?
Como pode alguém apodar de «poderosa força dinâmica» a mesma quadrilha organizada que tem contribuído para o atraso endémico de tantas sociedades, que sempre se tem aliado a ditadores sanguinários e que há já dois milénios tenta incutir aos Homens os mesmos valores de xenofobia, de homofobia, de misoginia, de racismo, de intolerância e de discriminação e, como se não bastasse, os mesmos preconceitos e abjectas taras sexuais de que, pelos vistos, os seus fiéis parecem invariavelmente padecer?
Mas, se virmos bem, talvez o mais triste disto tudo não esteja no pobre coitado do João César das Neves e nas imbecilidades que o «Diário de Notícias» o deixa escrever todas as semanas.
O que é profundamente triste é pensar na quantidade imensa de pessoas que, reféns do mesmo estúpido e cretino fanatismo, sofrem dos mesmos e precisos delírios e, lá no fundo,... pensam exactamente como ele...
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
O Conselheiro da Vida Cristã
Não há dúvida: o site «Christian Life Advisor» é de primordial importância para qualquer bom cristão que queira levar a sua vida na paz de Cristo.
No que se refere a namoro, sexo e coisas que tais, por exemplo, os conselhos são, de facto, absolutamente imprescindíveis.
Só mesmo visto, que contado não tem tanta piada.
Mas não resisto a citar aqui algumas passagens:
Em primeiro lugar o cristão é aconselhado a seguir um elevado padrão de vida no que concerne aos "prazeres da carne", para depois ser chamado a cumprir o que S. Paulo ensina, como seja «honrar Deus com o seu corpo».
Curiosamente, não se explica o que é que quer dizer isto. Mas um bom cristão decerto lá saberá...
De seguida, são dados alguns conselhos e dicas aos cristãos que queiram enveredar pelos ínvios caminhos do namoro, e que são conselhos que eu nem sequer supunha que houvesse necessidade de serem dados. Mas enfim, ninguém melhor que um cristão para conhecer outro cristão.
E, diz-se, são dicas que nunca falham, como por exemplo vestir-se bem, pentear o cabelo, lavar os dentes, usar desodorizante, e lavar o carro por dentro e por fora.
No meio de conselhos tão detalhados, aparentemente para um cristão ir namorar não precisa de tomar banho...
Mas depois vêm os conselhos verdadeiramente importantes:
Para já, antes sequer de sair de casa para ir ter com o seu encontro ou com a sua namorada, o bom cristão deve ajoelhar-se e rezar.
Não menos importante, quando namora o bom cristão deve abster-se dessa coisa ínvia, suja, pecaminosa e que ainda por cima só traz é troca de germes, que é o beijo.
O bom cristão não beija!
Só no dia do casamento (deve ser quando o padre diz que já pode beijar a noiva).
E porquê?
A resposta é simples e mais do que óbvia:
É que o beijo começa instantaneamente a estimular o homem sexualmente.
E isso, temos de concordar, é inadmissível.
Nada aqui se diz sobre a mulher e qual o seu papel no meio disto tudo, mas convenhamos que estamos a falar de cristianismo, pelo que isso não deve ser de estranhar.
Mas a lógica deste conselho é absolutamente imbatível: então se um homem cristão beija a sua namorada e isso lhe dá uma erecção (pois frequentemente, dizem-nos, só até a mera possibilidade de um beijo o pode fazer) estarão Deus ou a sua namorada a ser... honrados?
Nada aqui se diz sobre a mulher e qual o seu papel no meio disto tudo, mas convenhamos que estamos a falar de cristianismo, pelo que isso não deve ser de estranhar.
Mas a lógica deste conselho é absolutamente imbatível: então se um homem cristão beija a sua namorada e isso lhe dá uma erecção (pois frequentemente, dizem-nos, só até a mera possibilidade de um beijo o pode fazer) estarão Deus ou a sua namorada a ser... honrados?
É óbvio que não!
Mas há também uma questão de saúde: é que será saudável para um homem ser sucessivamente excitado sexualmente sem ser «sexualmente aliviado»?
Mas há também uma questão de saúde: é que será saudável para um homem ser sucessivamente excitado sexualmente sem ser «sexualmente aliviado»?
É que quando um homem se excita sexualmente uma grande quantidade de sangue aflui «aos seus genitais». E se a ejaculação não ocorre, a acumulação de sangue pode ser dolorosa e isso não pode ser bom para ninguém.
E enfim, cá temos um cristão (que não há melhor especialista em sexo do que um bom cristão), a contribuir para a manutenção da mais antiga patranha do mundo que se pode pregar a uma mulher.
Finalmente, para melhor fugir às tentações da carne, o bom cristão é aconselhado a sair com a namorada com outros casais. Não, não é para levar a cabo novas experiências em grupo.
É simplesmente porque os grupos ajudam a manter... a pureza do relacionamento.
E é então que surge o conselho final: em caso de dúvida o bom cristão deve perguntar a si próprio o que faria Jesus no seu lugar.
E então deve fazê-lo.
É, de facto, de ir às lágrimas.
E só me pergunto:
Mas por que raio é que para alguém acreditar em Deus tem primeiro de perder o sentido do ridículo e depois transformar-se positivamente num autêntico tarado sexual?
E enfim, cá temos um cristão (que não há melhor especialista em sexo do que um bom cristão), a contribuir para a manutenção da mais antiga patranha do mundo que se pode pregar a uma mulher.
Finalmente, para melhor fugir às tentações da carne, o bom cristão é aconselhado a sair com a namorada com outros casais. Não, não é para levar a cabo novas experiências em grupo.
É simplesmente porque os grupos ajudam a manter... a pureza do relacionamento.
E é então que surge o conselho final: em caso de dúvida o bom cristão deve perguntar a si próprio o que faria Jesus no seu lugar.
E então deve fazê-lo.
É, de facto, de ir às lágrimas.
E só me pergunto:
Mas por que raio é que para alguém acreditar em Deus tem primeiro de perder o sentido do ridículo e depois transformar-se positivamente num autêntico tarado sexual?
segunda-feira, 7 de janeiro de 2008
Desde que seja como eu quero…
Nem de propósito: no passado dia 31 de Dezembro saio do autocarro na Plaza de Colon, em Madrid, e deparo-me subitamente com uma (para mim) inesperada manifestação de várias centenas de milhar de pessoas que, a pretexto de uma reunião de celebração da «família cristã», e todas muito afinadas e em obediente coro e com palavras de ordem gritadas em católicos altifalantes, bramavam contra as mais recentes políticas do governo espanhol.
As palavras de ordem e os cartazes não enganavam: aquele imenso rebanho de fiéis católicos, comandados por dezenas de sotainas estrategicamente espalhadas e que conduziam as ovelhas pelos redis mais convenientes, aprestava-se a servir ali de pretexto para as cúpulas da Igreja Católica espanhola uma vez mais se imiscuírem na política do Estado.
Desta vez queriam não mais do que promover «os valores da família cristã tradicional» o que, está bom de ver, só pode existir com a criminalização do aborto, com o fim do casamento homossexual, com o fim da proposta de inclusão nos currículos da disciplina de “Educação para a Cidadania” (e dessa coisa horrenda que é a educação sexual!) e até com a completa proibição do divórcio para todas as formas de casamento.
Pois bem:
Que os católicos se reunam em rebanhos, isso é lá com eles.
Mas repare-se que o que aquela carneirada queria não era manifestar-se contra direitos de que esteja privada ou sequer rebelar-se contra algo que lhe estivesse a ser imposto contra a sua vontade.
Nem muito menos pretendia proclamar a sua fé ou louvaminhar e bajular o seu Deus.
Nem sequer queriam pugnar pela defesa dos seus princípios e dos seus dogmas religiosos, por muito irracionais ou até imbecis que eles sejam.
Não!
O que aquela piedosa multidão pretendia era não mais do que pugnar pela imposição desses seus princípios e desses seus dogmas... aos outros!
Porque ninguém ali queria proclamar, gritar bem alto se muito bem quisesse, que, por exemplo, era contra o divórcio. E que, por exemplo, tinha optado como filosofia de vida própria nunca se divorciar.
Não!
Para isso não era preciso todo aquele miserável espectáculo. O que aquele gado amestrado queria era nada mais nada menos do que a completa proibição do divórcio para todos, independentemente da sua religião.
Porque, se um imbecil qualquer acha que uma «família cristã» não se divorcia, nem mesmo quando a mulher leva grandes cargas de porrada do marido, então o melhor é proibir o divórcio para toda a gente, que só assim é que se defendem os valores judaico-cristãos da sociedade.
O recente assassinato de Benazir Bhutto, no dia 27 de Dezembro e até a anulação do «Lisboa-Dakar» são mais do que prova de que nas grandes e nas pequenas coisas as nossas vidas são frequentemente influenciadas pelos fundamentalismos religiosos e pelos dogmas mais cretinos e anacrónicos que meia dúzia de paspalhos não só pretendem viver eles próprios, mas que querem também impingir a toda a gente.
E que não se pense que a coisa fica por aqui: basta pensar Mike Huckabee, fundamentalista cristão evangélico, que interpreta a Bíblia literalmente, que acredita que foi Deus quem criou o mundo há 6 mil anos e que quer «devolver a América a Cristo», acabou de conseguir já uma primeira vitória nas primárias do Partido Republicano para a candidatura às eleições presidenciais dos Estados Unidos.
Ou basta pensar no casal John e Cynthia Burke, de Newark que, depois de verem inicialmente deferida a sua candidatura para a adopção de uma criança de 17 meses, acabaram por ver a sua pretensão recusada por um muito piedoso juiz que, mal soube que ambos eram ateus, e embora tenha reconhecido as suas “altas qualidades éticas e morais”, acabou por não autorizar que uma criança fosse educada e crescesse «privada do inestimável privilégio de adorar a Deus Todo-Poderoso».
É esta, de facto, a típica maneira de pensar de todos os que levam a vida a engraxar o seu Deus e a investir num lugar no Paraíso: com uma lata e um desplante inauditos, não só querem levar a sua vida de acordo com os dogmas imbecis que algum pastor ou algum carpinteiro atrasado mental lhes proclamou no deserto há dois mil anos, como ainda querem que todos os outros vivam a vida... à sua maneira.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
«O Meu Nome É Legião»
É este o título do 19.º romance de António Lobo Antunes.
Foi precisamente a propósito do lançamento desse livro que Mário Crespo entrevistou António Lobo Antunes, no «Jornal da 9» da SIC - Notícias.
Essa entrevista, que podemos ver integralmente no filme abaixo (dividido em três partes), é ela própria um momento inigualável de televisão.
Uma entrevista absolutamente imperdível, e que somente é possível quando se encontram um escritor, que é também uma personagem realmente notável, com um jornalista de excepção, e indubitavelmente um dos melhores jornalistas portugueses – e que tenho o imenso privilégio de contar entre os meus amigos.
Como o próprio António Lobo Antunes refere,
«... a entrevista depende do entrevistador; ou a corrente passa ou não passa, e se a corrente não passa, não há volta a dar-lhe: se o entrevistador é bom, a entrevista corre bem... não depende do entrevistado».
«... eu acho que é preciso ter vivido para fazer entrevistas; porque a entrevista é a arte do silêncio do entrevistador, e é também uma capacidade de ouvir e de não brilhar à custa do entrevistado...».
De facto, como refere também Lobo Antunes,
«as minhas amizades foram sempre instantâneas: a gente conhece uma pessoa, e fica amigo de infância...».
O Meu Nome É Legião – Parte 1
O Meu Nome É Legião – Parte 2
O Meu Nome É Legião – Parte 3
O Meu Nome É Legião – Parte 1
O Meu Nome É Legião – Parte 2
O Meu Nome É Legião – Parte 3