sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Viva a República!

Neste já quase século republicano português, e até aos actuais dias desta crescente – mas nunca completa – sedimentação da nossa Democracia, muitas, muitas coisas sucederam.
Umas melhores, outras piores, umas muito boas e outras muito más.
Algumas tão más, que até parecia que tinha sido reimplantada a monarquia...
E é a propósito desta efeméride e do dia que hoje orgulhosamente se comemora, que penso que, para o celebrar, nada melhor que tornar a publicar (só com algumas alterações) um texto que aqui deixei vai quase para um ano, e que se seguiu a umas iluminadas declarações à imprensa por um cidadão de seu nome Duarte Pio de Bragança que, do alto da sua reconhecidíssima gigantesca estatura intelectual, afirmou solenemente:
«A democracia portuguesa não é uma democracia, é uma fraude».
Rezava tal texto, depois de assim intitulado:
El-Rei Dom Chouriço
Segundo tão triste Pio, a «fraude» da democracia portuguesa reside no facto de a Constituição impedir o referendo sobre a natureza do próprio regime, ao mesmo tempo que, disse ele, «condiciona qualquer revisão constitucional ao respeito pela forma republicana de governo».

Pelos vistos, este cidadão que gostava de ser Chefe de Estado (mas que se refere a uma coisa curiosíssima e, sem qualquer dúvida, genial a que chama «forma republicana de governo») deve estar convencido que a Constituição é a única coisa que o impede de estar sentado num trono com uma rodela de latão enfeitada com berloques bem enfiada no alto da cabeça e mandar bitaites sobre aquilo de que nada percebe.
E deve estar convencido que se não fosse o impedimento constitucional, Portugal seria agora uma monarquia.
E então, claro está, a democracia portuguesa já não seria, como ele diz que é,... uma fraude.
Nunca ninguém disse ao Pio de Bragança que a Democracia portuguesa é perfeita. Nenhuma o é!
E a Democracia portuguesa está ainda bem longe de o ser!
Mas está bom de ver que o sujeito nunca leu (ou se leu não percebeu), que é mais do que óbvio que, como dizem as inspiradas palavras de Churchill,
«A Democracia é o pior de todos os sistemas, mas com excepção de todos os outros»!
Claro que o próprio facto de um qualquer cidadão poder debitar livre e impunemente, como ele o faz, as maiores baboseiras sobre o regime democrático em que vive não tem, para o Pio, qualquer importância para a afirmação de uma democracia.
Nem sequer a própria existência de um «Partido Monárquico» livre e legalmente constituído, provavelmente pelo impacto fadista, risível, marialva, profundamente ridículo e meramente residual que tem no eleitorado.
Mas que, pasme-se, ainda assim tem deputados no Parlamento português, melhor dizendo, na «Assembleia da República», e que ali foram sentados (quem sabe se para cantar o fado ou para fazer a malta rir), pelos delírios de Santana Lopes.
Mas a democracia portuguesa já não seria uma fraude se o Chefe de Estado – ainda para mais com a importância que tem num regime semi-presidencialista como o nosso – deixasse de ser eleito por voto directo, secreto e universal dos portugueses e passasse a ser um cargo entregue a um «chouriço» qualquer, «legitimado» não se sabe por que raio de linhagem – quem sabe até se por uma «reincarnação» – e que, só por isso, pretende que lhe dêem mais direitos que aos demais cidadãos.
Ou seja, para este monárquico chouriço, que gostava de ser Chefe de Estado e – olhem só que giro! – que gostava até de «referendar a democracia portuguesa», esta já não seria uma fraude se o cargo de Chefe de Estado deixasse de ser desempenhado - e por um período limitado - por qualquer cidadão, escolhido pelo mérito que os seus concidadãos entenderem reconhecer-lhe em eleições livres, mas passasse a ser desempenhado por mera e simples nomeação de uma única pessoa, cuja «legitimidade» para o exercício desse cargo nos proviria de uma, pois claro, «imposição» decorrente unicamente do seu... nascimento!
A democracia portuguesa já não seria uma fraude se o cargo de Chefe de Estado fosse de nomeação vitalícia, mesmo que o ilustre herdeiro designado se viesse a revelar um autêntico imbecil, um reaccionário cretino, imbecil e retrógrado, e ainda por cima enfeudado e vendido a uma religião, ou fosse, enfim, uma besta qualquer que o povo tivesse de aturar (como tantas vezes já sucedeu) para o resto da sua vida.
E então, a democracia portuguesa já não seria uma fraude se à volta do Chefe de Estado passasse a rodopiar uma clique de fadistas marialvas vestidos de coletes verde-tropa, assim com muitos bolsinhos de lado e tudo, e que só conseguem visibilidade pública ou nas bancadas das «toiradas» ou pelas fantásticas e geniais tiradas homofóbicas e misóginas que fazem em programas de televisão idiotas para que são convidados, porque aí, claro está, sentem-se mais à vontade.
Deslocam-se de preferência num verdejante Range-Rover e arrogam-se títulos nobiliárquicos inexistentes e inventadas superioridades dinásticas de grandes senhores feudais da idade média, de quem herdaram não mais do que o atraso mental.
Mas descansemos:
Porque, decerto convencida de que ser «adepto da Coroa» é sinónimo de uma qualquer e misteriosa superioridade intelectual e traz automaticamente consigo notoriedade social, há por aí muito boa gente que, provavelmente porque não olhou bem para ele ou ainda não o ouviu bem a abrir a boca, ainda não se apercebeu deste simples facto:
- Que o principal adversário da «causa monárquica» em Portugal é precisamente esta peculiar personagem que dá pelo nome de «Duarte Pio de Bragança».