sexta-feira, 26 de outubro de 2007
Direitos Comparados
É este o título do artigo de Fernanda Câncio no «Diário de Notícias» de hoje e que, com a devida vénia, aqui reproduzo na íntegra.
«O que está em causa não é apenas uma questão de corrigir uma injustiça sentida por uma parte particular da sociedade, mas a necessidade de afirmar o carácter da nossa sociedade como sendo baseado em tolerância e respeito mútuo.
«O teste da tolerância não é aceitar pessoas e práticas com as quais nos sentimos confortáveis, mas como lidamos com aquilo que nos desagrada. (...) A opinião da maioria pode ser muitas vezes dura para as minorias. É precisamente a função da Constituição e da lei intervir contrariando, e não reforçando, discriminações injustas em relação a uma minoria. (...) A generalização do preconceito não implica a sua legitimidade."».
«"A exclusão dos casais do mesmo sexo dos benefícios e responsabilidades do casamento não é um inconveniente pequeno e tangencial, resultante dos resquícios do preconceito social e destinado a desaparecer como a neblina matinal. Representa um duro embora oblíquo reconhecimento pela lei de que os casais do mesmo sexo são outsiders e que a sua necessidade de afirmação e protecção das suas relações privadas como seres humanos é de alguma forma menor que a dos casais heterossexuais».
«"Reforça a danosa ideia de que devem ser tratados como aberrações biológicas, como seres humanos caídos ou falhados que não têm lugar na sociedade normal e que, como tal, não merecem o respeito que a nossa Constituição procura assegurar a todos. Significa que a sua capacidade de amor, compromisso, e de aceitação da responsabilidade é por definição menos merecedora de atenção e respeito que a dos casais heterossexuais. (...)"»
«"Pode ser que, como alguns sugerem, muitos casais do mesmo sexo recusem mimar as normas heterossexuais, ou o que consideram a rotinização e comercialização das suas relações mais íntimas e pessoais».
«"Mas o que está em causa não é a decisão que tomem, mas a escolha que lhes está disponível. (...) A ideia de que estender a possibilidade do casamento aos casais do mesmo sexo iria de algum modo prejudicar aqueles que já dele beneficiam só pode basear-se num preconceito contra a homossexualidade. É precisamente por causa desse tipo de atitude que a Constituição proíbe a discriminação em função da orientação sexual."».
«As citações acima integram o notável acórdão de Dezembro de 2005 do Tribunal Constitucional da África do Sul - um dos poucos países do mundo cuja lei fundamental, como a portuguesa, proíbe expressamente a discriminação em função da orientação sexual - que considerou inconstitucional a lei que impedia o casamento entre pessoas do mesmo sexo e deu um ano ao parlamento para a alterar».
«Um casal de mulheres, Adriaana Fourie e Cecelia Bonthuys, iniciou em 2002 o processo judicial que culminou nesta decisão.
«Por cá, o caso de Helena Paixão e Teresa Pires, iniciado em 2006, chegou agora ao Tribunal Constitucional. O mesmo preceito constitucional, o mesmo assunto para decidir».
«Que as semelhanças, espera-se, não se fiquem por aí.».
O artigo de Fernanda Câncio que reproduzi fala por si e não carece de quaisquer comentários.
Mas, já agora, e num post de citações, torna-se irresistível não citar também algumas palavras do Prof. Júlio Machado Vaz, retiradas do «parecer» que nos ofereceu para ilustrar e fundamentar as alegações de recurso para o Tribunal Constitucional:
«A mudança de um paradigma apoiado no imperativo procriativo para outro de partilha sentimental retira força ao argumento nuclear contra o casamento homossexual - se esquecermos os interditos religiosos -, que, de resto, é cada vez menos consensual entre os heterossexuais - ter filhos passou a ser uma (doce) hipótese a contemplar e não uma inevitabilidade, quase inerente à condição humana».
«O casamento de hoje é uma relação tentada entre duas pessoas, dois afectos, duas liberdades, dois projectos de vida, muitas vezes ensaiada previamente numa experiência de coabitação».
«E não a moldura, ainda que emocional, para dois aparelhos reprodutores…».
«Ouço muitas vezes reivindicar soluções diversas para realidades diversas».
«Pois bem, estou firmemente convencido que existem muito mais diferenças entre as faces da instituição casamento separadas pelos últimos cento e vinte anos do que entre os cidadãos heterossexuais, homossexuais e bissexuais, rótulos que apenas traduzem a nossa triste e preguiçosa nostalgia de melhor catalogar o mundo, ainda que no processo sacrifiquemos as cores do arco-íris ao simplismo do preto e branco».
«É tempo de substituir uma palavra tão oblíqua como tolerância pela prática fraternal da aceitação da diversidade que, biológica e psicologicamente, nos garante e enriquece o futuro».
«Que as semelhanças, espera-se, não se fiquem por aí.».
O artigo de Fernanda Câncio que reproduzi fala por si e não carece de quaisquer comentários.
Mas, já agora, e num post de citações, torna-se irresistível não citar também algumas palavras do Prof. Júlio Machado Vaz, retiradas do «parecer» que nos ofereceu para ilustrar e fundamentar as alegações de recurso para o Tribunal Constitucional:
«A mudança de um paradigma apoiado no imperativo procriativo para outro de partilha sentimental retira força ao argumento nuclear contra o casamento homossexual - se esquecermos os interditos religiosos -, que, de resto, é cada vez menos consensual entre os heterossexuais - ter filhos passou a ser uma (doce) hipótese a contemplar e não uma inevitabilidade, quase inerente à condição humana».
«O casamento de hoje é uma relação tentada entre duas pessoas, dois afectos, duas liberdades, dois projectos de vida, muitas vezes ensaiada previamente numa experiência de coabitação».
«E não a moldura, ainda que emocional, para dois aparelhos reprodutores…».
«Ouço muitas vezes reivindicar soluções diversas para realidades diversas».
«Pois bem, estou firmemente convencido que existem muito mais diferenças entre as faces da instituição casamento separadas pelos últimos cento e vinte anos do que entre os cidadãos heterossexuais, homossexuais e bissexuais, rótulos que apenas traduzem a nossa triste e preguiçosa nostalgia de melhor catalogar o mundo, ainda que no processo sacrifiquemos as cores do arco-íris ao simplismo do preto e branco».
«É tempo de substituir uma palavra tão oblíqua como tolerância pela prática fraternal da aceitação da diversidade que, biológica e psicologicamente, nos garante e enriquece o futuro».