sexta-feira, 14 de setembro de 2007

 

O Circo



Toda a gente está habituada a ver cerimónias públicas de inaugurações de tudo e mais alguma coisa, seja de uma ponte, de uma escola, de um hospital, seja até de um pequeno troço de estrada.

O que é que havemos de fazer? É assim que se faz em todo o mundo e já faz naturalmente parte da vida política.

A coreografia deste autêntico CIRCO é quase sempre a mesma: convidam-se umas autoridades locais e conta-se sempre que apareçam por ali alguns curiosos de circunstância a fazer número, não vá a coisa dar para papar uns croquetes ou uns rissóis.
E lá continua o circo: com um atraso convenientemente estudado lá chega o ministro – e às vezes até o Primeiro-ministro.
Todos fazem um ar de cerimónia e trocam-se apertos de mão com ar muito circunspecto. Algumas pessoas fazem uma pose de arrogância orgulhosa e altaneira quando apertam a mão ao ministro ou ao Secretário de Estado e olham em volta para ver se toda a gente viu bem.

Depois, como é costume, destapa-se uma placa de mármore com umas coisas escritas para a posteridade.
Mas o circo nunca fica completo sem os habituais discursos: todos protocolarmente na sua vez rapam de uns papéis e pregam uma seca tremenda a toda a gente, com as costumeiras duas ou três dúzias de banalidades que obviamente ninguém ouve.

A fotografia aqui ao lado representa mais um desses circos: desta vez trata-se da inauguração de um coisa que se pode ler na placa que está na parede que é o «Centro Escolar de São Martinho de Mouros».
As primeiras pessoas que reconhecemos são o Primeiro-ministro José Sócrates e a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues.

Mas alguém, certamente muito ciente das suas responsabilidades administrativas, resolveu tornar este circo mais completo.
E lá terá pensado que um circo nunca está completo, nunca é perfeito sem, está bom de ver, um belo número de... palhaços.

Vai daí, resolveu convidar o palhaço que se vê à esquerda na fotografia.
E o palhaço lá apareceu, encafuado numas vestes brancas muito vincadinhas, e com um cachecol com umas merdas douradas pintadas a toda a volta.
Devia estar por ali calor dos diabos, porque se nota perfeitamente que o coitado do palhaço está a suar como se tivesse descido aos infernos.

Para fazer o seu número circense e fazer soltar umas boas gargalhadas a toda a malta – afinal é essa a sua profissão – o palhaço de serviço teve uma excelente ideia: como aquilo era uma cerimónia oficial de um Estado que é laico por imposição constitucional, primeiro resolveu fazer uns malabarismos com as mãos como se daquilo resultasse alguma coisa.
Chegou mesmo a desenhar no ar algumas rectas perpendiculares umas às outras sobre tudo aquilo que via à sua frente.
Mas nada!

Depois, como nada tinha resultado dos misteriosos e esotéricos acenos, resolveu pôr-se a imitar uma cerimónia mitológica antiga, inventada no Médio Oriente há uma porrada de anos, com invocações a espíritos, a entidades místicas e até a um gajo judeu, só porque, ao que parece, o desgraçado morreu crucificado aqui há coisa de dois mil anos.

Mas a malta, sempre com aquele ar muito sério, nada de se rir.
Provavelmente porque ninguém estava a ver onde é que o raio do palhaço queria chegar com aquela história de falar de desgraças, de mortes e do coitado do judeu crucificado, numa inauguração oficial de um estabelecimento de ensino do Estado. E ainda por cima de um Estado laico!

Com um profissionalismo digno de nota, o palhaço fez mais um esforço e tentou outra coisa: desta vez resolveu pegar num livro com descrições de grandes batalhas travadas há três ou quatro mil anos, de morticínios vários perpetrados pelas entidades mitológicas que já tinha antes invocado e com ameaças de morte por apedrejamento a qualquer pessoa acusada de bruxaria ou que ouse ser homossexual, adúltero, apóstata, blasfemo ou até que trabalhe ao sábado.
Coitado do palhaço, era a sua última tentativa: fez umas leituras do livro mas, uma vez mais... nada!
Ninguém se riu!

Nem ninguém sequer percebeu onde é que o raio do palhaço queria chegar com as leituras daquela porcaria daquele livro pejado de homofobia, de misoginia, de medo, de ódio e de morte, numa inauguração oficial de um estabelecimento de ensino do Estado.

Uma autêntica desgraça!
Até já toda a gente estava um pouco constrangida com tudo aquilo; basta reparar no ar encolhido da ministra da Educação, que até parece que está aflita para ir à casa de banho.

E é então que o próprio Primeiro-ministro em pessoa, decerto cheio de comiseração por aquele seu concidadão em apuros, e que estava ali à frente de toda a gente a fazer aquelas tristes figuras, resolveu ajudá-lo.

Num gesto de magnânima solidariedade por aquele profissional circense em apuros, uma atitude que só está ao alcance de alguns políticos de excepção, o nosso Primeiro-ministro resolveu ajudar o palhaço e pôs-se a acompanhá-lo no seu número de circo.

Apesar de bem saber que estava ali em representação de um Estado que é laico por imposição constitucional, e que tudo aquilo não era mais do que uma inauguração oficial de um estabelecimento de ensino do Estado, José Sócrates borrifou-se nisso tudo e acorreu em auxílio daquele cidadão, daquele pobre trabalhador português, daquele palhaço em dificuldades.
Notável!

Vai daí, pôs-se a imitar, ao mesmo tempo que ele, os gestos circenses do palhaço.
A fotografia mostra claramente o Primeiro-ministro quando tentava fazer rir todos os presentes juntamente com o palhaço.
Nesta ocasião o Primeiro-ministro apontava com as pontas dos dedos da mão direita para partes diferentes do seu corpo, nos ombros, na testa e na barriga, enquanto ao mesmo tempo invocava espíritos e recitava uma ladainha mitológica cheia de um misterioso significado místico.

Mas nem assim!
Ninguém esboçou sequer um sorriso!

Foi de tal modo, estava toda a gente tão embaraçada, que mal terminaram os discursos foi decidido acabar com aquele pobre espectáculo de circo logo ali.

Enfim, e numa palavra, com dois palhaços e tudo, foi um desastre.
Foi um autêntico fiasco de um circo!

Pois é.
E a moral da história é esta:
É que quando aparecem palhaços para actuar numa qualquer cerimónia oficial do Estado, o que acontece é que aquilo já não é cerimónia oficial e já não é circo, nem é nada.

- Passa a ser uma pura e simples... palhaçada!!!




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