quarta-feira, 6 de junho de 2007

 

Imagine



John Lennon – Imagine


Imaginemos, como John Lennon cantou, um mundo sem religião.

Imaginemos que não há bombistas suicidas, que não houve 11 de Setembro, nem 7 de Julho, que não houve cruzadas nem caça às bruxas, que não existe guerra na Caxemira nem existe qualquer conflito entre a Índia e o Paquistão, que não há guerra entre israelitas e palestinianos, que não houve massacres sérvios/croatas/muçulmanos, ou que não há qualquer “problema” na Irlanda do Norte.
Imaginemos que nunca houve talibans a destruir estátuas centenárias, que não se chicoteiam mulheres por mostrarem uns centímetros de pele, que não se decapitam blasfemos ou apóstatas em público.
Imaginemos que nunca houve perseguições a judeus, e até que nem há já judeus de sobra para perseguir, porque, sem a sua religião, há muito que os judeus se tinham integrado nas populações dos países em que vivem.

Em todo o mundo a religião é o mais decisivo factor de hostilidade e de divisão das pessoas.

Se um perito ou um «técnico de vida em sociedade» fosse um dia encarregado de idealizar um sistema que fosse capaz de perpetuar os mais ferozes factores de inimizade e dissensão da actualidade, ele não poderia decerto inventar uma melhor fórmula do que a educação sectária das crianças.

Uma escola religiosa que ensinasse todas as religiões comparativamente, ainda poderia trazer algo de bom. Mas o que é facto é que nas escolas religiosas o que tem de ser ensinado às crianças da “nossa tribo” é “a própria” religião dessas crianças.
Mas como ao mesmo tempo se ensina às crianças das outras “tribos” as religiões rivais, sempre, obviamente baseadas numa história de rivalidade, vingança e ódio, o resultado não é difícil de prever.

Mas o significa isso da «própria religião» de uma criança?
Imaginemos um mundo em que era normal falar de uma criança Keynesiana, de uma criança Hayekiana ou de uma criança Marxista.
Ou imaginemos uma proposta de financiamento governamental de escolas primárias para educar crianças socialistas, crianças comunistas ou crianças sociais democratas.

Claro que toda a gente concordaria que isto seria um autêntico disparate. E que as crianças ainda seriam demasiado novas para já saberem se são Keynesianas, Monetaristas, Socialistas ou Conservadoras e até mesmo para carregarem com o fardo desses rótulos.
Mas então, por que motivo toda a nossa sociedade parece muito feliz quando se cola o rótulo de católica, protestante, muçulmana ou judia a uma criança ainda de tenra idade?

Não será isso, se pensarmos bem, uma forma de abuso mental de crianças?

Mas, e se uma pessoa qualquer nos perguntar: e se a religião é verdadeira?
(Ou melhor dizendo, se essa pessoa nos perguntar se a «sua religião» em particular, é verdadeira, já que crenças, que são todas mutuamente contraditórias entre si, não poderão, obviamente, ser todas elas verdadeiras).
Então, e nesse caso, não deixaria a doutrinação sectária de uma criança de ser considerada abuso dessa criança, por estar a contribuir para a salvação da sua alma imortal?

Mesmo através desta arrogante presunção é possível ver que esta opinião só pode provir de alguém, que está convencido que é dono da verdade divina.

Então, deixem-me ser ambicioso, se não mesmo presunçoso, para tentar persuadir essa pessoa que ela não é, de facto, dona da verdade.
É que a sua confiança em Deus está simplesmente enganada!

Porque acredita essa pessoa em Deus? Porque Deus lhe fala dentro da sua cabeça?
Isso não é certamente um argumento muito fiável: o famoso violador e assassino de Yorkshire dizia que tinha recebido ordens de Jesus Cristo de dentro da sua cabeça.
De facto, a mente humana é famosa pelas suas alucinações. E as alucinações não são uma fundamentação lá muito razoável para crenças sobre o mundo real.

Talvez essa tal pessoa acredite em Deus porque a vida seria intolerável sem essa crença. Mas isso é um argumento ainda mais fraco.
Talvez a vida seja ela própria intolerável.
Que azar! Encontramos coisas intoleráveis por todo o lado nesta vida!
Mas isso não faz delas menos verdadeiras. Pode ser intolerável para alguém estar a passar fome, mas isso não lhe permitirá comer pedras por mais sincera e apaixonadamente que acredite que elas são feitas de queijo...

A improbabilidade é, de longe, o argumento preferido de alguém que acredita em Deus.
É demasiado improvável que os olhos, o esqueleto, o coração e as células nervosas tenham surgido do acaso. De facto, as máquinas feitas pelo homem também são improváveis, e foram criadas por cientistas e engenheiros com um determinado objectivo bem definido.
Qualquer tolo pode ver que os rins, as asas os ouvidos e os glóbulos sanguíneos fora criados com um objectivo.

Bem: talvez qualquer tolo o possa ver.
Mas vamos deixar de brincar aos tolos, e falar agora a sério.

Foi já há 147 anos que Charles Darwin nos deu o que foi inquestionavelmente a mais brilhante ideia que alguma vez ocorreu numa mente humana: Darwin demonstrou o processo pelo qual a natureza, por processos lentos e graduais e chegando até a níveis quase ilimitados de complexidade, mas sem qualquer necessidade de intervenção divina, pode perfeitamente gerar a mitológica ilusão dessa mesma intervenção.

Mesmo sem entrarmos agora em grandes pormenores, pode dizer-se em primeiro lugar que a falácia mais comum sobre a Selecção Natural é que ela se baseia no acaso.
Se a Selecção Natural fosse realmente um processo do acaso, era inteiramente óbvio que ela não poderia explicar a ilusão de uma intervenção divina.
Mas a Selecção Natural, correctamente compreendida, é precisamente o contrário do acaso!

Em segundo lugar, é comum ouvir-se dizer que a Selecção Natural torna Deus desnecessário mas deixa inteiramente em aberto a possibilidade da sua existência.
Mas eu acho que podemos ir mais longe: é que o Argumento da Improbabilidade, que é tradicionalmente usado como prova da existência de Deus, torna-se, afinal, e quando pensamos bem nisso, o argumento mais forte contra a sua existência!

A beleza da evolução Darwiniana é que ela explica o próprio improvável através de etapas graduais.
Ela parte de uma simplicidade primeva (relativamente fácil de entender) e daí continua por pequenas etapas, perfeitamente plausíveis, até chegar a entidades complexas, cuja existência seria até impossível de considerar por qualquer processo que não fosse gradual.

Assim, a criação divina só seria uma verdadeira alternativa se o Criador fosse, ele próprio, produto de um processo evolutivo gradual, tal como o é a Selecção Natural, quer seja no nosso planeta quer noutro planeta qualquer.
É que pode muito bem haver noutros planetas formas de vida tão avançadas que até seríamos capazes de as adorar como deuses. Mas, no entanto, também elas teriam, afinal, de ser explicadas através de uma evolução gradual.
Ou seja, a existência de um Deus como causa primeira é afastada pelo próprio Argumento da Improbabilidade, ainda com mais acuidade e certeza do que qualquer teoria que defenda o surgimento expontâneo dos olhos ou dos cotovelos.

A fé religiosa não é só a principal fonte do mal neste mundo; os seus próprios fundamentos são minimizados e negados pela lógica científica.

Agora imaginemos.
Imaginemos um mundo onde ninguém tenha medo de seguir estas ideias ou estes pensamentos, onde quer que seja que eles nos possam conduzir...



(Tradução livre e resumida de um texto de Richard Dawkins)




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