sexta-feira, 30 de março de 2007

 

O Debate



Mal vi o malfadado cartaz no PNR, logo na noite em que o colocaram, e deparei com aquela fronha horripilante, ainda por cima com aquela pose de alto como se fosse uma espécie de Mussolini de segunda categoria, lembrei-me logo daqueles dias de delírio mediático que se seguiram à iniciativa do casamento da Teresa e da Lena.

Nessa ocasião fui convidado pela «TV Record» para, disseram-me, um debate sobre o tema do casamento homossexual.
Concordei sem qualquer problema. Afinal sempre foi minha opinião que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é precisamente um dos temas que mais esclarecimentos exige que sejam prestados à maioria das pessoas.
Para além disso, estava absolutamente seguro que não era com certeza o bispo da IURD que ia moderar o debate que me ia convencer a passar a pagar dízimo a uma igreja.

E lá compareci pontualmente, num estúdio improvisado nas caves do antigo cinema Império, para um debate em directo que me asseguraram que seria visto por uma audiência de muitos milhões de pessoas em vários países.
Qual não foi o meu espanto quando me apresentaram o meu oponente de debate: precisamente este Le Pen de imitação rasca, o inefável José Pinto Coelho, líder do tal Partido Nacional Renovador, ou PNR.

Confesso que na altura ainda pensei em desistir do debate. A própria presença daquele bicharoco imundo ali mesmo ao pé me causava náuseas.
Mas o meu compromisso anterior e o alinhamento televisivo da estação a contar com isso, lá me fizeram ficar.
E ainda bem que fiquei, pois acabei por me divertir imenso, e ainda acabei o debate a rir-me como um perdido à custa do desgraçado.

Ao fim de meia dúzia de minutos percebi logo qual era o problema do indivíduo:
Pois, se logo a abrir as hostilidades, ainda que sob a capa de uma mal disfarçada cordialidade televisiva, o indizível José Pinto Coelho fez logo questão de declarar, a mim e à malta da IURD que anda ali à volta, que era um fervoroso e empedernido católico, logo nos primeiros minutos de debate me apercebi também que o indivíduo em questão não fazia a mínima ideia da tremenda injustiça que o seu Deus lhe tinha feito, e como tão imensamente o tinha prejudicado no dia da distribuição da inteligência pelos animais deste planeta.

E pimba:
Peguei-lhe nos preconceitos homofóbicos e nos seus próprios chavões, lidos talvez no «Mein Kampf» e decorados de discursos mussolínicos colados com cuspo aqui e ali naquele pequeno cérebro injustiçado pela Natureza, decompus-lhe em bocadinhos a noção legal de casamento e num instantinho pu-lo a ouvir-se a dizer a si próprio em directo na televisão que afinal, «mas só nesse caso», era a favor do casamento homossexual.

Mas depois, de repente, surpreendia-se a si próprio, abria muito os olhos e quando lá se apercebia de que o que tinha acabado de dizer não fazia sentido com a formatação que tinha encasquetada no disco rígido, arrependia-se de tudo o que tinha dito.
Às vezes até parecia que lhe faltava o ar. Corava muito, voltava atrás e dizia que não tinha dito nada daquilo.
E lá começava eu, cheio de paciência, a explicar-lhe e a repetir-lhe tudo outra vez, com o sorriso mais cínico que conseguia esboçar e sempre a falar-lhe muito devagarinho e pausadamente, com o tom mais paternalista e propositadamente irritante que consegui arranjar na altura, tal e qual como se estivesse a falar com um débil mental.
E lá o punha outra vez a ouvir-se a si próprio a dizer que afinal sempre concordava com o casamento homossexual, mas só com a condição de que os seus diversos componentes jurídicos fossem contratados não todos de uma vez, como num casamento «normal», mas... em dias diferentes...

Acho que não gostou muito da piada (ou então não a percebeu) quando, a terminar o debate, eu lhe disse assim como que em jeito de remate final:
- Em suma, se alguma conclusão podemos retirar deste debate é que o senhor afinal é a favor do casamento homossexual, mas desde que seja... em leasing!

Enfim! Foi como tirar o doce a uma criança!

A certa altura do debate não sei se tive medo ou se, pelo contrário, (tenho de aqui o confessar humildemente) tive até alguma esperança de que aquele pobre desprezado e injustiçado filho de um Deus menor, fosse beneficiado por um golpe de gloriosa misericórdia da Mãe Natureza que de repente o fizesse cair para o lado com uma oportuna síncope cardíaca quando, depois de me dizer com aquele ar artificialmente altivo que se opunha terminantemente a que em Portugal vivessem pretos, indianos, chineses «e até mesmo judeus», eu lhe perguntei calmamente:

- E o senhor tem a certeza que esses seus dois nomes «Pinto» e «Coelho» não significam que o senhor é cristão-novo?...

Moral da História, e assim como em jeito mistura de conselho e de misericordioso pedido a quem passar pelos lados do Marquês de Pombal e se deparar com o cartaz do Partido Nacional Renovador e com as estampadas fuças do seu prestimoso presidente:

Por favor, não fiquem a pensar que o Sr. José Pinto Coelho é assim um imbecil qualquer; que é um vulgar cretino homofóbico; que é um idiota xenófobo e racista; que é um estúpido débil mental; que é um estupor com as ideias deformadas por preconceitos que nem ele próprio consegue explicar; que é tão parvo e ignorante que nem sequer se apercebe do que ele próprio diz e defende.

Não!
Ele não é nada disso!
Tenham só pena.
Tenham muita pena dele, coitado...




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