segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

 

Os Derrotados do «NÃO»



Com cerca de 19% de vantagem, quase 60% dos votos, o «SIM» ganhou estrondosamente no referendo sobre a despenalização voluntária da gravidez.

Penso sinceramente que com este resultado todos os portugueses têm a ganhar: quer os que votaram «SIM» quer os que votaram «NÃO».

Se tivesse ganho o «NÃO», a opção ética que esse resultado implicaria passaria a ser imposta a todas as mulheres, independentemente da sua forma de encarar o assunto.
A vitória do «NÃO» teria significado a imposição de critérios e valores de ordem ética de uma parte da população sobre a outra.

Tendo ganho o «SIM», o aborto passará a ser despenalizado em certas condições e constituirá uma escolha livre para quem por ela pretenda optar.
A vitória do «SIM» significa, acima de tudo, a liberdade de escolha: para quem votou «SIM» e também para quem votou «NÃO».

É essa liberdade de escolha das mulheres – todas elas – a principal vitória deste referendo!

Mas este referendo é também a derrota clamorosa de muita gente:

É, em primeiro ligar, a derrota dos políticos com falta de coragem para tomar uma decisão legislativa que impedisse a estupidez de um referendo sobre questões de consciência.
E que agora se deparam com uma abstenção superior a 50%, e com uma coisa engraçada e muito curiosa que é um referendo que não é legalmente vinculativo mas que o é... politicamente.

É a derrota de Marques Mendes, que pensou que podia capitalizar politicamente uma eventual derrota do «SIM» de Sócrates.
É a derrota de Marcelo Rebelo de Sousa e das suas abstrusas cambalhotas e pontapés na lógica, que até o «Gato Fedorento» achincalhou e reduziu a pó.

É a derrota pesadíssima e humilhante da Igreja Católica e do seu envolvimento directo na campanha (tendo mesmo chamado à frente de batalha os seus maus fiéis e garbosos soldados e financiadores da Opus Dei), porque essa derrota lhe foi infligida principalmente pelos muitos católicos que se recusaram a confundir as suas convicções religiosas com uma fidelidade imbecil e medieval a opções patológicas sobre a sexualidade humana.

É a derrota do reaccionarismo mesquinho e seminarista daqueles que persistem em impor as suas convicções aos outros e não se conformam com a ideia de que Portugal é, acima de tudo, um Estado laico.

É a derrota daqueles que queriam colocar o direito penal ao serviço das suas convicções morais e opções de ordem ética.

É a derrota daqueles que confundindo o «direito à vida» com despenalização, acabavam por defender a formação de uma «comissão de ética» com poderes para autorizar um aborto, porque a sua pequenez mesquinha e misógina não pode conceber que uma mulher possa escolher e tomar decisões sozinha.

É a derrota de uma campanha suja, hipócrita e desonesta, com manipulações retóricas do significado da pergunta a referendar, com distorções de números e estatísticas e com distribuições de panfletos em infantários.
É a derrota de uma campanha que, desesperada pelos resultados das sondagens, e enquanto se dizia contra a despenalização, passou ao mesmo tempo a propor uma espécie de «penalização light» para as mulheres que abortassem.
É a derrota de uma campanha que deixou de repente de ser «pela vida» e passou a fazer de conta que não se apercebia que essa era uma medida que não evitava um só aborto em Portugal, que não impedia um só aborto clandestino, mas que se propunha actuar «de mansinho» mas... já depois do aborto ter sido realizado.

É a derrota soturna e mordaz como um ferro em brasa para a imbecilidade suprema de quem escreve no «Blog do Não»: «Venceu a cultura da morte! 11 de Setembro, 11 de Março, 11 de Fevereiro. Datas manchadas pela morte!»

É, enfim, a derrota daquelas pessoas que vi de lágrima ao canto do olho nas reportagens televisivas, todas de ar muito compungido e contristado ao ouvir os resultados do referendo.
Decerto desoladas porque as miúdas de 14 anos com overdoses mortais de «Citotec» ou as mulheres de útero esfrangalhado por agulhas de tricot vão poder agora optar em liberdade por aquilo que lhes indica a sua própria consciência – e não a consciência de outros – sem correrem o risco de ser perseguidas criminalmente.
Mas, e muito principalmente, sem correrem risco de vida!




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