segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

 

O Aborto Obrigatório



Sejamos claros: é um facto incontestável que o referendo sobre o aborto do próximo dia 11 de Fevereiro há muito que deixou de ter alguma coisa a ver com aquilo que a pergunta que vai ser referendada verdadeiramente significa.

Porque se quem vota «SIM» reconhece o valor da vida intra-uterina e se quem vota «NÃO» afirma agora que não pretende a prisão das mulheres, então o consenso entre ambas as posições seria até muito simples: despenalizava-se o aborto... até às 10 semanas!

Mas mais do que uma resposta a uma pergunta que visa não mais do que o acrescento de uma alínea ao Código Penal, mais do que uma preocupação sobre a situação das mulheres com menos recursos que recorrem ao aborto clandestino, será da ponderação de valores que cada pessoa intimamente faz, dos seus critérios e opções éticas muito pessoais, será da sua consciência que resultará o seu voto «SIM» ou o seu voto «NÃO».

Pois bem:
Foi precisamente de uma determinada política legislativa e, assim, também de um escolha ética precisa e muito concreta que nasceu a formulação da lei actualmente em vigor, que descriminaliza o aborto nos casos de violação, de malformação do feto ou de perigo para a mulher grávida.
Embora haja muito boa gente que tenha a iniquidade medieval de defender a revogação desta lei e pugne pela recriminalização do aborto mesmo nesses casos (e independentemente de se admitir ou de se concordar com a sua opção ética), é esta a lei que está em vigor e é esta a lei que tem de se cumprir.

Assim, o cumprimento desta actual lei, por exemplo no caso de uma gravidez que resulte de uma violação ou no caso em que uma ecografia que revele uma gravíssima malformação do feto, significa dar à mulher grávida a possibilidade de abortar.

Contudo, e como é por demais óbvio, esse mesmo cumprimento desta actual lei não significa que nesses mesmos casos a mulher grávida seja OBRIGADA a abortar.

Significa, antes, que a actual lei dá à mulher grávida a possibilidade de ESCOLHER qual a opção que pretende, e que resulta dos seus critérios éticos pessoais e da sua consciência.
Poderá a mulher grávida ESCOLHER entre abortar ou, ao invés, ESCOLHER antes levar a gravidez até ao fim.
E é essa escolha que tem de ser respeitada!
É essa escolha que representa o pleno exercício da LIBERDADE da mulher e do DIREITO que ela tem a agir de acordo com a sua própria consciência, seja em caso de violação, de malformação do feto, ou até mesmo de perigo grave para a sua própria vida.

Mas, acontece que a pergunta que vai ser referendada no próximo dia 11 de Fevereiro não permite à mulher essa liberdade e essa escolha.

Porque se o «SIM» ganhar, isso significa, tal como acontece com a lei actual, que colocadas duas mulheres grávidas nas mesmas circunstâncias de vida, uma delas poderá optar por abortar até às 10 semanas da sua gravidez sem correr o risco de ser por isso penalizada, enquanto a outra poderá ESCOLHER não abortar, se foi isso que lhe indicaram a sua consciência e os seus valores e critérios éticos pessoais.

Pelo contrário, se o «NÃO» ganhasse, nenhuma dessas duas mulheres poderia, nas mesmas circunstâncias, abortar.
Mas não por opção pessoal de qualquer uma delas: mas pura e simplesmente porque esse comportamento assim lhes foi determinado - a ambas - não em razão do exercício de uma liberdade individual própria e que é sua, mas por escolha e pela imposição da consciência e dos valores e critérios éticos e pessoais de... OUTRAS pessoas.

É por isso que não se devem realizar referendos sobre questões de consciência.
Porque levar a votos uma questão de consciência e referendar critérios de ética resulta sempre na imposição de critérios e valores éticos de umas pessoas sobre os critérios e os valores éticos de outras pessoas.
Com que autoridade?
E com que direito?
Porque se há coisa certa neste mundo, é que não é com toda a certeza de uma maioria de votos que resulta uma maioria de valores. E Adolf Hitler poderia bem testemunhá-lo!

É por isso que este referendo é antes de mais um novo insulto aos portugueses, porque ele resulta de mais uma decisão cobarde e hipócrita de uma classe política que parece apostada em todos os dias lançar um pouco mais de descrédito sobre si própria.

Mas mais do que isso:
Se nesta questão da despenalização do aborto o que está em causa é tão simplesmente a convivência simultânea de valores e critérios éticos de todas as pessoas e, por isso, a ESCOLHA individual de cada mulher, então, e por paradoxal que isso pareça, este referendo é também um insulto à própria democracia.
Porque a imposição de critérios de consciência de umas pessoas sobre os critérios de consciência de outras pessoas, mesmo que essa imposição resulte de uma maioria de votos, pode ser tudo.
Democracia é que não é!




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