quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

 

Atirem-me água benta



«"Nunca quis dizer que os conservadores são na generalidade estúpidos. Quis sim dizer que as pessoas estúpidas são na generalidade conservadoras."
Carta de John Stuart Mill ao parlamentar conservador Sir John Pakington, Março de 1866

Ao ler o último post do meu blog de ciência favorito, o Pharyngula, recordei não só esta citação de Stuart Mill como um artigo publicado na revista científica Psychological Bulletin que li em tempos, «Political Conservatism as Motivated Social Cognition». Nesse artigo, que examinou mais de 50 anos de pensamento conservador - incluindo artigos, livros e conferências envolvendo 22 818 conservadores de 12 países - os autores explicavam que o conservadorismo é uma doença psicológica.

Patologia que os autores sugerem ser explicável por uma série de neuroses ligadas ao medo, à agressão, ao dogmatismo, a imperativo cognitivo fechado** e à intolerância de ambiguidades.
Quem quiser pode ler aqui o artigo completo, que explica como esta perturbação do foro psicológico aflige figuras como Hitler, Mussolini, o apresentador de rádio de direita Rush Limbaugh e o Presidente George W. Bush.

Quer a citação de Stuart Mill quer as revelações dos dois cientistas de Berkeley são completamente corroboradas pela última dos conservadores americanos, normalmente associados à direita religiosa ou religious right.

Indignados com a Wikipedia, que acusam de ser tendenciosa, anti-americana e anti-cristã, os teocratas americanos criaram a Conservapedia, mui conservadora, cristã ... e estúpida, mas de leitura recomendável no género comédia, em que merece nota máxima.

A Conservapedia «tem mais de 3 200 entradas» supostamente educacionais, «em temas históricos, científicos, de Direito e económicos». Até agora só explorei alguns temas de História e temas científicos. Em relação aos primeiros são... er.. pouco elucidativos. Creio que o meu sobrinho-neto de seis anos faria algo melhor para, por exemplo, a entrada sobre a Igreja Católica Apostólica Romana, vulgo ICAR, a entrada sobre a Inquisição ou mesmo a entrada sobre a Idade do Ferro...

Os artigos designados como científicos não o são de facto, são apenas muito mauzinhos e igualmente lacónicos, excepto no prato forte desta enciclopédia conservadora cristã (oops, outro pleonasmo...) o combate ao anti-cristão evolucionismo, que introduzem a despropósito em temas como entropia ( conceito de facto muito pobremente entendido).

Achei deveras divertido ler em inúmeras entradas de uma enciclopédia que supostamente trata didacticamente assuntos científicos, mesmo que virtual e cristãmente, a pérola «ciência secular», em que o «secular» ou talvez mesmo «ciência» são debitados como pejorativos.

Mas ainda não parei de rir com as justificações da necessidade desta atrasadice mental: o ululado bias da Wikipedia que não dá crédito nem tempo de antena suficiente ao seu mito, ao ponto de em algumas entradas em vez de BC e AC ( antes de depois de Cristo) insultam os cristãos com BCE e CE (antes da era comum e era comum) e, especialmente, não permite obscurantismos criacionistas ou IDiotas (acrónimo de Intelligent Design).

De facto, não se percebe como «apesar de a maioria dos americanos (e provavelmente a maioria do mundo) rejeitar a teoria da evolução, os editores da Wikipedia são quase 100% pró-evolução».

Na realidade, no mundo civilizado a evolução só não é aceite maioritariamente pelo homem da rua na Turquia e nos Estados Unidos. Pela amostra que li, não existirá algum perigo do homem da rua cristã americana não aceitar ou não perceber o que passa por ciência na Conservapedia. O nível científico da Conservapedia está muito abaixo do conhecimento do homem da rua...em qualquer canto do mundo!

*O título do post é uma homenagem (singela, pronto) ao Pedro Marques Lopes, um exemplo de que ser de direita não implica ser conservador ... muito menos estúpido!
**«imperativo cognitivo» é o termo cunhado por Eugene D'Aquili para representar o desejo de ordem e sentido biologicamente condicionado que está na origem dos mitos religiosos.

- Um artigo de Palmira F. da Silva



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