segunda-feira, 2 de outubro de 2006

 

Os chicos-espertos



É curioso como uma determinada direita, aliás sempre convenientemente identificada e coincidente com uma grande fé no «Altíssimo», se acha iluminada por uma clarividente inteligência e dotada de uma superioridade moral e ética sobre o comum dos mortais, como se isso fosse uma espécie de graça divina que lhe advém de rezar muitas, muitas, muitas vezes, e ainda por cima assim com muita intensidade e fervor.

Desta vez coube a uma mão-cheia de mui católicas deputadas, arvoradas em brilhantes génios da estratégia política, combinarem uma táctica absolutamente infalível para esvaziar de sentido todos os argumentos dos defensores do "sim" no referendo sobre o aborto que em breve se realizará.

Ao que parece, esta nobre tarefa terá cabido à sempre malabarista Zita Seabra, do PSD, que malabaristicamente parece já ter-se desligado da iniciativa depois de ler uma notícia no «Expresso», que não lhe agradou lá muito.
O que, convenhamos, não deixa de ter a sua graça.

A acompanhar a sempre coerente senhora, estarão Ana Manso, também do PSD, Teresa Caeiro, do CDS, e ainda mais duas ilustres e muito pias aves de arribação da bancada do PS, que dão pelo nome de Rosário Carneiro e Teresa Venda.

Até o próprio «Expresso» quis dar um empurrãozinho à iniciativa, ao noticiar que Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas tinham voltado a comer "vichyssoise" juntos.
Mas já ambos se apressaram a desmentir isso e também a sua ligação ao projecto, embora tenham confirmado que sim senhor, acham tudo boa ideia e que os defensores do "sim" nem vão saber como elas mordem.

E que defendem então estas almas, estes diligentes tementes a Deus e bons católicos, todos ansiosos por um lugar no Céu?
Nada melhor do que concertar posições para nos dar a todos, ó graças, um generoso “sinal de boa vontade”, propondo nada mais nada menos – pasme-se – do que isto:
- A suspensão provisória dos julgamentos de processos-crime instaurados contra as mulheres que abortaram.

Não é de génio?
Pois é!
Principalmente porque o que todos estes chicos-espertos não estão a dizer, e que esperam que as "outras pessoas" (que toda a gente sabe que são estúpidas), não se lembrem, são três coisas muito simples:

- Em primeiro lugar, e uma vez que a suspensão proposta é meramente provisória (porque uma suspensão definitiva decerto seria um enorme pecado contra o Todo-Poderoso), não querem explicar que quando acabar o tal período de suspensão volta tudo à estaca zero, e as mulheres que abortaram voltam aos julgamentos entretanto interrompidos.
De facto muito edificante.

- Em segundo lugar, não falam da criminalização dos médicos e dos enfermeiros que actualmente se verifica e que, a persistir na lei, esvazia de sentido na prática a realização de qualquer aborto.
Não é brilhante?
Pois mesmo que a mulher que vai abortar seja descriminalizada, nenhum médico ou enfermeiro ousará praticar esse aborto se continuar a estar sujeito a malhar com os ossos na prisão.
E então, valha-nos Deus e a estupidez dos "outros", continua a não haver abortos para ninguém. A não ser como até aqui, claro, numa clínica de Badajoz ou num vão de escada em Massamá...

- Em terceiro lugar, também não estão a dizer que a proposta que vão apresentar, mais do que descriminalizar a mulher que aborte ou do que suspender provisoriamente o seu julgamento, propõe a substituição da pena de prisão pela nobre prestação de um «trabalho comunitário» e ainda a participação obrigatória em sessões de planeamento familiar.

Não é também genial?
Pois se uma mulher que abortou pensa que agora está livre de trabalhos, está muito enganada: vai ainda continuar sujeita à ignomínia de um julgamento público, pois só um juiz poderá determinar que tipo de serviço cívico, e por quanto tempo, essa mulher ainda vai ter de prestar.

E então, se a ideia de todos estes católicos e ferozes velociraptores da política vingasse, provavelmente ainda veríamos mulheres na edificante tarefa de a ajudar velhinhos em centros de dia ou a limpar jardins para expiarem em público um crime que foi... descriminalizado.

Não me canso de repetir:
- Não há pior imbecil do que pensa que os outros são imbecis!




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