quarta-feira, 18 de outubro de 2006

 

A Noção do Ridículo



Passado agora já um ano e bem vistas as coisas, a vida do Bruno sempre tinha sido de tal forma atribulada que talvez não devesse ter sido surpresa como ela acabou.

Mesmo que nos últimos tempos as coisas parecessem ter entrado nos eixos: aos 25 anos de idade o Bruno vivia agora em união de facto com uma moça lindíssima, o pai tinha-lhe dado mais uma oportunidade e trabalhavam agora juntos.

Mas quando tudo parecia bem, o Bruno fez o que ninguém esperava:
Foi ao escritório do pai, tirou o revólver do cofre e suicidou-se com um tiro na cabeça.

Passado agora mais de um ano, o completo desmoronamento daquela família é ainda hoje visível todos os dias, a cada momento do dia.

Foi, pois, com um inaudito esforço que uma semana depois a mãe do Bruno foi a casa dele buscar as suas coisas.
Tocou à porta, mas a sua companheira não estava. Devia estar a trabalhar.
Pegou na chave que tinha encontrado no bolso do filho e entrou.
Trouxe as suas roupas, um álbum de fotografias da família, um computador portátil, uma impressora e uma pequena máquina fotográfica digital.

Quando a companheira do Bruno chegou a casa e deu pela falta das coisas, dirigiu-se imediatamente à Polícia e apresentou queixa por furto.
Quando à noite o pai do Bruno lhe telefonou, já era tarde. A queixa já estava apresentada e tinha agora de avançar. Mas não era caso de cuidado, claro.

Mas, de qualquer modo, disse-lhe, a máquina fotográfica digital não era do Bruno, era sua.
Então, se assim era, tinha de ser imediatamente devolvida. E o pai do Bruno foi lá a casa devolver-lha ainda nessa mesma noite.

Quando a mãe do Bruno foi chamada à Polícia para prestar declarações, contou toda a história: as coisas que tinha ido buscar eram suas, enquanto herdeira universal do seu filho. Quanto à máquina fotográfica tinha-a trazido persuadida de que também era do filho mas, alertada para o engano, já a tinha devolvido, até nesse mesmo dia.

Por sua vez, a companheira do Bruno confirmou integralmente à Polícia a versão da mãe do Bruno: a máquina já tinha sido devolvida. No meio da confusão só não tinham sido devolvidos os cabos de ligação da máquina ao computador, que ao que parece se tinham perdido, pelo menos não sabia onde estavam, mas isso nem sequer tinha importância.

E toda a gente esqueceu o assunto.
Até hoje.
A mãe do Bruno acabou hoje mesmo de receber notícias do processo.
O Ministério Público imputou-lhe a prática do furto de um cabo de ligação de uma máquina fotográfica, a que atribuiu o valor de 30 euros, e acusou-a do crime de furto qualificado, que o nº 2 do artigo 204º do Código Penal pune com pena de prisão até 8 anos.

Não há dúvida: mesmo sem a ajuda do seu Conselho Superior, todos os dias o Ministério Público se dignifica a si próprio um pouco mais.




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