domingo, 16 de julho de 2006

 

O Porco



O Sr. Luís era uma pessoa pacata.

Não era de se calar, não. Gostava de dizer o que lhe ia na alma, mas sempre dando a cara por aquilo que dizia, e exibindo com orgulho a liberdade de o dizer.

E responsabilizando-se por isso.

Nas horas vagas o Sr. Luís resolveu dedicar-se a um passatempo sem dúvida insólito: criar um porco.

Então, um belo dia, estava já o porco bem gordo e anafado, resolveu matá-lo, já se antevendo a saborear as febras e as belas costeletas do fundo grelhadas no carvão, sem ninguém a chateá-lo.
Lá matou o bicho e deixou a carcaça pendurada no quintal, para no dia seguinte a desmanchar.

Só que no dia seguinte a tragédia aconteceu: tinham-lhe roubado o porco!

E foi então que o Sr. Luís jurou a si próprio que havia de apanhar o facínora, a besta imunda que lhe tinha roubado o porco.

Ele bem desconfiava de um vizinho dali ao pé.
Apesar de ser professor de profissão (passe a expressão), o tal vizinho, toda a gente sabia, não deixava de ser um cobardolas como outro qualquer, e assim era conhecido entre os seus pares, sem a frontalidade de assumir o que fazia.
Em vez de o desafiar para uma troca honesta de entrecosto, o que o Sr. Luís teria provavelmente aceite de bom grado, refugiara-se num anonimato canalha e cobarde, atrás do qual pensava que, qual heterónimo de um qualquer Fernando Pessoa dos subúrbios, podia fazer aquilo que muito bem lhe desse na real gana.

O vizinho sempre tinha sido, de facto, o seu principal suspeito: como era professor, tinha tempo de sobra para aquelas aventuras nocturnas e, como morava ali ao pé, sabia com toda a certeza do seu novo passatempo.
E além do mais aquela barbicha de chibo e a reputação a condizer nunca o tinham enganado.

E então o Sr. Luís gizou um plano:
Em vez de chamar a polícia ou de tomar atitudes mais drásticas, pura e simplesmente não disse a rigorosamente ninguém que lhe tinham roubado o porco. Calou-se muito bem calado e esperou pacientemente.

De vez em quando lembrava-se do raio do porco e de quem lho tinha roubado, e pensava: hás de cá vir comer à mão, grande cabrão!
(A reputação do vizinho precedia-o insistentemente).

Meu dito meu feito!
Nem sequer tinha passado muito tempo quando se cruzou por mero acaso na rua com o tal vizinho, que nem morava muito longe.
Foi então que o vizinho, que apesar de ser professor era, pelos vistos, burro que nem uma bota da tropa, perguntou com aquele sorriso boçal das pessoas simples ao Sr. Luís:
- Então Sr. Luís, já sabe quem lhe roubou o porco?
Ao que o Sr. Luís lhe retorquiu imediatamente:
- Não, não sabia!!!



Ao que parece a história não acaba aqui.
Nem sei bem se o bom do professor, agora apanhado em flagrante em companhia da sua alvar imbecilidade, teve tempo de fazer contas com o Sr. Luís e apagar o assunto definitivamente e de uma vez por todas da sua memória.

É que, segundo consta, o Sr. Luís tinha para estas coisas um mau feitio levado de um raio...




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