segunda-feira, 26 de junho de 2006
Terra Queimada
Aqui há um bom par de anos todo o país ficou surpreendido com a súbita iminência do encerramento da «Auto Europa», a fábrica da Ford e da Volkswagen em Palmela.
Até o Governo entrou em pânico: só aquela fábrica representava quase 1% do PIB nacional.
Para além disso, o seu encerramento significaria a ruína de milhares de famílias, dependentes directa e indirectamente dos postos de trabalho que a fábrica proporcionava.
Seriam gigantescos os custos sociais.
O motivo do encerramento era simples: a feroz concorrência internacional tornava incomportáveis os custos de produção dos modelos de automóveis fabricados na «Auto Europa». Era absolutamente necessária a "deslocalização" da fábrica para outro país onde a mão de obra fosse mais barata, aparentemente a única solução para se reduzirem os custos de produção.
Então, perante esta catástrofe anunciada, o que fizeram os trabalhadores e os representantes sindicais com influência na fábrica?
Muito simplesmente negociaram com a entidade patronal, entre outros, o congelamento temporário de salários e promoções, o compromisso de pacificação social e o aumento da produtividade individual.
Em contrapartida, a administração da empresa comprometia-se a não encerrar a fábrica.
Alguns anos mais tarde, verificou-se que ambas as partes tinham deitado mãos à obra e cumprido escrupulosamente os seus compromissos. Como resultado, a fábrica mantém-se aberta.
A administração viu subir os lucros da empresa, que agora até é considerada um modelo internacional a seguir, os trabalhadores mantiveram os seus postos de trabalho, e o país mantém uma importante fatia do seu PIB.
Agora, em 2006 a história repete-se, mas com ligeiras diferenças.
Desta vez acontece um pouco mais a Norte, na Azambuja; a marca de automóveis é outra, agora é a Opel; mas os fundamentos são precisamente os mesmos: os custo de produção são demasiado altos para a concorrência internacional.
As consequências do encerramento são igualmente aterradoras: milhares de postos de trabalho directos e indirectos que se perdem, e o Estado só com o encerramento desta fábrica perde 0,6% do PIB.
Mas outras diferenças há entre as duas histórias.
Ao contrário do que aconteceu em Palmela, mal ouviram falar na perspectiva da encerramento da fábrica, motivada pelos altos custos de produção, que fizeram os trabalhadores da Opel da Azambuja?
Negociaram com a administração qualquer aumento de produtividade?
Não!
Propuseram algum compromisso de pacificação social?
Não!
Sugeriram o congelamento temporário de salários, a recuperar mais tarde como em Palmela, para fazer descer os custos de produção dos automóveis?
Não!
O que fizeram então?
É simples: fizeram greve!
E num passe de mágica, os custos de produção dos automóveis na Azambuja subiram mais um pouco.
E não ficam por aqui: para ajudar mais ainda, está já convocada outra greve para dia 29.
Para tentarmos perceber um pouco melhor do que aqui se passa, diga-se de passagem que os trabalhadores da fábrica da Opel da Azambuja têm sido representados por sindicatos tidos como acérrimos e ferozes defensores de políticas muito parecidas com as que o Partido Comunista Português normalmente preconiza.
Por isso mesmo, é difícil imaginar o que pretendem os trabalhadores da Opel da Azambuja e todos aqueles que os têm representado sindicalmente nesta forma luta: se o encerramento da fábrica se a manutenção dos postos de trabalho.
Porque, pelo que andam a fazer, parece mesmo que o que querem é precisamente o encerramento da fábrica!
É que, pelos vistos, ainda há quem continue a ver o mundo como há 100 anos atrás e a pensar que quanto maior for «a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção» mais perto estamos da “Revolução”.
E a ver os empresários, grandes e pequenos, não como uma força geradora de riqueza de um país, não como parceiros económicos criadores de postos de trabalho, mas antes como inimigos figadais, a abater numa interminável luta de classes que ainda busca um modelo político e económico que nunca funcionou.
Por isso, é para mim difícil entender se a atitude dos sindicatos da Opel na Azambuja – que concorre a passos largos, isso é certo, para o inevitável encerramento da fábrica – é consequência da pura e simples estupidez de nem sequer olharem para o lúcido exemplo da «Auto Europa».
Ou se, pelo contrário, é o resultado de uma política de terra queimada, bem consciente e determinada, que visa não mais do que retirar dividendos políticos de um eventual encerramento da fábrica e do caos social que se lhe seguirá: uma política do quanto pior, melhor.