quarta-feira, 31 de maio de 2006

 

O Prémio



De vez em quando um artista agraciado com um prémio honorífico qualquer, normalmente acompanhado por uma generosa quantia em dinheiro, resolve recusá-lo.
Confesso que me irrita um bocado esta mania que alguns artistas têm de recusar Óscares, Prémios Nobel, Pessoa ou Camões.

Em Portugal, que me lembre, isso aconteceu já com Herberto Hélder e volta agora novamente a suceder com Luandino Vieira.

Há quem veja estas recusas como uma manifestação de grandiosidade artística, assim como que misturada com um altivo desapego aos bens materiais.
Um atributo que, como é bom de ver, está vedado ao comum dos mortais e somente ao alcance de uma restrita elite intelectual.

Não as vejo assim.

Pelo contrário, quando um artista recusa um prémio isso significa para mim não mais do que uma profunda arrogância e um enorme desprezo por quem, tantas vezes desinteressadamente, pretende não mais do que reconhecer a grandiosidade de uma obra ou de uma carreira artística e, claro está, promovê-la incentivando a sua continuação futura.

Quando o recusa, é como se o artista estivesse a dizer que a porcaria do prémio e o mísero dinheiro oferecido não são suficientes nem dignos de alcançar a sua enorme e inatingível grandeza.

E ao mesmo tempo a dizer que essa grandeza só pode ser alcançada pelo desapego aos bens materiais e às honrarias terrenas e, principalmente, através de uma opção de vida em completa pobreza.
Como se a opção consciente pela indigência possuísse uma espécie de beleza poética só ao alcance de alguns eleitos.

Quando recusa um prémio literário, um escritor transmite uma clara e inequívoca mensagem de que a sua obra é grandiosa demais para ser compreendida e, por isso, para ser associada à mesquinhez de um prémio indigno de si.

Mas, ao mesmo tempo, esquece-se que quando uma obra artística, qualquer que ela seja, não alcança o público, a culpa não é do público... é do artista!

Por isso, talvez se exigisse de Herberto Hélder e Luandino Vieira a coerência de recusarem pôr os seus livros à venda por essas livrarias fora, retirando-os do alcance dos imbecis mortais, indignos da sua incomensurável grandiosidade intelectual de semi-deuses.
Tão grande que nem sequer pode ser alcançada por um prémio qualquer.
Como se dissessem: «Vêem como eu sou um dos grandes escritores da humanidade, que até recuso prémios e tudo?...»

Caso contrário, sou livre de pensar que a recusa de prémios literários, principalmente prémios com o prestígio como têm estes que aqueles brilhantes escritores recusaram, não é mais do que uma forma fria consciente e calculista de cultivar uma imagem de excentricidade e de uma artificial grandeza humana.

Ou será que essa recusa não significa mais do que uma mesquinha manobra publicitária que se antevê que renda mais ainda que o valor monetário do próprio prémio?...




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