quinta-feira, 30 de março de 2006

 

Mera Coincidência



Talvez com uma única excepção (no caso de um casamento celebrado sob o regime da comunhão geral e em que um dos cônjuges recebeu uma herança ou doação que não quer repartir com o outro cônjuge que é culpado pelo divórcio) não existe já em Portugal qualquer necessidade de um divórcio ser obtido pela via litigiosa.

Desde que ambos os cônjuges estejam determinados em divorciar-se, podem perfeitamente optar pela simplicidade e pela economia do divórcio por mútuo consentimento.

Para tal, basta que ambos os cônjuges simplesmente relacionem os bens comuns do casal, que acordem na regulação do exercício do poder paternal dos filhos menores, no destino da casa de morada de família (não a sua propriedade, mas o direito a ali residir) e na prestação de alimentos, se deles carecerem.

Talvez seja impressão minha, mas parece-me inequívoco que cada vez mais se está a vulgarizar a moda entre alguns ilustres advogados de fazer depender a anuência dos seus clientes no divórcio por mútuo consentimento da partilha antecipada de determinados bens comuns do casal.
Isto apesar de, como é óbvio, a partilha por divórcio só poder fazer-se... depois do divórcio.

E, de facto, se na pendência do casamento nada impede que de alguma forma se resolvam questões patrimoniais, também não há nada que justifique impedir a concretização de um divórcio por mútuo consentimento e dos acordos que lhe estão subjacentes por causa de uma questão perfeitamente lateral como é a partilha que se vai realizar somente depois desse mesmo divórcio.

Ainda hoje deparei com mais um desses casos:

A minha cliente intentou divórcio litigioso contra o marido.
Convocados para a audiência de tentativa de conciliação, levei preparados os acordos necessários à convolação do processo para mútuo consentimento.
Aliás, a separação de facto que se verifica há quase dois anos iria facilitar o acordo, pensei:
A minha cliente, ela própria, anuía em atribuir a casa de morada de família ao marido (que nela reside), o poder paternal do menor (que com ela sempre viveu) ser-lhe-ia entregue, a minha cliente (que tem menores recursos) e o marido prescindiriam mutuamente de alimentos e relacionariam a casa da família como único bem comum que ainda subsiste.

Enganei-me redondamente!
A advogada do marido da minha cliente concordava com tudo.
Não queria era que o divórcio prosseguisse como mútuo consentimento...
Queria, ao invés, partilhar previamente a casa do casal, e ainda por cima em circunstâncias desfavoráveis para a minha cliente.
Como é óbvio, não houve acordo e o processo de divórcio lá prosseguiu como litigioso.
No final, a partilha far-se-á na mesma e, como é claro, em condições absolutamente normais.

Resta dizer que estou absolutamente persuadido de que tudo isto é mera coincidência e que o facto de os honorários que um advogado cobra por um divórcio litigioso serem significativamente superiores aos que cobra por um divórcio por mútuo consentimento, não tem absolutamente nada a ver com a decisão da minha ilustre colega...




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