sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

 

Porque não voto nos outros



Qualquer eleição num Estado democrático, já aqui o tenho dito, representa um «contrato político» que o candidato que se apresenta a votos faz com aqueles que o elegeram.

Perante um determinado programa político que esse candidato propõe aos eleitores, estes, por sua vez, prefiguram a sua actuação futura à frente do órgão para que foi eleito, e «contratam» com ele o cumprimento desse programa, dessa linha de actuação.
O eleitor vota no seu candidato, escolhendo-o como seu representante político, porque espera dele, uma vez eleito, uma actuação semelhante à que ele próprio teria se estivesse no seu lugar.

Não haverá eleição de cariz mais vincadamente político que a do Presidente da República.

Depois de uma eleição legislativa o eleitor ainda entenderá que o novo Primeiro-ministro aumente os impostos quando prometeu que não o faria, alegando alterações de circunstâncias técnicas, financeiras ou políticas.
Pode até mesmo vir a ser elogiado por uma espécie de “coragem política” para preferir um desígnio nacional em detrimento de uma promessa eleitoral que decidiu não cumprir.

Mas a um candidato a Presidente da República, até porque vivemos num regime semi-presidencialista, exige-se-lhe que clarifique de modo inequívoco o seu programa político e que se apresente claramente perante o eleitorado com quem quer «contratar politicamente», prefigurando-lhe a sua linha de actuação política em determinadas situações concretas e precisas que se lhe deparem no futuro, sejam rotineiras sejam de excepção.

Por isso, exige-se a um candidato a Presidente da República que se defina ideologicamente.
Até porque, como é óbvio, é a ideologia política de uma pessoa que, num quadro de actuação política, determina o seu modo de actuação perante uma situação concreta e precisa.

É por isso que não voto em Cavaco Silva!

Em primeiro lugar porque a ideologia e a filosofia política que se enquadram no partido político em que Cavaco Silva está filiado, não correspondem nem de perto nem de longe às que perfilho.
Um partido liberal e conservador, e que tão bem se tem dado ideologicamente em Governos de coligação com o CDS, não faz, de facto, o meu género.

Em segundo lugar porque Cavaco Silva não divulgou uma única cláusula «do contrato político» que quer fazer com os eleitores portugueses.

Para além de meia-dúzia de considerações genéricas de cariz técnico-financeiro, que ele sabe bem que nada têm a ver com as competências presidenciais, Cavaco foge sistematicamente a qualquer forma de clarificação política e ideológica da sua pessoa.
Cavaco quer dar-se bem com gregos e com troianos, e foge como o Diabo da cruz de qualquer definição ou esclarecimento sobre uma determinada actuação perante um acontecimento preciso e concreto que se lhe prefigure no futuro.

E não há nada que mais me repugne do que uma pessoa de meias tintas, que se quer dar bem ao mesmo tempo com Deus e com o Diabo e que não tem coragem, verticalidade e honestidade políticas para se definir e se apresentar de peito aberto aos eleitores: «meus amigos para o melhor e para o pior é assim que eu penso, é assim que eu sou; quem concordar que vote em mim».

Cavaco não é assim: é um candidato que se apresenta aos eleitores de má fé e com a reserva mental de quem sabe bem que cada vez que abre a boca perde votos.
A demonstrá-lo estão as sucessivas quedas nas sondagens logo que a campanha eleitoral o obrigou a uma maior exposição pública e mediática.
Quem sabe com mais uns dias de campanha as coisas não seriam diferentes.

Lembro-me, por exemplo, da primeira página do «Expresso» que, à simples pergunta sobre o que pensavam os candidatos presidenciais sobre o casamento homossexual, trazia a resposta inequívoca e afirmativa de todos demais os candidatos.
A resposta de Cavaco Silva era bem elucidativa: «talvez».

Cavaco Silva é um hipócrita político que não diz o que pensa.
Porque não tem coragem para o fazer.

E se me repugnam as pessoas de meias tintas e os candidatos que não têm coragem de se assumir política e ideologicamente, o sentimento que nutro pelas pessoas que votam neles às cegas e lhes dão um voto em branco em nome não sabem bem de quê, confesso que não é muito diferente.

O que disse sobre Cavaco Silva vale também para Manuel Alegre.
Bem mais próximo da minha «família política», Manuel Alegre não teve a dignidade para suspender a sua militância no Partido Socialista nem teve a hombridade de suspender o seu mandato de deputado.

Pelo contrário, no dia da votação do Orçamento de Estado, e apesar de manter o seu lugar de deputado (e de vice-presidente) faltou cobardemente à sessão, para não ter de se assumir politicamente com um voto, qualquer que fosse o sentido que lhe quisesse dar, já que foi para isso que foi eleito.
Fugindo a uma definição e clarificação honesta das suas ideias e às suas responsabilidades, e adoptando uma postura de meias tintas para não ter de explicar porque votava - ou contra ou a favor - Manuel Alegre perdeu o meu respeito como candidato presidencial.


Depois temos Francisco Louçã.
Louçã não passa de papagaio bem falante, que anda a esconder às pessoas o que é isso do trotskismo, e quais as conclusões da «4ª Internacional» que ainda hoje defende e perfilha.
Os votos de Francisco Louçã provêm de uma moda de defesa de tudo e mais alguma coisa que cheire a «politicamente correcto»: uma espécie de defesa do «meio ambiente político», tradicionalmente de esquerda mas, afinal, completamente destituída de sentido ideológico.
Sob a capa de um discurso proferido com uma voz estudadamente serena, pausada e sincopada, que tenta passar uma mensagem de «bom sendo político», se virmos bem Francisco Louçã não apresenta uma única solução alternativa para as críticas sucessivas que faz a tudo e a toda a gente.
E também não se clarifica nem define ideologicamente, porque sabe bem que o trotskismo rende muito poucos votos nos dias de correm.

Já o leninismo ainda vai rendendo alguns votos.
Mas não é por isso que Jerónimo de Sousa terá o meu.

Jerónimo de Sousa representa um partido que ainda hoje associo a uma ideologia ditatorial que identifico com os Gulags, com uma polícia política feroz e criminosa e com assassínios em massa tão bárbaros como os de Hitler, Pol Pot ou Mao Tsé Tung.
Um partido que defende assumidamente Fidel Castro, que justifica os seus campos de concentração com o embargo americano a Cuba e se engasga com perplexidade quando lhe falam na Coreia do Norte.
Jerónimo de Sousa representa ainda a corporização de um sistema político que, se estivesse em vigor em Portugal, nem sequer me permitiria escrever estas palavras.


Resta-nos Mário Soares.
Confesso que ainda hoje não vejo com bons olhos a candidatura de Mário Soares.
Nem nunca entendi muito bem esta sua candidatura, serôdia e aparentemente despropositada.
Preferia continuar a vê-lo como uma espécie de «senador», de um irmão mais velho da Pátria a quem se pede um conselho numa hora difícil.

Mas a candidatura aí está e os candidatos são estes.
Em quem votar, afinal?

Mário Soares é um político e um homem corajoso que nunca teve qualquer problema em se assumir e definir política e ideologicamente.
É dos políticos a quem a democracia portuguesa mais deve.

Acontece que durante dois mandatos, durante dez anos, Mário Soares, em quem votei duas vezes para a Presidência da República, sempre cumpriu pontual e escrupulosamente o «contrato político» que com ele eu tinha celebrado.
Pelo que é de prever que, caso seja eleito, o cumpra novamente.

E acontece ainda que eu estive com Mário Soares no dia 19 de Julho de 1975 na manifestação da Fonte Luminosa.

Em quem votar então, senão em Mário Soares?




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