segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

 

O Fiasco Judiciário



Segundo o «Público» da passada sexta-feira, (sem link disponível para este artigo) o Supremo Tribunal de Paris ilibou totalmente de todas as acusações os últimos seis arguidos de um «mega-processo» de pedofilia francês, tal como havia já feito no ano passado com outros sete acusados do mesmo processo.

Este caso já é considerado o maior fiasco judiciário francês de todos os tempos.

De tal forma que o Primeiro-ministro francês Dominique de Villepin vai receber pessoalmente todos os acusados, enquanto o ministro da Justiça Pascal Clément lhes pediu formalmente desculpa em nome de toda a instituição judiciária, e anunciou que lhes vai atribuir avultadas indemnizações financeiras.

Mas, para muitos destes acusados nenhuma compensação será alguma vez possível: todos foram desacreditados e vilipendiados em toda a sociedade francesa, perderam os seus empregos, tiveram de vender as suas casas e viram os seus filhos menores entregues a orfanatos.
Um deles suicidou-se na prisão.

Todo este caso começou em 2000 com uma «simples» denúncia de incesto e pedofilia feita pelos serviços sociais de Outreau, uma pequena vila do Norte de França.
Dois casais provenientes de um meio de grande miséria material e cultural são então presos e condenados.

Mas a mulher de um destes casais, Myriam Delay, mais tarde reconhecida como mitómana, aparentemente não quis ir sozinha para a prisão.
Ou talvez pensasse (o que é muito mais comum do que se poderia supor) que sairia beneficiada do caso se procurasse dividir com mais pessoas a sua culpa.
Foi então que começou a denunciar a torto e a direito as mais variadas pessoas, mais ou menos conhecidas e públicas na sociedade francesa, inventando a sua participação numa rede de clientes e de prostituição de menores.
O caso depressa passa para as primeiras páginas dos jornais num escândalo trágico, feito de mentiras e falsidades sem precedentes.

Mas, com um Ministério Público de uma inqualificável inépcia e deslumbrado com a mediatização do caso, com uma Polícia Judiciária confundida com a dimensão do caso Dutroux (pouco tempo antes descoberto na Bélgica) e, ainda por cima, com um Juiz de Instrução totalmente inexperiente e incompreensivelmente incompetente, imediatamente são presas 17 pessoas, arrastadas para esta lama putrefacta de que nunca mais sairão, por muitas indemnizações que recebam.

A incompetência de todas as instituições judiciárias foi de tal ordem e de tal dimensão, que foi o próprio procurador do Ministério Público que agora interveio no Supremo Tribunal francês quem pediu aos jurados que inocentassem os acusados «com humildade e humanidade», dizendo que «este caso é um mil-folhas de pequenos erros, de maus funcionamentos, de faltas de atenção». E ainda que «ninguém terá tido sentido crítico para parar a engrenagem».

Num acto sem precedentes, os advogados dos arguidos renunciaram mesmo a fazer as alegações da defesa.
Quando o júri leu a sentença de ilibação, os seis homens e mulheres acusados aplaudiram em uníssono.
E, a seguir, todos começaram a chorar.


São inegavelmente perturbadoras as semelhanças deste caso com o processo de pedofilia mais mediático de Portugal, vulgarmente conhecido como o «Processo Casa Pia».

De todos os acusados neste processo, não se sabe ainda quem é verdadeiramente culpado ou inocente.
E provavelmente nunca se saberá, qualquer que seja o veredicto que venha a ser proferido sobre cada um dos arguidos. O que só por si, se virmos bem, abona muito pouco em favor da Justiça portuguesa.

Por isso mesmo, seria bom que todas as autoridades judiciárias portuguesas retirassem as devidas ilações deste chocante caso francês.
E procurassem, antes de mais, apurar a verdadeira competência de todos quantos já tiveram intervenção no caso português.
Todos: dos agentes da Judiciária, aos procuradores dos Ministério Público, aos juizes de Instrução.

Mas, muito sinceramente, e recorrendo às palavras do Procurador francês, parece-me que de todos os intervenientes no caso muito poucos, de facto, me parecem «possuir sentido crítico para parar a engrenagem».




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