terça-feira, 8 de novembro de 2005
O Fogareiro
Ao ler no «Afixe» o post do Bernardo Motta «Acudam Que É Taxista», lembrei-me de uma história de “fogareiros” que também se passou comigo, há já p’raí uns vinte e tal anos.
Por ter um ending mais happy que a do Bernardo, pode ser que até lhe sirva de consolação.
Naquele tempo fazia-me deslocar no meu primeiro carro, um Mini 1000 azul escuro, lindíssimo, com rodas largas, baquets e volante especiais e tudo.
Que saudades!
Se alguém o vir por aí, diga-me. É o BP-86-45. (Não penses nisso, Filipe! É para mim!!!)
Um belo dia, seguia por aquela rua que liga a estação de serviço da BP (em frente à Universidade Católica) à 2ª Circular.
Ia eu todo descansado pela faixa da esquerda, quando o palerma que ia à minha frente resolveu travar subitamente e virar numa rua à esquerda.
Travei também para não lhe bater por trás e, instintivamente, guinei para a faixa da direita.
Mas nessa faixa da direita seguia um garboso taxista num enorme Datsun 2000 e não sei quantos, que por sua vez teve de travar bruscamente para não me bater quando me meti inesperadamente à sua frente.
Acenei-lhe imediatamente a pedir-lhe desculpa. Claro que se ele me tivesse batido a culpa seria toda minha, bem sei.
Por isso mesmo, apesar de me começar a buzinar repetidamente e a acenar-me gestos susceptíveis das mais variadas interpretações, continuei a acenar-lhe desculpas, enquanto seguia o meu caminho.
Mas o homem não desistiu. Queria ainda mais qualquer coisa.
No semáforo vermelho seguinte parou uns carros atrás de mim, saiu do táxi e aproximou-se com ar apressado, ameaçador e fumegante.
Tinha um aspecto marialva, e uma compleição física magra e seca de corredor de fundo, assim estilo Fernando Mamede (que o homem me perdoe a comparação), e vestia uma camisa às flores aberta até à barriga e tudo.
Atirou-me:
- Você viu o que fez ó sua ganda besta?
Respondi-lhe:
- Ó homem, já lhe pedi desculpa! Desviei-me para a sua faixa para fugir do gajo que travou à minha frente. Peço-lhe mais uma vez desculpa!
Não há dúvida que é verdade aquilo que dizem que não se deve mostrar medo aos cães. Deve ter sido por isso que o sujeito me disse, agora já a tratar-me por “tu”:
- E achas que isso chega, ó cabrão? Salta mas é cá para fora!
Sem sequer lhe dizer uma palavra, abri lentamente a porta do Mini e comecei a desenrolar cá para fora o meu metro e noventa e dois e os meus (na altura) 100 quilinhos de peso.
Quando me viu cá fora já todo desenrolado, o homem nem queria acreditar no que os seus olhos lhe transmitiam ao neurónio, decerto maldizendo a lei da física que me permitia caber dentro de um Mini e que ele não sabia que existia.
Não lhe dirigi uma única palavra.
Olhou para mim de alto a baixo e abriu muito os olhos.
Depois, e também sem dizer uma só palavra, desatou a fugir em pânico pela rua acima.
Meteu-se à pressa dentro do carro e arrancou bruscamente, passando o semáforo que os santinhos entretanto lhe tinham mudado para verde.
Nem sequer teve coragem de virar a cara e de me olhar quando passou por mim.
Durante uns tempos ainda procurei no meio do trânsito aquele velho Datsun e aquela camisa às flores, só para ver qual seria a reacção do homem quando me tornasse a encontrar.
Mas, lamentavelmente, nunca mais o vi...