segunda-feira, 31 de outubro de 2005
O Referendo
É minha profunda convicção que a questão do aborto deveria ser definitivamente resolvida através de uma iniciativa legislativa na Assembleia da República.
Como é minha convicção que tal só ainda não sucedeu por manifesta falta de coragem política!
Contudo, estou perfeitamente de acordo com a decisão de José Sócrates: as promessas eleitorais são para cumprir. Até porque já foram violadas as suficientes.
Se durante a campanha eleitoral o P.S. se comprometeu politicamente a tomar uma decisão sobre a alteração à lei do aborto somente após um novo referendo, deve respeitar escrupulosamente tal compromisso.
Embora esteja também persuadido que tal compromisso não deixe só por si de significar falta de coragem política... precisamente para não o tomar!
Até porque o referendo anteriormente realizado não foi vinculativo por falta de participação, o que teria aberto a porta da legitimação política para uma decisão exclusivamente parlamentar.
E que nos faz cair uma vez mais no velho costume português de arranjar sempre uma desculpa qualquer de última hora, que nos permite não tomar uma decisão...
Ora, desde que o PS tomou a iniciativa de relançar o referendo sobre o aborto, que a questão se debruçou exclusivamente sobre a legalidade e sobre a oportunidade técnico-jurídica da sua realização imediata, com acesas discussões sobre os conceitos de «legislatura» e de «sessão legislativa».
E também sobre a bizarra teoria de que as sessões legislativas iniciadas após eleições antecipadas se prolongam para a sessão legislativa seguinte, com ela formando uma só, assim uma espécie de «super-sessão legislativa» maior que todas as outras...
Mas, o que é curioso, é que os doutos pareceres proferidos sobre o assunto, por mais rigorosos e técnicos que se revelassem, desde logo se dividiram entre «esquerda» e «direita».
Por outras palavras:
Quem era, de princípio, a favor da alteração da actual lei do aborto, apareceu a defender a legalidade da realização imediata do referendo: havia nova sessão legislativa;
Pelo contrário, quem era contra a alteração da lei veio defender que o referendo não se podia realizar já: estamos ainda na mesma sessão legislativa.
O que (e face às sondagens que se conhecem já sobre o tema), não deixa, de facto, de ser uma coincidência extremamente curiosa e bem reveladora da sapiência, do rigor técnico e da honestidade política e intelectual dos nossos políticos:
- os de esquerda a favor da legalidade do referendo;
- os de direita contra a legalidade do referendo.
Só que, agora que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de novo referendo antes de Setembro de 2006, porque raio é que falam de derrota política deste ou daquele e andam a fazer de conta que não sabem que – também no Tribunal Constitucional – não ocorreu, como se esperava, uma decisão exclusivamente técnico-jurídica, e se passou precisamente a mesma coisa?...
Só que, agora que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a inconstitucionalidade de novo referendo antes de Setembro de 2006, porque raio é que falam de derrota política deste ou daquele e andam a fazer de conta que não sabem que – também no Tribunal Constitucional – não ocorreu, como se esperava, uma decisão exclusivamente técnico-jurídica, e se passou precisamente a mesma coisa?...