segunda-feira, 12 de setembro de 2005

 

A Greve de Zelo



Provavelmente o começo do ano lectivo vai uma vez mais trazer às primeiras páginas dos jornais as mais recentes políticas da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues.
Desde a iniciativa de começar o ensino do inglês já nas escolas primárias, à decisão de implementar concursos plurianuais de professores, passando pela aparente colocação a tempo e horas dos professores neste ano lectivo, o que não é nada pouco se nos lembrarmos da balbúrdia do ano passado.

Mas a medida que parece estar a causar mais polémica é a obrigatoriedade da permanência dos professores nos seus estabelecimentos de ensino durante a totalidade das 35 horas semanais dos seus horários de trabalho.

Com isto pretendeu a ministra «separar o trigo do joio», querendo fazer a mais básica justiça de destrinçar os professores que verdadeiramente trabalham, quer em actividades lectivas propriamente ditas ou com elas relacionadas, quer também em projectos pedagógicos paralelos, daqueles que simplesmente dão 16 ou 18 horas de aulas por semana, e lá vão fotocopiando uns testes dos anos anteriores que vão sucessivamente corrigindo durante as próprias aulas que, aliás, nem lhes passa pela cabeça preparar minimamente.

Simplesmente, acontece que esta medida foi considerada como a última e suprema afronta à nobre classe dos professores.
E talvez também ao seu já célebre «dia de folga» semanal.

Mas, e o que é mais curioso, é que não são os professores mais relapsos e incompetentes que têm bramado contra este «insulto» ministerial.
Não! Esses têm estado caladinhos, a ver se não dão nas vistas e “à espera que a crise passe”.

Por estranho que pareça, aqueles que se têm manifestado mais profundamente indignados são os professores mais competentes e interessados, e aqueles que até agora mais empenho demonstravam na sua profissão quando, ao invés, tudo levaria a supor que seriam precisamente estes a beneficiar de uma política que visa distingui-los dos seus colegas incompetentes e preguiçosos.

E como resolveram esses professores manifestar a sua indignação?

Não ouvi qualquer declaração sindical, nem vi nenhum professor manifestar-se preocupado com o recente descalabro das notas dos exames do 12º ano ou dos exames de português e de matemática do 9º ano, bem reveladores do estado de degradação a que chegou o ensino em Portugal.
Nem tão pouco ouvi qualquer diagnóstico ou proposta de solução vinda, afinal, dos profissionais desta matéria.

Não! Isso decerto são «pequenos problemas» que agora não interessam para nada.

O que tenho ouvido são reacções indignadas e ameaças sindicais de greve àquilo que os professores consideram um autêntico ultraje a toda a sua classe, embora, diga-se de passagem, não tenha ouvido quaisquer outros argumentos contrários que não passem única e simplesmente pela quantidade de metros quadrados que se calcula que os professores ocupam na escolas ou pelo número de computadores que ali existem.

Mas a reacção destes professores não fica por aqui!
De quem sinceramente não esperava, dei por mim a ouvir, não por um ou dois professores, mas até por muitos mais, argumentos como este:
- «Ai a ministra quer 35 horas? Então dou as minhas aulinhas, e já que não há computadores para todos, cumpro o resto das 35 horas na sala dos professores e não faço mais a ponta de um corno!»

E então, é assim que quando finalmente temos uma ministra que quer acabar com a tradicional falta de escrutínio e de uma avaliação de desempenho verdadeiramente eficazes e que sejam reveladores da incompetência de tantos professores que, ano após ano, se arrastam pelas escolas a criar sucessivas gerações de alunos ignorantes, e é também assim que quando uma medida ministerial parece finalmente querer premiar a competência, o interesse e a diligência numa profissão, a mais acérrima oposição, agora em forma de uma espécie de «greve de zelo», provém, paradoxalmente e por incrível que pareça, exactamente dos mais capazes e competentes, motivados unicamente pelos mais básicos e primários sentimentos corporativos de uma classe crescentemente desacreditada.

E que, pelos vistos, quer continuar nivelada.
Nivelada por baixo, sim.
Mas nivelada!



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com