quarta-feira, 20 de julho de 2005
Citação
«A palavra “ateu” conserva uma vaga conotação pejorativa e causa sempre um pouco de receio: herança de vários séculos de perseguições, de desprezo e raiva por todos aqueles que negavam a existência de Deus, e se viam irremediavelmente condenados.
«De forma inconsciente, a ideia de maldição permanece sempre: «Graças a Deus, Deus não existe. Mas se Deus nos protege, ele existirá realmente?», diz um provérbio russo.
«E, neste domínio, a certeza foi alguma vez absoluta? Nunca se arriscou uma aposta? Muitos descrentes convencidos hesitam ainda em proclamar-se ateus. A palavra não é neutra e dela se liberta um vago cheiro de fogueira.
«Mas o vocábulo “materialista”, que muitas vezes lhe anda associado, conserva igualmente um sentido desprezível: ligado a uma doutrina “grosseira”, “baixa”, “primária”, foi utilizado durante muito tempo como acusação ou como injúria»
«Existe, pois, uma pesada herança passional em redor do ateísmo, uma noção carregada de agressividade, tanto para os seus defensores como para os adversários porque se trata da negação por excelência, a negação de Deus.
«A atitude descrente é, assim, uma componente fundamental, original, necessária e portanto inevitável de qualquer sociedade. Por aí, ela tem obrigatoriamente um conteúdo positivo e não se limita à não crença e é uma afirmação: a afirmação da solidão do homem no Universo, geradora de orgulho e de angústia; somente face ao seu enigma é que o homem ateu nega a existência de um ser sobrenatural que intervenha na vida, mas o seu comportamento não se apoia nessa negação porque a assume como dado fundamental (ateísmo teórico) ou de forma inconsciente (ateísmo prático).
«Esta solidão, que faz a sua grandeza e miséria, está na origem de diversas condutas; engendra uma moral ou uma ética baseada apenas no único valor discernível no Universo, que é o HOMEM».
- Georges Minois, in «A História do Ateísmo»